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25/07/2001 - 02h52

Indústria fonográfica reclama da pirataria e prevê extinção do mercado

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PEDRO ALEXANDRE SANCHES
enviado especial ao Rio

Desespero é hoje palavra de ordem entre as grandes gravadoras de discos do Brasil. Reunidos pela Folha numa entrevista conjunta, presidentes de quatro das seis multinacionais em ação no país e um representante da Associação Brasileira dos Produtores de Discos (ABPD, a instituição que os congrega) são unânimes em admitir que sua área de atuação desce ladeira abaixo com a rapidez de um apagão.

O grande motivo da aflição dos tubarões é a pirataria, que, segundo dados deles próprios, ocupava 3% do mercado em 1997 e hoje já ascendeu à proporção média de 50%. "Se nada for feito, se não houver vontade política de acabar com a pirataria, somos pessoas de uma espécie em extinção", diz um dos peixões, Aloysio Reis (EMI/ Virgin), assombrado com a queda de cerca de 50% nas vendagens de discos neste semestre, em relação ao mesmo período do ano passado.

Vão ao alarmismo em uníssono quando avisam que se o governo não colocar em pronta ação o recém-instituído Comitê Interministerial de Combate à Pirataria a indústria fonográfica "acaba" antes do final do ano. "Descobriram que acabou a energia no Brasil e a qualquer hora vão descobrir que acabou a música popular brasileira também", afirma o mesmo peixe-espada.

Ferozes na autodefesa, os tubarões se tornam bagres ensaboados na hora de falar dos altos preços, do marketing predatório e da baixa qualidade dos produtos musicais que fabricam. O impasse não se dissolve, mas os salmões estão postos à mesa.

Participaram da entrevista os presidentes Aloysio Reis, 47, da EMI/Virgin, José Antonio Eboli, 45, da Sony, Marcos Maynard, 49, da Abril Music, e Luiz Oscar Niemeyer, 45, da BMG, e o diretor-geral da ABPD, Márcio Gonçalves, 29.

Faltaram, entre os representantes de gravadoras ligadas a grandes grupos, João Araújo, da Som Livre (braço fonográfico da Globo), Marcelo Castelo Branco, da Universal, e Sérgio Affonso, da Warner/Continental. Também foi convidado e não compareceu João Marcello Bôscoli, da Trama (do grupo VR), gravadora que não é filiada à ABPD. Leia trechos a seguir.

Folha - Procede o boato que corre na indústria, de que a pirataria já toma 70% do mercado fonográfico nacional?

Márcio Gonçalves -
Na verdade, são estimativas. O número que estamos usando hoje, que acreditamos ser o mais próximo da realidade, é de 50% do mercado, só em CDs. O mercado de fitas cassete hoje é 100% pirata, se fizer a soma dos dois realmente vai dar em torno de 70%. Mas há alguns produtos mais populares e algumas épocas do ano, Natal por exemplo, em que há uma quantidade maior de pirataria. Não seria de espantar, então, que em alguns meses e em alguns produtos encontrássemos esse nível de pirataria. Mas a média estimada seria mesmo de 50%.

Folha - A pirataria saltou de 3% em 97 para 50% em 2001? Como vocês chegam a esses cálculos?

Gonçalves -
Em 97 a pirataria de CDs era de 3% e estava focalizada em bootlegs e compilações. A falsificação era mais de produtos internacionais que brasileiros. Mais colecionadores iam atrás que propriamente os consumidores comuns. De 97 para 98 já pulou de 3% para 30%, porque o Paraguai era o principal centro distribuidor de piratas, e os ambulantes e distribuidores de lá simplesmente migraram da fita cassete para o CD. No dia em que pararam de vender cassete passaram a vender CD.

Luiz Oscar Niemeyer - Quanto à maneira como os números são auferidos, o valor de 100% dos cassetes é totalmente auferido porque nenhuma das gravadoras hoje comercializa cassete mais. É exatamente porque a coisa foi numa progressão tal que nossa participação caiu até pararmos. Quanto ao CD, temos estimativas preparadas pela Apdif, de projeções sobre apreensões que são feitas.

Gonçalves - Pela média das apreensões e da capacidade de produção das fábricas que são desmanteladas, até pela apreeensão de capinhas de CD se consegue ter uma estimativa. É claro que ela pode variar um pouco, mas é próxima da realidade.

Marcos Maynard - Até há alguns anos, também, não se via na rua com tanta facilidade os camelôs vendendo CDs piratas. No México, onde trabalhei, era um absurdo, os lojistas tinham na porta das lojas camelôs vendendo cassetes piratas, a seu bel-prazer. Hoje acontece igual no Brasil. CDs são vendidos não só em lugares afastados como no centro das cidades, em lugares nobres de São Paulo como a av. Paulista. A coisa é tão grande hoje que, se alguém procura um CD e o pirata não tem, ele já avisa que no dia seguinte o CD estará na mão.

Niemeyer - Em cidades do interior todas as bancas de jornal e postos de gasolina vendem CD pirata.

Maynard - Em Brasília é assim.

Aloysio Reis - Já existem regiões do país que nossos vendedores nem visitam mais porque todas as lojas vendem exclusivamente produtos piratas. O sul da Bahia é um exemplo. Quem atendia o sul da Bahia eram os representantes de Salvador, mas eles não vão mais porque não têm mais nenhum cliente. É um exemplo, existem outros.

Folha - Por que vocês perderam integralmente o mercado de fitas cassete?

Maynard -
Isso é normal acontecer no mundo inteiro. Historicamente, o produto brasileiro era o vinil. O cassete era subproduto. No México era o contrário, o produto nobre era o cassete. No Brasil, com o advento do CD, o produto nobre começou a desaparecer, e seu subproduto não tinha mais muita coerência em continuar existindo. Então isso foi caindo, e todas as pessoas quiseram comprar seu aparelho de som três em um. As camadas C e D da população passaram a consumir muito mais música popular a partir do início dos anos 90, porque tiveram a possibilidade de comprar seu três em um.

Folha - Há dados sobre o tamanho atual do mercado pirata de cassetes?

Gonçalves -
Em 98, que foi um ano de auge, era de 60 milhões de unidades. Uma fábrica no sul do Paraná encontrada pela Polícia Federal fazia, sozinha, 3 milhões de fitas por mês. Eu diria que hoje estamos entre 40 milhões e 45 milhões de cópias por ano.

Folha - Como se comparam esses números com os de CDs oficiais?

Gonçalves -
Em 98 foram cerca de 100 milhões de CDs.

Folha - O mercado de fitas cassete no Brasil ainda é muito grande então, embora não seja mais de vocês?

Gonçalves -
Ainda se fabrica muito, mas está diminuindo, principalmente no Nordeste e Centro-oeste, que eram os focos principais de cassete.

Maynard - As lojas de discos já nem têm mais lugar para colocar fitas cassete, nem querem mais. Para que você vai insistir numa coisa que não interessa mais?

Folha - O exemplo passado do que aconteceu com o cassete vai se repetir com o CD?

Niemeyer -
Com certeza.

Maynard - É a tendência natural.

Gonçalves - Se não houver uma política para impedir...

Reis - Isso já aconteceu em outros países, não é uma coisa que achamos que vai acontecer. Na União Soviética, por exemplo, o mercado legal praticamente desapareceu. Não há gravadora nenhuma nesses países. A única coisa capaz de proteger direito intelectual é a lei cumprida. Quando os países deixam de cumprir as leis, a tendência da propriedade intelectual é deixar de existir.

Folha - Vocês são então representantes de uma espécie em extinção?

Gonçalves -
Tomara que não.

Reis - Não necessariamente. Mas se nada for feito, se não houver uma vontade política de acabar com a pirataria, sim, você está falando com pessoas de uma espécie em extinção.

Maynard - Achei bonito isso (risos). Já sou um pouco mais velho que eles, então...

Folha - Se isso acontecer vai ser ruim para vocês, que são donos do negócio em iniciativa privada. Mas será ruim para quem mais?

Niemeyer -
Principalmente é ruim para a música brasileira, porque obviamente se existem hoje todos os grandes artistas que aí estão eles tiveram seus trabalhos financiados pelas gravadoras. Obviamente, não havendo negócio não há investidor. Nosso papel como investidores e descobridores de talentos será extinto. Se for extinto, a produção musical brasileira vai acabar, salvo se surgir algum mecenas.

Gonçalves - O detalhe é que hoje 80% da música que se vende no Brasil é brasileira.

Niemeyer - O que vai acontecer é que cada vez mais vamos começar a gravar menos e investir menos. A música internacional a gente recebe pronta, é só prensar os discos e vender. Mas a música brasileira acaba, porque nenhum investidor vai botar dinheiro num negócio que não é rentável.

Maynard - A música brasileira você tem que gravar. O músico vai ficar prejudicado, os estúdios já estão pedindo pelo amor de Deus por uma gravação, os lojistas estão em dificuldade, vários estão fechando, as fábricas estão com capacidade ociosa, os compositores não conseguem gravar suas músicas, os shows são prejudicados. É uma cadeia, não são as gravadoras as prejudicadas. Toda a rede em torno da música está prejudicada.

Reis - Uma das coisas que mais se discutem é o custo do CD, o preço mais barato. Quando se fala no custo de um CD se imagina a bolacha, o suporte, que é a coisa mais barata mesmo. Mas se considerar todos os custos, há um que nunca é mencionado: que de cada dez títulos lançados só um faz sucesso. Esses nove que não dão sucesso são o maior custo da indústria fonográfica. Esse investimento o pirata não faz, porque seleciona de tudo que lançamos só o que faz sucesso e lança. Essa tentativa de fazer sucesso com novos artistas o pirata não tem.

Folha - O pirata só seleciona o que faz sucesso? Muitas gravadoras independentes também já reclamam da pirataria.

Reis -
Porque há gravadoras independentes com sucesso. Os piratas têm a possibilidade de ficar sentados olhando tudo que as gravadoras estão fazendo, o que está vendendo. Não gasta dinheiro investindo um produto para tentar fazer sucesso. Esse é nosso maior custo.

Folha - Fazendo uma análise política do Brasil, o que aconteceu de 97 para cá para que a coisa saísse do controle dessa forma?

Reis -
Não é uma análise só política. Tem que se fazer uma análise da tecnologia. Para início de conversa, ficou muito mais fácil piratear.

Gonçalves - Em 98, o ano em que a pirataria cresceu de 3% para 30%, a maior parte dos produtos piratas eram feitos no sudeste asiático, em fábricas instaladas na China, em Macau, em Hong Kong. Cada país desses tinha mais de 50 fábricas, e o Brasil, como sétimo mercado do mundo, tinha cinco fábricas, com capacidade ociosa. Os produtos piratas eram fabricados lá e vinham de contrabando para cá. Em 98, por ação da IFPI, que é a mãe da ABPD, foram apreendidas em trânsito para o Brasil 15 mil unidades de CDs de artistas brasileiros. Foram fechadas duas fábricas em Macau e duas no Paraguai. Esses CDs foram apreendidos no Panamá, África do Sul, Alemanha, Tailândia, Argentina, Rússia. No Brasil, nesse mesmo período, foram apreendidos 2 milhões. Ou seja, fora as autoridades tinham muito mais consciência do problema e atuavam muito mais que aqui dentro.

Niemeyer - Facilitam muito, em termos de tecnologia, as cópias caseiras. Hoje, a principal fonte é o CD-R, não é mais o disco já industrializado. A principal fonte de pirataria são laboratórios de CD-R, que é muito barato, o rei da pirataria.

Maynard - A gente precisa muito da ajuda do governo. Estamos exatamente apelando a ele, para que olhe isso com olhos mais bondosos e veja a necessidade de intervir. A única coisa que sabemos fazer é música. Não temos aparato de polícia para sair caçando pirata. Temos um órgão que ajuda o combate à pirataria, a Apdif, que também não tem poder de polícia.

Folha - Além do descontrole tecnológico há um descontrole policial? O controle diminuiu ou ele antes não existia e ficou evidente com a explosão da pirataria?

Maynard -
O bolo era pequenininho, hoje é gigantesco. Naquele momento a Apdif conseguia controlar. Hoje 2.000 pessoas já foram detidas por pirataria, mas não há nenhuma presa. Como se vai fazer num país em que não há poder policial e judiciário que façam cumprir a lei? Estamos amarrados.

Folha - Como se dá a ação da Apdif?

Gonçalves -
A Apdif é um braço nosso destinado só a combater a pirataria. Tem cerca de 60 funcionários, e não tem poder de polícia. Ela só pode investigar e denunciar. Procura checar informações e dar tudo pronto à polícia. A polícia, se depender de sua própria vontade, não vai atrás.

Folha - Então já é um pouco trabalho de polícia, de investigador?

Gonçalves -
Exatamente.

Reis - É, mas o poder de polícia é o poder de prender e fazer cumprir a lei. Se ela não faz, então fica fácil.

Maynard - Antes, quando a tecnologia não era tão avançada, se você bloqueasse portos de entrada, tanto aéreos quanto marítimos, e a fronteira do Paraguai, tecnicamente estava bloqueando a pirataria. Era muito mais fácil. Hoje, com a tecnologia do CD-R, não dá mais.

Folha - Controle de alfândega não adianta mais?

Maynard -
Adianta, mas em parte.

Gonçalves - Faz parte do processo.

Reis - Mas a maioria dos piratas já é feita localmente.

Folha - Quem são os piratas?

Niemeyer -
(Silêncio) Quem são os piratas? Boa pergunta. Se a gente soubesse.

Maynard - Se aqueles 2.000 estivessem presos, a gente saberia quem são os piratas.

Niemeyer - Há quadrilhas, há a máfia chinesa, coreana...

Reis - É o mesmo de perguntar quem são os traficantes. Há traficante pequenininho, há megatraficante, tudo. É crime. Deve-se falar das gravadoras? Se alguém roubar as cadeiras dessa sala provavelmente vai ser preso. Mas pode roubar obra e não vai acontecer nada. O fato mais grave e mais importante disso tudo é que 2.000 pessoas foram detidas e não há nenhuma na cadeia.

Niemeyer - Um dono de fábrica no Paraná fazia 3 milhões de cassetes por mês. Teve a fábrica fechada pela Polícia Federal, tudo foi apreendido, todo mundo foi preso. Não aconteceu nada.

Gonçalves - Ele foi indiciado por vários crimes: sonegação fiscal, lavagem de dinheiro, formação de quadrilha... E o cara está na rua.

Folha - Se títulos chegam antes à banca do pirata que às lojas oficiais então parte dessas pessoas está dentro das próprias empresas que vocês comandam?

Reis -
Não necessariamente. Há muitos pontos de fuga. A fábrica é um ponto de fuga, o estúdio, o depósito, a transportadora, o caminhão.

Niemeyer - Houve agora o caso do cantor Leonardo. Cinco dias antes do lançamento o pirata estava na rua. Mandamos fabricar 500 mil discos, e descobrimos uma caixa que havia sido aberta. Tiraram quatro discos, fecharam e lacraram de volta. Esse disco chegou com capa e tudo, então foi pirateado a partir da fábrica.

Gonçalves - Tivemos um caso com o CD dos Raimundos. Um grupo armado com 40 pessoas encapuzadas, com metralhadoras uzi, entrou cinematograficamente numa distribuidora em São Paulo e roubou 70 mil CDs. Na época, até conseguimos identificar, porque a gravadora mudou uma cor no código de barras. Depois achamos em lojas.

Niemeyer - A tecnologia facilitou muito porque o CD comercial em si é um "master".

Folha - A divulgação para imprensa, rádios e TVs é um ponto de fuga?

Niemeyer -
Não, não, não. Apesar de que, sem dúvida, a divulgação é um ponto de fuga também.

Maynard - A impunidade no país é muito grande. Com ela aí, na nossa cara, é fácil qualquer pessoa que está dura ir fazer um CD-R e vender um CDzinho. Fica fácil, o governo não prende ninguém. Vai surgir uma nova República Dominicana aqui. Todo mundo foi embora da República Dominicana.

Niemeyer - O Brasil tem problemas tão sérios e grandes que a coisa da pirataria acaba entrando lá atrás na fila das prioridades. Agora o que não se está atentando é que não é uma questão de interesses econômicos das gravadoras. Isso é o menos importante. O mais importante é que a música brasileira vai para o saco. Quem vai descobrir novos talentos? Nós estamos nesse negócio para ganhar dinheiro, sim. Na hora que parar de dar dinheiro, acabou.

Folha - Vocês próprios não pararam de investir em qualidade, proporcionalmente, da época do estouro da axé music para cá?

Niemeyer -
Acho que você está enganado. Cada um tem um critério, é difícil falar. Gravo Chico Buarque, Lenine. São coisas relativas. Chico não foi descoberto agora, mas um disco seu custa alguns milhares de dólares. Vivemos num país de 50 milhões de miseráveis e indigentes que vivem com menos de R$ 80 por mês. Quando ocorre um Plano Real, as classes C e D, que estão fora da economia, entram nela. Entrando, começam a consumir dentro de seu âmbito cultural. Como eu disse, estamos aqui para ganhar dinheiro e para também atender a esse novo consumidor que está entrando na economia. Mas em momento nenhum deixamos de fazer as coisas com qualidade.

Maynard - E também as classes A e B estão indo para outros caminhos. Estão indo para a internet, para outros tipos de diversão. Por que todo mundo diz que a TV brasileira está pior, pior, pior? As classes C e D estão na TV aberta, e as classes A e B estão na TV a cabo. Muda o perfil, o jeito de fazer TV no Brasil. O mesmo acontece com o jeito de fazer música. A música sofisticada vende menos, por quê? Toca menos por quê? A rádio não quer tocar essa música porque o público que escuta, não está consumindo aquela música. Você não vai escutar Ivan Lins lá.

Niemeyer - Nos últimos três anos, a BMG estabeleceu três artistas que considero de altíssimo nível: Lenine, Ana Carolina e Dudu Nobre. Para fazer esses três, outros 12 não foram feitos.

Folha - As classes C e D não estariam ávidas por educação, além de consumo? Vocês não sonegaram a elas o pontencial educativo que poderiam ter?

Maynard -
É natural. Você potencializa o axé, não pode fazer nascer o axé. Ele nasce no povo. O forró, que potencializei, já vinha sendo consumido por muita gente. Estava ali. Olhei e vi. O funk pode ser música de pior qualidade ou não, mas é uma manifestação popular. Não inventamos nada daquilo. Produto de marketing é o que a gente inventa. Às vezes é necessário que as companhias tenham produtos de marketing, para suprir a falta e a lacuna de artistas criadores que não estão bons para criar naquele momento. Chico Buarque, Ivan Lins e Caetano Veloso não podem criar a toda hora. Aquele negócio de Manaus não aconteceu tanto porque não tinha artistas para ter tanto significado, não deu. Mas que a gente tentou fazer que fosse uma explosão nacional, tentou.

Reis - É um critério subjetivo. Você pode falar de investir em qualidade, mas isso não significa necessariamente que MPB seja qualidade e pagode seja má qualidade. É subjetivo. O principal da pirataria é um problema objetivo: é fechar portas para novos criadores, sejam eles de pagode, MPB ou rock. O mercado está diminuindo de maneira absurda. Todas as gravadoras que estão aqui e as que não estão também têm produtos de alta, média e baixa qualidade. Sempre tem, todos os tipos. É como supermercado, que não pode vender só sabão em pó, senão não sobrevive.

Folha - Mas é essa variedade que, de fora, parece estar sendo perdida, em nome de dois ou três gêneros populares hegemônicos. A proporção entre os produtos massificantes e os de "qualidade" não acabou virando a proporção entre a quantidade de CDs piratas e oficiais em circulação?

Reis -
Não, porque o pirata vende de tudo, contanto que faça sucesso. Nossa artista mais pirateada é Marisa Monte, não acredito que alguém a considere.

Niemeyer - Lançamos um CD em que Zé Ramalho interpreta Raul Seixas, e o disco teve um problema com Paulo Coelho, que não autorizou as músicas de sua co-autoria. Uma delas acabou entrando na trilha de uma novela da Globo, mas não no CD do Zé. Os piratas pegaram nosso disco, puseram a faixa e lançaram como "bonus track" (risos). Essa é sensacional.

Maynard - Gênio, gênio, gênio.

Folha - Há artistas que até falam a favor da pirataria, citando que ela seria democrática. O que a Globo e Paulo Coelho não permitiram, por exemplo, a pirataria resolveu.

Maynard -
Pirata tem que ser preso, ir para a cadeia.

Niemeyer - Quem fala a favor da pirataria é por total ignorância e falta de informação.

Reis - Seria como fazer um manifesto a favor dos ladrões, dizer que os ladrões estão certos.

Niemeyer - Ou então são aqueles artistas que já não fazem mais sucesso.

Maynard - Paulo Coelho tem direito de não colocar a música dele, é constitucional.

Reis - O problema é de conceituação do que é lei e do que não é lei. Todo país que não tem lei está condenado ao caos e ao desastre. E essa coisa é contagiosa. Começa numa coisa aparentemente inofensiva, como a música, mas a tendência é se espalhar como uma coisa genérica. É o império do ilegal.

Gonçalves - A indústria do cinema está sempre pedindo apoio ao governo. Com a música não é assim, se o Brasil é conhecido lá fora hoje é pela música, não é nem pelo futebol mais. Quando acabar a música brasileira os caras vão falar: "Caramba, vamos dar algum incentivo para essa indústria". A gente está pedindo simplesmente proteção.

Reis - É simples de entender, porque se a coisa realmente continuar como está, vai ser mais rápida do que a gente está estimando.

Maynard - No frigir dos ovos, não é falar de qualidade ou não-qualidade, música boa ou ruim. Estamos falando, no fundo, de música brasileira. É o que estamos tentando defender. É ela que vai sofrer.

Niemeyer - Já está sofrendo.

Maynard - Já está, pegar hoje um criador com astral para criar é difícil. Vai tudo para o vinagre.

Folha - Num governo que é em certa medida internacionalista não se pode pensar que o descaso possa ser intencional? A Som Livre, da Globo, fechou acordo com a Jive/Zomba, um selo popular internacional. Isso é indicativo de uma troca de parâmetros?

Niemeyer -
Isso é só uma estratégia de negócio.

Maynard - Nada, nada. É uma gravadora que busca sempre empresas de TV para trabalhar com ela, no mundo inteiro.

Niemeyer - Na realidade, o internacional tem uma participação de 20% no negócio. A Som Livre, que trabalha só com nacional, viu interesse nessa associação.

Reis - A Jive/Zomba procura se associar no mundo inteiro com companhias de TV. Os produtos dela são produtos de major, que precisam estar na TV.

Folha - É um exemplo pontual, mas não pode ser um indicativo?

Reis -
Gravadoras multinacionais continuarão existindo da mesma forma, vendendo produtos internacionais.

Maynard - No frigir dos ovos, estamos vendendo o mercado nacional: o artista brasileiro, a música brasileira, o autor brasileiro, os estúdios brasileiros, os músicos brasileiros, até as lojas brasileiras. É isso que estamos defendendo. Gravadora não tem cara.

Reis - Um supermercado vende uma porção de coisas. Se nesse supermercado não dá para ter mais música brasileira, não dá.

Folha - Essa situação de 80% é mais ou menos recente, quase um monopólio, não?

Maynard -
Tem uns 20 anos isso, desde 1978.

Reis - É antigo, a jovem guarda mudou isso. A jovem guarda colocou a música brasileira na lei, foi quando a música brasileira passou de 50% de execução.

Gonçalves - Países como França e Itália têm música local forte, mas lá é 50% de música nacional e 50% de estrangeira. Aqui é 80% de música brasileira, não só em venda como em execução de rádio.

Reis - Há um outro aspecto frágil da música brasileira: ela só vende no Brasil. Música feita na Argentina vende no México, na Colômbia, na Venezuela. Em termos de grandes volumes, a brasileira só vende no Brasil. Então não há como dividir custos com vendas de outros lugares. Vende aqui ou não vende em lugar nenhum.

Folha - O Japão não é um importador de música brasileira?

Reis -
Os volumes são mínimos, não dá para pagar nem o primeiro dia de gravação de um disco. O que Japão, EUA e Espanha mandam de royalties não dá para pagar um dia de gravação aqui.

Maynard - Mas quando faz um disco do Soda Stereo na Argentina e sai vendendo no Chile, Colômbia, Venezuela, está paga a gravação lá. Quando os EUA lançam um artista, pode ser que o que eles gastam de marketing lá dentro seja tanto que eles percam o produto nos EUA. Muitas empresas ficam deficitárias, mas sabe onde eles ganham? Nos royalties que vêm de fora.

Folha - O Brasil é um país isolado?

Reis -
Isolado. Para dar um exemplo, a Inglaterra consome 7% do produto fonográfico feito no mundo, mas 20% dos produtos vendidos no mundo são ingleses. É o contrário. É claro que é muito menor, mas a pirataria é muito menos dramática num país como a Inglaterra que num país como o Brasil. Se tivesse 100% de pirataria, continuaria vendendo 13% de produtos no mundo.

Niemeyer - Só existe um país no mundo que exporta menos música que o Brasil em nível comercial de vendas: é o Japão. E é um mercado dominado pela música local, também.

Folha - Essa não é uma questão política?

Maynard -
O governo teria que olhar mais isso.

Niemeyer - O governo criou agora um Comitê Interministerial de Combate à Pirataria.

Reis - Sabe o que acontece com o negócio do apagão? Descobriram que acabou a energia no Brasil e a qualquer hora vão descobrir que acabou a música popular brasileira. É a mesma coisa. Mas aí vai ser tarde, vai ter que fazer racionamento. O que a gente quer é avisar que isso aí é verdade, que não é alarmismo. Nós estamos mandando artista embora, estamos deixando de contratar artista. Vai acabar. Quando acabar, "ih, acabou", não vai dar mais para consertar.

Niemeyer - Criar a "Embradiscos".

Maynard - Reclamam que os discos estão muito caros, estamos abaixando os preços todos.

Folha - Estão abaixando?

Maynard -
Várias empresas já estão tomando essa atitude.

Folha - De lançar séries e coletâneas malfeitas por preços populares?

Niemeyer -
Leonardo e Ana Carolina foram vendidos nas Lojas Americanas a R$ 14,90.

Maynard - Eu não tenho mais nenhum disco em loja que custe mais que R$ 19,90. Nenhum. Todos os CDs da Abril Music custam menos que isso. Tenho que vender mais discos e gravar menos artistas para me pagar, tenho que reduzir custos. Tinha dez artistas para gravar neste ano, vou gravar cinco.

Niemeyer - Há artistas que se sabe que têm que gravar quatro discos até ficar rentável. Não dá, não tem mais jeito. Manda ele embora.

Folha - Isso já não era assim na fase da bolha de consumo? Nos anos 90 quem não fez sucesso não passou do segundo disco.

Reis -
Não. Comparando os casts das companhias em 96 e hoje, acredito que haja 40% a menos de contratados. Se o mercado está em expansão, você faz várias tentativas. Se não, não vai repetir o erro.

Folha - O elenco dos anos 60 e 70 adquiriu sucesso gradualmente, ao longo de vários anos e discos.

Maynard -
Isso era romântico. Na época do romantismo tudo é possível. O mundo teve várias eras românticas, esta de agora não é. As multinacionais ganhavam tanto dinheiro lá fora que podiam perder dinheiro aqui. Perderam todo dinheiro que queriam aqui, jogaram dinheiro fora. Aí acabou a era bonita, fecharam a torneira. Dos 70 para os 80 disseram: "Agora vocês têm que ganhar dinheiro, parem de perder dinheiro". A crise foi mundial, tudo foi aumentando. Vai fazer o quê? Lança menos artistas, menos marketing, menos tudo, para dar conta do óbvio.

Folha - E por que essa era romântica, de prejuízo, rendeu todo o elenco que vocês usam com a boca tampada para fazer propaganda antipirataria?

Reis -
Provavelmente não vamos ter ninguém de boca tampada mais para a frente. Não vai haver nem boca para cantar.

Niemeyer - Muita coisa boa foi feita depois daquela época (mostra fotos-teste de uma possível campanha, com Caetano Veloso, Daniela Mercury, Fafá de Belém e outros com os rostos cheios de ferimentos e curativos).

Folha - Essa é uma nova campanha?

Niemeyer -
Não sei. É um estudo.

Folha - A campanha das bocas tampadas foi muito criticada. O que era aquilo? Que efeito teve?

Niemeyer -
Conscientização. Por um período funcionou.

Gonçalves - Alertou um pouco as autoridades. Era direcionada a elas, para mostrar que o problema é sério. Se perguntar se deu bom resultado não deu, porque a pirataria continuou crescendo e o governo não tomou as medidas que precisam tomar. Tomou, sim, a iniciativa de criar um Comitê Interministerial de Combate à Pirataria. Foi criado, integra vários ministérios e tal, mas pelo ritmo com que está indo a gente tem dúvidas sobre se vai funcionar.

Maynard - Vai em ritmo de samba-canção (risos).

Gonçalves - Não é só criar um comitê e esperar que as coisas caiam do céu. Tem que agir rapidamente. Software e cinema têm o mesmo problema, mas são com Bill Gates e distribuidoras norte-americanas. Aqui, não, afeta nosso cast nacional mesmo. Tem que ser numa velocidade que não está sendo imprimida.

Folha - O comitê foi criado por pressão e lobby das corporações em nível norte-americano e mundial?

Gonçalves -
Sim, a gente sabe que isso existiu. Não sei se foi exclusivamente por isso. Quero crer que foi porque o governo brasileiro se conscientizou de que a música brasileira vai acabar. Mas sabemos que houve uma pressão muito forte, especialmente dos EUA, por causa de duas questões. Uma é a lei de comércio americana, que fala que o governo americano pode impor sanções econômicas a países que não protegem a propriedade intelectual.

Folha - Eles têm mais consciência do problema daqui que o próprio governo brasileiro?

Maynard -
Mais do que nós mesmos.

Folha - O comitê já fez algo de efetivo?

Maynard -
Precisamos da ajuda da mídia para forçar o governo a fazer alguma coisa por meio do comitê ou de quem eles quiserem. Precisamos de ação.

Niemeyer - Vai ser igual com a energia mesmo. Daqui a pouco vão dizer: "Ih, não tem mais disco no Brasil".

Gonçalves - Cada um tem um papel: Polícia Militar, Polícia Civil, Polícia Federal, judiciário. Não pode só investigar grandes máfias internacionais se deixar o pirata vendendo na rua. Deixa o cara vender guarda-chuva, sabonete, mas não vende produto falsificado.

Maynard - Quando o negócio chega à av. Paulista, ao centro nervoso de São Paulo, aí já virou bagunça. Deixou de ser gueto. Se existe essa impunidade aqui dentro de casa, como se vai fazer?

Folha - Como é a pirataria nos EUA?

Maynard -
Não há. Lá o governo prende, não existe impunidade.

Gonçalves - É 3%, mas mais concentrada em "bootlegs", na zona mexicana.

Folha - Ou seja, o problema não é tecnológico, é político.

Gonçalves -
Lá há repressão.

Reis - Estou insistindo desde o início, o problema é lei ou não. Se há lei, a coisa é controlada, fica em 3%.

Gonçalves - A um ponto que lá não vale a pena ser pirata. Se eu for vender maconha ou cocaína na av. Paulista vou ser preso. Então põe CD pirata lá que vai dar dinheiro para caramba e não vai acontecer nada.

Reis - Não há condenação social, pessoal acha que é um trabalhador. Aqui se confunde a figura do pirata com o camelô pobrinho. Os piratas são poderosos, milionários. Aquilo ali é a ponta do iceberg, a cabeça do iceberg na rua vendendo CD pirata. Por baixo há uma estrutura de crime, misturada inclusive com outros crimes.

Maynard - O Brasil precisa acabar com a impunidade. Isso não é questão de preferência musical. Todos os brasileiros que gostamos de música devemos lutar para acabar com essa impunidade. O problema que estamos vivendo hoje transcende os gostos particulares, os erros das companhias. Temos que lutar pela sobrevivência da música popular brasileira. Todos os jornais, rádios e TVs deviam falar disso. Já que as rádios tocam nossas músicas, temos que pedir para que ajudem a gente nisso também. Já que o governo se esqueceu do apagão, a sociedade brasileira está lutando por ela. Já que o governo não nos ajuda com isso, pedimos essa ajuda.

Folha - Vocês não oferecem música de muito baixa qualidade em troca desse pedido de ajuda?

Maynard -
Isso depende do seu gosto.

Folha - Não depende mais, se o próprio mercado caiu 50% e ninguém mais compra disco.

Maynard -
Não é isso, as pessoas param de comprar disco por vários outros fatores. As classes A e B estão indo muito mais para outras fontes de diversão que para o CD.

Niemeyer - O mercado caiu por causa dessa pirataria louca.

Maynard - Por que não há mais rádios que tocam MPB? Então vamos culpar as rádios porque não tocam música de primeira qualidade.

Folha - É um círculo vicioso, porque as gravadoras também não entregam música de primeira qualidade.

Maynard -
Nunca mais viveremos a bossa nova nem a jovem guarda. Não há jeito de viver de novo. Temos que entender que o mundo vai para a frente e não tem jeito de voltar. As músicas podem se tornar mais simples numa época e mais complicadas em outra, vai depender muito do que o público esteja ansioso por ter.

Niemeyer - Por que os artistas de qualidade não vão aos programas de TV? Porque a TV quer audiência. Se cair a audiência, tira o artista do palco.

Folha - TVs e gravadoras são muito parecidas nesse aspecto: eles querem audiência e vocês, vender disco.

Reis -
Tem que pagar impostos, luz, funcionário. Para pagar, precisa oferecer um produto que as pessoas queiram comprar. Desde que Adam Smith inventou o capitalismo as empresas precisam pagar suas contas e dar alguma rentabilidade a seus donos. Às vezes é grande, às vezes é prejuízo.

Folha - A indústria fonográfica ganhou muito dinheiro nos anos 90 com o crescimento do mercado. Para onde foi esse dinheiro?

Reis -
O dinheiro foi todo reinvestido no negócio. Ninguém comprou iate.

Folha - Mas por que não reverte nos resultados seguintes, só vai bater em outra crise adiante?

Reis -
Porque temos pirataria dominando o mercado. Temos celular, que não existia antes. Dão celular de graça para todo mundo, mas na hora de pagar a conta o cara pega o dinheiro todinho de entretenimento e paga em celular. Internet consome boa parte do tempo do consumidor. É uma série de fatores, e, além dos naturais, de competitividade de mercado, há o crime. A preocupação pela qualidade se transforma na preocupação pela sobrevivência. Ela fica maior que a preocupação pela qualidade, não há dúvida.

Folha - É mais fácil entender isso agora que em 94, quando a euforia de consumo estava acelerada.

Maynard -
Os artistas que são grandes artistas vão nascendo por eles, e você acaba os encontrando. De uma forma ou de outra, o talento sempre aparece. Mas há épocas em que aparecem mais talentos e menos talentos.

Niemeyer - É que você não pára para prestar atenção, mas de 90 para cá apareceram Marisa Monte, Daniela Mercury, Ed Motta, Cássia Eller, Adriana Calcanhotto, Ana Carolina, vai citando. Se quiser ir no popular, Zezé di Camargo & Luciano, Sandy & Júnior. Tudo aconteceu nos anos 90.

Maynard - Continuamos consolidando carreiras.

Niemeyer - É óbvio que pode pensar que É o Tchan é..., mas não é isso, é uma oportunidade de marketing. Todo esse dinheiro foi investido para fazer esses artistas, e também para dar continuidade às carreiras de Maria Bethânia, Gal Costa, Chico Buarque, Djavan, Paulinho da Viola.

Maynard - E já que sou eu, gastei menos com o Tchan que com qualquer outro artista. Não precisou, quando joguei as TVs vieram todos em cima. Já estava feito na Bahia, foi "puf". Marketing? Mentira, não é isso.

Folha - Vocês têm contato direto com o comitê do governo? O que está acontecendo?

Gonçalves -
Na última reunião que tive com eles, a idéia que surgiu foi de montar um seminário em setembro para discutir o assunto e elaborar um plano. A gente fica frustrado, porque até setembro a gente está morto.

Maynard - Até lá já era.

Gonçalves - Pode-se fazer um seminário em setembro, até para falar do que já foi feito, mas é mais urgente.

Folha - O que sinaliza para vocês a nomeação do delegado Roberto Precioso Jr. como presidente do comitê? Colocaram-no lá para fazer seminário?

Gonçalves -
Uma das coisas nesses quatro anos em que estamos gritando contra pirataria com o governo, em várias reunições com o presidente e ministros, é que a pirataria é uma questão de polícia. A pessoa que coordenar algo assim tem que responder ao ministro da Justiça. Dentro disso, Precioso é delegado da Polícia Federal, trabalhava na Secretaria Nacional de Segurança Pública, talvez tenha sido esse o critério.

Maynard - Nós só sabemos fazer música, nunca mexemos com polícia. We need help.

Folha - O que define o preço médio de um CD, de R$ 25?

Niemeyer -
Vendo um disco ao lojista por R$ 14. No mundo inteiro colocam no máximo 35% a 40%. No Brasil, colocam até 50%.

Reis - Mas não se pode exigir que o cara que tem um ponto num shopping e paga uma fortuna de aluguel vá cobrar menos que isso. É uma estrutura de custo.

Folha - Mas vai custar R$ 14 para qualquer lojista?

Niemeyer -
Não, não é para todo mundo porque depende do cliente. Grandes lojas podem comprar em maior quantidade, esse é um valor médio também.

Folha - Quanto você gastou para fazer um CD que vende por R$ 14?

Niemeyer -
Gastei milhares de dólares.

Folha - Quantos reais daqueles R$ 14? Não custa R$ 1 a fabricação de um CD?

Niemeyer -
Eu tenho que pagar o custo de fabricação, o direito artístico, o direito autoral...

Maynard - Só aí já foram R$ 4.

Niemeyer - ... Tenho que pagar o custo de fabricação...

Reis - (Interrompe) Posso fazer um custo médio, arredondando esse troço? De R$ 14 foram R$ 12,50.

Niemeyer - ...Tenho que pagar impostos, ICM, a distribuição, o vendedor, o marketing...

Folha - E tem que pagar o jabá?

Niemeyer -
Não, não existe mais jabá.

Maynard - É promoção. Jabá acabou, não existe mais para nós.

Folha - Para nós quem?

Maynard -
As gravadoras. Não existe.

Folha - Por que um dono de selo independente disse à Folha, com a garantia do anonimato, que uma rádio pediu um carro importado para tocar um produto seu?

Maynard -
Ele deu o carro? Problema dele.

Folha - Não deu, e o disco não tocou.

Maynard -
Como não estamos dando nada, o cara da rádio deve ter pedido para se livrar.

Folha - Para vocês ninguém pede nada?

Niemeyer -
(Todos fazem sinal negativo) Há relações comerciais de interesse mútuo.

Maynard - As pessoas custam a acreditar, mas jabá é coisa do passado.

Folha - Porque só presidentes de grandes gravadoras dizem que jabá é coisa do passado.

Maynard -
Mas é. É promoção. Antes você ia e pagava um cara para tocar sua música no rádio. Hoje acabou isso. Você faz promoção com a rádio, faz comerciais, tudo legal.

Reis - Tem nota fiscal, tudo certo.

Maynard - O mundo romântico do jabá acabou.

Folha - Você acha o mundo do jabá romântico?

Maynard -
Naquela época era. Então há jabá nos EUA? Não há. Há promoters, negócios com as rádios. A rádio tem interesse durante um período em trabalhar um artista? Vamos fazer tudo para que aconteça isso? Vamos levar o artista lá, gravar spots, armar show com patrocínio da rádio. Agora grana? Não, acabou. Isso acabou.

Reis - Se você encontrar uma companhia hoje que, na linha de baixo, depois de pagar imposto, ganhe mais de 10% do faturamento bruto, o cara está tomando champanhe, dando festa. Não dá, não dá mais. Se der 10% é uma alegria total, e deveria ser 15% para qualquer indústria funcionar bem. Como faz para vender mais barato? Só tirando daqui e dali.

Folha - Então entre os muitos problemas da indústria hoje o jabá não está mais incluído, não incomoda vocês?

Maynard -
Absolutamente.

Niemeyer - Realmente era uma época romântica, em que o disc-jóquei era quem recebia o dinheiro. Hoje as rádios se profissionalizaram, tornou-se uma relação comercial e oficial. Grana, não.

Folha - A relação com a TV é conflituosa?

Reis -
Não, é uma relação de interesses. Num momento você quer promover um determinado artista e a mídia não quer promover. Acontece com qualquer produto. TV pode fechar as portas, rádio também. É uma relação de discussão constante de interesses de um lado e de outro. Elas sabem o poder que têm, e usam esse poder.

Folha - Segundo o governo, o problema do preço deve ser discutido para combater a pirataria. Deve?

Maynard -
Não tem nada a ver preço com polícia e ilegalidade. Se eu cobrasse R$ 7, os piratas venderiam a R$ 3. Eles vão estar sempre em vantagem.

Niemeyer - Digamos que o CD esteja caro. OK, está caro. Então eu vou ser penalizado, porque vão comprar menos. É lei de mercado, de oferta e procura. Se vendo a R$ 30 um negócio que não vale R$ 30 ninguém vai comprar. Mas justificar o pirata e defender por causa do preço não dá. É o mesmo que dizer que vai vender maconha porque o cigarro está caro.

Reis - Isso é de uma miopia, de uma cegueira.

Niemeyer - Não é miopia, é uma maneira de tirar o corpo fora e dizer que a culpa é da gravadora.

Reis - Vai condenar o preço dos automóveis porque os ladrões de carro estão vendendo muito mais barato? É a mesma coisa. Como pode um ladrão vender um Corsa por R$ 2.000 se a Chevrolet vende por R$ 14 mil. É essa a comparação: o cara roubou o carro, não pagou ninguém. Já pensou o governo falar isso? Não parou para pensar que um cara é um ladrão e o outro não é?

Maynard - É lei e impunidade. Se o governo fala isso está defendendo a ilegalidade, é uma coisa ilógica. O CD-R pirata estraga o aparelho de som.

Gonçalves - Ele tem substâncias que vão soltando e estragam o laser.

Folha - Um CD oficial não tem essas substâncias?

Gonçalves -
Não. Numa fábrica de CDs você vê a assepsia que precisa ter. O CD-R danifica o laser.

Folha - As classes C e D estão com seus aparelhos condenados?

Maynard -
Condenados, seria bom que eles soubessem disso. Se vocês falassem sobre isso nos ajudariam.

Folha - Em todos os problemas discutidos até agora, vocês nunca assumem as responsabilidades pelos problemas como suas, elas estão sempre fora. É possível algum nível de autocrítica nessa discussão?

Maynard -
(Indignação geral) O problema é impunidade, ilegalidade. Toda pessoa sã sabe que pirataria é ilegal.

Reis - Teremos que falar em administração, sobre tudo. Autocrítica minha? Faço discos ruins? Posso fazer. Faço produtos comerciais? Posso fazer. E aí?

Folha - Por gigantesco que seja, o problema da pirataria não é também a ponta de um iceberg que são vocês próprios?

Reis -
Ela é hoje o maior problema. E o segundo maior problema é a distração, os outros objetos de entretenimento que entraram no mercado de forma muito agressiva.

Folha - Essa é uma autocrítica? Vocês estão lentos no acompanhamento tecnológico?

Reis -
Sim, precisamos buscar opções para enfrentar essa concorrência.

Folha - Precisam ou já estão buscando? Quais seriam?

Reis -
Estamos buscando soluções criativas. Umas virão pela própria tecnologia, com o desenvolvimento de novos formatos. Outra é uma melhoria na nossa eficiência de distribuição, inclusive para novos meios de distribuição. Estamos trabalhando em termos de trabalho executivo. Mas lei é lei, crime é crime. Ninguém é meio criminoso. Quando o criminoso é privilegiado quem paga imposto está ferrado. É só falar no cara que passou dez anos trabalhando, compondo, compondo, para estourar uma música no rádio. Estoura, começa a vender disco, no segundo mês não vende mais nada. No terceiro, não vende absolutamente mais nada. A música dele foi para o saco, a chance dele foi embora por causa do crime, porque um malandro pegou o dinheiro dele. Esse é o assunto pirataria.

Folha - A partir de agora, qualquer suporte que seja criado (o DVD, por exemplo) será imediatamente pirateado, não? Não deixou de ser um problema de suporte?

Reis -
Tudo vai ser pirateado, aparentemente, a não ser que se descubra alguma proteção. A cópia digital é muito fácil de piratear.

Maynard - Não há jeito de extirpar a pirataria. O jeito é fazê-la baixar a níveis suportáveis. O problema é que chegou a um ponto que eu achava que não ia chegar.

Folha - Dizer que a indústria vai acabar não é alarmismo de vocês? O que vai acontecer de fato?

Reis -
Acabar, não acaba, não. O mercado não vai acabar.

Maynard - A música brasileira vai cair. Vai continuar existindo Djavan. O novo Djavan vai existir tocando no barzinho. O talento brasileiro, que é nato, não vai valer nunca. Djavan se tornou Djavan porque tinha uma gravadora por trás que o levou a gravar e promover sua música. Vai nascer outro Djavan, com o mesmo talento ou mais, mas não vai ser mais reconhecido. Vai tocar no barzinho da esquina, porque nenhuma gravadora vai ter dinheiro para arriscar no artista nacional.

Reis - As companhias vão ficar muito pequenas, vão ter que demitir grande parte do pessoal, metade do pessoal. A música brasileira deve desaparecer no caminho da máfia, em que o próprio pirata grava, contrata e distribui, e se outro pirata vier em cima dele ele vai lá e mata. Não quero falar, mas isso já existe, no norte do país. É bandido com bandido.

Folha - Onde existe isso?

Maynard -
Lá para cima, Nordeste.

Gonçalves - Há uma associada nova aqui, do Mato Grosso do Sul, que lançou um artista regional e vendeu 5.000 ou 10 mil discos. O cara está desesperado, fizeram evento, o Zeca do PT foi lá dar apoio ao combate à pirataria. O artista regional já está pirateado.

Folha - O mercado independente não pode se tornar uma saída?

Niemeyer -
O independente acaba.

Folha - Mas algumas gravadoras grandes têm se associado com selos menores. É uma possível saída?

Maynard -
Não tem nada a ver com pirataria. As maiores não podem abraçar todos os segmentos do mercado, então fazem essas associações.

Folha - Existe uma nova campanha antipirataria sendo gestada ou não?

Niemeyer -
Não.

Folha - Maynard diz a toda hora que a mídia tem que ajudar, mas a iniciativa tem de vir de vocês, não?

Maynard -
Esse tipo de campanha não funciona mais.

Niemeyer - O problema é que isso custa caríssimo. Para fazer algo que realmente tenha legitimidade, é preciso muito dinheiro, nós não temos.

Maynard - Já pagamos 60 pessoas na Apdif, estamos fazendo o que podemos. Quanto custa um spot na Globo? R$ 50 mil.

Gonçalves - O governo já está conscientizado, não precisa falar mais nada. Recebe todo dia cartinha nossa.

Niemeyer - A campanha que fizemos, das bocas tampadas, custou US$ 1,5 milhão. O que aconteceu? Não adiantou nada.

Folha - Até porque era incompreensível para o consumidor comum.

Niemeyer -
Porque era direcionada para as autoridades. Mas é uma fortuna, não temos grana para isso.

Maynard - Por isso precisamos da ajuda dos caras que tenham boa vontade para ajudar a gente. Não podemos ficar usando o artista para isso, porque o artista é o mundo do enterteinment. Ele também não é do mundo da impunidade, não sabe lidar com isso, falar sobre isso. Se para nós já é complicado...

Reis - Se perguntar para a gente como faz para prender os caras, nunca estudei isso. Não sei como faz.
 

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