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08/08/2001
-
05h07
MÁRIO MAGALHÃES
da Folha de S. Paulo, no Rio de Janeiro
Nunca houve na história do Brasil um escritor tão espionado pela polícia política como Jorge Amado. Desde a primeira prisão, no dia 21 de março de 1936, até o fim do regime militar (1964-85), o autor de "Tieta do Agreste" teve os movimentos vigiados.
Quando foi viver no Uruguai, arapongas a serviço do Estado Novo (1937-45) o seguiram. Nas viagens pelo mundo em que pregou contra o poderio bélico dos EUA e em defesa da hoje extinta URSS, ofícios com o carimbo do Ministério das Relações Exteriores, endereçados aos órgãos de repressão política, esmiuçaram seus passos, discursos e companhias.
Em Belo Horizonte, os agentes secretos do Dops (Departamento de Ordem Política e Social) descreveram todas as pessoas que o recepcionaram na estação ferroviária, que conversaram com ele, os drinques servidos num coquetel e o horário em que, de madrugada, uma festa terminou (2h30).
Invasões a residências suas renderam aos tiras preciosidades como o roteiro original do filme ""Estrela da Manhã", escrito a máquina e autografado com caneta-tinteiro por Jorge Amado, e o cartão que ele recebeu num almoço em sua homenagem no Automóvel Clube do Brasil, no Rio, em 1952. Além de Amado, todos os presentes, como o escritor Graciliano Ramos e o pintor Cândido Portinari, assinaram.
Com a interceptação da sua correspondência, a polícia detectou mudanças nas orientações políticas da cúpula da Internacional Comunista na América Latina e monitorou questões pessoais do escritor baiano.
Essas informações -e relíquias, no caso do roteiro e do cartão- constam do prontuário 20.175, aberto em 1936 pelo Departamento de Polícia Política e Social, e de quatro dossiês específicos sobre Amado alimentados até 1960. A Folha teve acesso aos documentos -no total, cerca de 300 páginas- no Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro.
Há outros dados sobre o escritor em pelo menos uma centena de outros relatórios, cujos temas centrais são, por exemplo, o Partido Comunista Brasileiro ou o seu principal líder dos anos 1930 aos 1970, Luís Carlos Prestes.
O arquivo não permitiu a leitura dos papéis posteriores a 1960, quando, com a transferência da capital para Brasília, a polícia política do Rio passou a ser a do Estado da Guanabara.
A partir de então, os relatórios tornaram-se mais apimentados, com acentuada curiosidade sobre a vida privada dos investigados. A instituição fluminense exige autorização da família para pesquisas sobre os documentos pós-1960.
Stalinismo
A polícia abriu o prontuário de Jorge Amado quando ele foi preso, em 1936, acusado de participar do malsucedido levante comunista de novembro de 1935 contra o governo Getúlio Vargas. Só numa prisão de 1942 o escritor seria fotografado e registraria suas impressões digitais numa ficha.
O material acumulado pelos espiões expõe tanto a atividade política como a literária de Amado.
Os agentes descobriram em 1945, no lançamento da edição brasileira da biografia de Prestes, "O Cavaleiro da Esperança", que Jorge Amado mudou o texto, publicado originalmente (1942) em espanhol. Ele apagou os traços mais fortes de vilão com que perfilara o presidente da República.
Os arapongas produziram relatórios com passagens de livros de Amado, como o "O Mundo da Paz", apreendido em 1951.
Dedicado ao ditador soviético Josef Stálin (1879-1953), o volume dizia que "não há sentimento mais nobre nos dias de hoje, no coração de qualquer homem, que o amor pela URSS". Stálin foi chamado de ""sábio dirigente dos povos do mundo na luta pela felicidade do homem sobre a terra".
Anos mais tarde, quando se aproximou do político conservador Antonio Carlos Magalhães, o escritor afirmou se arrepender de parte da trajetória comunista.
Nazismo
No período militante, como citam com insistência os informes, Jorge Amado colaborou com o jornal ""Meio-Dia", editado na virada da década de 30 para a de 40, quando Stálin firmou um pacto com o líder nazista Adolf Hitler.
Nessa publicação, Hitler e o nazismo foram tratados com deferência pelos intelectuais comunistas brasileiros. Numa afirmação sem prova, a polícia política relatou que em 48 Amado teria viajado a Moscou "com a finalidade de obter fundos bastantes para compensar a perda de uma parte substancial de recursos decorrente da extinção dos mandatos e do fechamento do PCB".
Leia mais notícias sobre a morte de Jorge Amado
Jorge Amado foi o autor mais espionado
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da Folha de S. Paulo, no Rio de Janeiro
Nunca houve na história do Brasil um escritor tão espionado pela polícia política como Jorge Amado. Desde a primeira prisão, no dia 21 de março de 1936, até o fim do regime militar (1964-85), o autor de "Tieta do Agreste" teve os movimentos vigiados.
Quando foi viver no Uruguai, arapongas a serviço do Estado Novo (1937-45) o seguiram. Nas viagens pelo mundo em que pregou contra o poderio bélico dos EUA e em defesa da hoje extinta URSS, ofícios com o carimbo do Ministério das Relações Exteriores, endereçados aos órgãos de repressão política, esmiuçaram seus passos, discursos e companhias.
Em Belo Horizonte, os agentes secretos do Dops (Departamento de Ordem Política e Social) descreveram todas as pessoas que o recepcionaram na estação ferroviária, que conversaram com ele, os drinques servidos num coquetel e o horário em que, de madrugada, uma festa terminou (2h30).
Invasões a residências suas renderam aos tiras preciosidades como o roteiro original do filme ""Estrela da Manhã", escrito a máquina e autografado com caneta-tinteiro por Jorge Amado, e o cartão que ele recebeu num almoço em sua homenagem no Automóvel Clube do Brasil, no Rio, em 1952. Além de Amado, todos os presentes, como o escritor Graciliano Ramos e o pintor Cândido Portinari, assinaram.
Com a interceptação da sua correspondência, a polícia detectou mudanças nas orientações políticas da cúpula da Internacional Comunista na América Latina e monitorou questões pessoais do escritor baiano.
Essas informações -e relíquias, no caso do roteiro e do cartão- constam do prontuário 20.175, aberto em 1936 pelo Departamento de Polícia Política e Social, e de quatro dossiês específicos sobre Amado alimentados até 1960. A Folha teve acesso aos documentos -no total, cerca de 300 páginas- no Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro.
Há outros dados sobre o escritor em pelo menos uma centena de outros relatórios, cujos temas centrais são, por exemplo, o Partido Comunista Brasileiro ou o seu principal líder dos anos 1930 aos 1970, Luís Carlos Prestes.
O arquivo não permitiu a leitura dos papéis posteriores a 1960, quando, com a transferência da capital para Brasília, a polícia política do Rio passou a ser a do Estado da Guanabara.
A partir de então, os relatórios tornaram-se mais apimentados, com acentuada curiosidade sobre a vida privada dos investigados. A instituição fluminense exige autorização da família para pesquisas sobre os documentos pós-1960.
Stalinismo
A polícia abriu o prontuário de Jorge Amado quando ele foi preso, em 1936, acusado de participar do malsucedido levante comunista de novembro de 1935 contra o governo Getúlio Vargas. Só numa prisão de 1942 o escritor seria fotografado e registraria suas impressões digitais numa ficha.
O material acumulado pelos espiões expõe tanto a atividade política como a literária de Amado.
Os agentes descobriram em 1945, no lançamento da edição brasileira da biografia de Prestes, "O Cavaleiro da Esperança", que Jorge Amado mudou o texto, publicado originalmente (1942) em espanhol. Ele apagou os traços mais fortes de vilão com que perfilara o presidente da República.
Os arapongas produziram relatórios com passagens de livros de Amado, como o "O Mundo da Paz", apreendido em 1951.
Dedicado ao ditador soviético Josef Stálin (1879-1953), o volume dizia que "não há sentimento mais nobre nos dias de hoje, no coração de qualquer homem, que o amor pela URSS". Stálin foi chamado de ""sábio dirigente dos povos do mundo na luta pela felicidade do homem sobre a terra".
Anos mais tarde, quando se aproximou do político conservador Antonio Carlos Magalhães, o escritor afirmou se arrepender de parte da trajetória comunista.
Nazismo
No período militante, como citam com insistência os informes, Jorge Amado colaborou com o jornal ""Meio-Dia", editado na virada da década de 30 para a de 40, quando Stálin firmou um pacto com o líder nazista Adolf Hitler.
Nessa publicação, Hitler e o nazismo foram tratados com deferência pelos intelectuais comunistas brasileiros. Numa afirmação sem prova, a polícia política relatou que em 48 Amado teria viajado a Moscou "com a finalidade de obter fundos bastantes para compensar a perda de uma parte substancial de recursos decorrente da extinção dos mandatos e do fechamento do PCB".
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