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30/06/2000
-
05h36
da Folha de S. Paulo
É preciso ver "La Dolce Vita" pelo menos uma vez na vida. É um filme-síntese que enfeixa várias coisas: documento de época, fábula moral, homenagem a Roma, conto autobiográfico. Livros foram escritos sobre ele e não conseguiram esgotá-lo.
Ao acompanhar as andanças do jornalista Marcello (Marcello Mastroianni) por uma Roma esfuziante e devassa, povoada por estrelas do showbiz e aristocratas decadentes, "A Doce Vida" causou escândalo, foi condenado pela Igreja e obteve um imenso sucesso internacional.
Ganhou a Palma de Ouro no Festival de Cinema de Cannes e foi durante décadas o filme estrangeiro mais visto nos Estados Unidos.
Tornaram-se ícones da modernidade o banho de Anita Ekberg na Fontana de Trevi, os conversíveis passeando entre os cafés da via Veneto, as orgias à beira-mar. Mas tanto a excomunhão como o frisson mundano foram frutos de uma visão superficial.
Pois, se o roteiro de "A Doce Vida" costurou vários fatos reais ocorridos em Roma na época, isso foi apenas seu ponto de partida para um ensaio poético-musical-visual sobre a crise do homem contemporâneo, que perdeu o sentido do sagrado e não sabe o que colocar no lugar.
Fellini definiu a espera como tema central de seu filme. De fato, mas se trata de uma espera ativa e desesperada, montada num movimento incessante: os grã-finos buscam o prazer com o mesmo frenesi com que os fiéis buscam o milagre e os paparazzi buscam o escândalo definitivo.
Fellini reconheceu também o caráter católico de seu filme. Mais uma vez, há que matizar: catolicismo, sim, profundo e evidente, mas marcado pela contradição, pela dúvida e pela ambiguidade.
Há no filme um movimento pendular, em que a celebração do prazer dionisíaco se alterna com a reflexão, o remorso, a culpa. A cada explosão festiva _banho na fonte, dança na rua, bacanal num palacete, farra numa boate_ sucede-se um momento de refluxo: tentativa de suicídio da mulher de Marcello, infarto do pai, tragédia do intelectual Steiner.
Como pólo da cultura humanista, Steiner seria uma terceira via, positiva, entre o hedonismo estéril e a paralisante culpa cristã. Seu fim trágico diz muito sobre o pessimismo felliniano _assim como a cena final, verdadeira epifania interrompida, grande momento da história do cinema.
Com "A Doce Vida", Fellini se liberta definitivamente das amarras narrativas e da decupagem convencionais, criando uma linguagem visual fundada no movimento e na música. Nunca antes houve "travellings" tão desenvoltos, cortes tão livres, vibração tão intensa de cada plano.
(José Geraldo Couto)
A Doce Vida (La Doce Vita)
Direção: Federico Fellini
Produção: Itália, 1959
Com: Marcello Mastroianni, Anita Ekberg, Anouk Aimé, Yvonne Furneaux
Quando: a partir de hoje no Cinesesc
Clique aqui para ler mais de Ilustrada na Folha Online
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"A Doce Vida": Federico Fellini celebra e critica hedonismo moderno
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É preciso ver "La Dolce Vita" pelo menos uma vez na vida. É um filme-síntese que enfeixa várias coisas: documento de época, fábula moral, homenagem a Roma, conto autobiográfico. Livros foram escritos sobre ele e não conseguiram esgotá-lo.
Ao acompanhar as andanças do jornalista Marcello (Marcello Mastroianni) por uma Roma esfuziante e devassa, povoada por estrelas do showbiz e aristocratas decadentes, "A Doce Vida" causou escândalo, foi condenado pela Igreja e obteve um imenso sucesso internacional.
Ganhou a Palma de Ouro no Festival de Cinema de Cannes e foi durante décadas o filme estrangeiro mais visto nos Estados Unidos.
Tornaram-se ícones da modernidade o banho de Anita Ekberg na Fontana de Trevi, os conversíveis passeando entre os cafés da via Veneto, as orgias à beira-mar. Mas tanto a excomunhão como o frisson mundano foram frutos de uma visão superficial.
Pois, se o roteiro de "A Doce Vida" costurou vários fatos reais ocorridos em Roma na época, isso foi apenas seu ponto de partida para um ensaio poético-musical-visual sobre a crise do homem contemporâneo, que perdeu o sentido do sagrado e não sabe o que colocar no lugar.
Fellini definiu a espera como tema central de seu filme. De fato, mas se trata de uma espera ativa e desesperada, montada num movimento incessante: os grã-finos buscam o prazer com o mesmo frenesi com que os fiéis buscam o milagre e os paparazzi buscam o escândalo definitivo.
Fellini reconheceu também o caráter católico de seu filme. Mais uma vez, há que matizar: catolicismo, sim, profundo e evidente, mas marcado pela contradição, pela dúvida e pela ambiguidade.
Há no filme um movimento pendular, em que a celebração do prazer dionisíaco se alterna com a reflexão, o remorso, a culpa. A cada explosão festiva _banho na fonte, dança na rua, bacanal num palacete, farra numa boate_ sucede-se um momento de refluxo: tentativa de suicídio da mulher de Marcello, infarto do pai, tragédia do intelectual Steiner.
Como pólo da cultura humanista, Steiner seria uma terceira via, positiva, entre o hedonismo estéril e a paralisante culpa cristã. Seu fim trágico diz muito sobre o pessimismo felliniano _assim como a cena final, verdadeira epifania interrompida, grande momento da história do cinema.
Com "A Doce Vida", Fellini se liberta definitivamente das amarras narrativas e da decupagem convencionais, criando uma linguagem visual fundada no movimento e na música. Nunca antes houve "travellings" tão desenvoltos, cortes tão livres, vibração tão intensa de cada plano.
(José Geraldo Couto)
A Doce Vida (La Doce Vita)
Direção: Federico Fellini
Produção: Itália, 1959
Com: Marcello Mastroianni, Anita Ekberg, Anouk Aimé, Yvonne Furneaux
Quando: a partir de hoje no Cinesesc
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