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16/07/2001 - 09h55

Zé Celso monta no Rio "Esperando Godot", clássico de Beckett

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VALMIR SANTOS
da Folha de S. Paulo

Entre a remontagem de "Cacilda!", em abril passado, e "Os Sertões", prevista para o ano que vem, José Celso Martinez Corrêa põe os pés na ante-sala de Samuel Beckett com "Esperando Godot".

Como o fez em 1968, em "Roda Viva", a convite do autor e -à época- produtor Chico Buarque, Zé Celso, 64, volta ao Rio 33 anos depois, agora para dirigir a peça mais cultuada do dramaturgo irlandês (1906-1989).

Trata-se, portanto, do segundo espetáculo que assina fora do seu habitat, o teatro Oficina, na Bela Vista, que faz 40 anos no dia 16 de agosto.

A estréia será na próxima sexta-feira, na sede carioca do Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB).

Nas respostas a seguir, por escrito, Zé Celso afirma que a atriz Cacilda Becker (1921-1969) -morta em consequência de aneurisma que sofreu quando interpretava a peça de Beckett no TBC- o "chamou" para Godot como um destino; assume a perspectiva do sentimento amoroso entre os personagens Vladimir e Estragão (e não Estragon, como quer o Zé também adaptador), mendigos dominados pela espera de alguém ou algo que nunca vem (Deus?); e lança o cordão umbilical entre Beckett e João Gilberto.

Folha - Godot é Deus?
José Celso Martinez Corrêa -
Pode também ser. Um deus que tem conta e sigilo bancário, banco de dados, ou simplesmente não faz nada, ou ainda cuida de cabras e ovelhas... Acho que está mais para "Gott is Tod", o Deus está morto de Nietzsche e todas as consequências oswaldianas: o Messias não vem mesmo, a vida é pura devoração, usufruto, imanência, o fim do Teatro Metafísico.

Beckett não fecha nenhuma interpretação definitiva sobre nada na peça, nem eu. E os atores atuam com o paradoxo crença e descrença; paradoxo das situações inominadas que importa no teatro onde tudo é metamorfose.
São três peças numa só. 1) Os dois palhaços párias, fazendo "te-ato" como duas pessoas especiais do público que vão para o teatro esperar "Esperando Godot"; 2) O Teatrão do Senhor Godot Pozzo, "posuso", neoliberal, e o seu escravo Lucky, sortudo por ter um emprego; e 3) O Te-ato de Possessão do escravo que tem sua corda retirada do pescoço, fica livre com seu chapéu para pensar e desmantela toda a estrutura da espera da peça, por isso muitos dizem que ele é Godot.

Folha - Haverá invocação a Cacilda Becker?
Zé Celso -
Foi a invocação da Becker que me trouxe Beckett. O aneurisma de Cacilda, no segundo ato da peça, veio se somar ao vodu de superstições que cerca essa obra-esperma de teatro. Acho que topei fazer, assim como fiz "Cacilda!", para exorcizar Godot, assumir o risco de "vidamortevida" e dar este brinquedo perigoso de presente para o público.

Muita coisa está acontecendo, não estou com a maior saúde do mundo, nem gozando de um novo amor, as coisas continuam difíceis para minha maneira de criar, mas nada se compara ao prazer que tenho tido de brincar com esta maravilha. Cacilda me chamou para Godot como para um destino, pois como ela diz: "Meu teatro são todos os teatros". "Esperando Godot" é uma brincadeira com todos os teatros do mundo e, acima de tudo, uma confirmação de que tudo é performance, tudo é teatro.

Não há drama nem tragédia que resista a você poder rir com ela. Tenho aprendido e me aliviado muito nos meus piores momentos, sabendo levar tragicômica e orgiasticamente, até onde a seriedade da sociedade nem permite.

Folha - Por que adotar a perspectiva do sentimento amoroso?
Zé Celso -
Foram mendigos sem teto, beijando-se e masturbando-se, fotografados por Roberto Garcia em 1984, no Rio, um clássico da fotografia brasileira -comprei a imagem do autor no restaurante Nova Capella, no dia em que decidi fazer a peça-, que me inspiraram a ler a relação amorosa, solidária e erótica inevitável entre Estragão e Vladimir.

Talvez eles nem consigam mais gozar juntos, por isso tentam se enforcar para ficarem de pau duro e ejacularem produzindo mandrágoras. O cartaz e o programa da peça sacralizam esta foto-santinho, o amor, talvez a maior força com que contam os excluídos. Beckett tem tanto amor-solidariedade, sentimento de toda sua geração antifascista, como o amor erótico, o gosto pela sacanagem, e o amor além do além, aqui, pela vida e pela morte.

Folha - Como é a experiência de trabalhar fora do teatro Oficina?
Zé Celso -
As condições oferecidas pela [produtora" Dueto não podiam ser melhores, me fazem sentir no Oficina, onde também sou muito bem-cuidado. Em seus 40 anos de atividade, o teatro acabou por formar uma estrutura absolutamente excepcional, apesar de instável financeiramente.

Percebi que estava muito preparado para fazer "Esperando Godot" desde "As Três Irmãs", de Tchecov, e "Gracias, Señor" [criação coletiva, ambas em 1972" por trabalhar o silêncio, a relação com todo o espaço e fora dele, a comunicação direta com o público, nos mais variados estados de consciência e inconsciência, o estar ali.

Beckett, neste sentido, é um João Gilberto. Destila, como João na música, o que mais importa no teatro, que é a presença dos atores, do público e do espaço, e cria um quebra-cabeça luxuoso de ações, numa sonoridade minimalista rítmica musical de falas e silêncios pulsados, metrificados.

O trabalho de "te-ato" exige um ator muito energizado e em contato com o público, consigo mesmo e com o mundo; suspensão de uma só máscara para um jogo infindo de metamorfoses.
 

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