Saltar para o conteúdo principal

Publicidade

Publicidade

 
 
  Siga a Folha de S.Paulo no Twitter
09/08/2001 - 03h50

Clementino Rodrigues, o Riachão, estréia em CD aos 80 anos

Publicidade

PEDRO ALEXANDRE SANCHES
da Folha de S. Paulo

A um mês de completar 80 anos, o sambista Clementino Rodrigues, mais popular em seu Estado natal como Riachão, poderia ser interpretado como um vovô da atual música pop baiana, matriz tanto de Carlinhos Brown quanto do Compadre Washington.

Mas, não, Riachão não é inventor da axé music nem do samba-reggae, como demonstra o agora nacionalmente lançado "Humanenochum", sua chegada tardia ao mundo do CD. O nexo entre passado e presente pode até se dar pelo parentesco de É o Tchan com o samba de roda da Bahia, mas é na alegria musical que Riachão se faz avô, pai e irmão da rapaziada.

E, não, ele não se identifica com axé. "Música é como chita na loja. Tudo é bom e bonito, não posso condenar. A mesma fazenda de tecido que um odeia o outro acha linda. Não me meto, cada macaco no seu galho", diz, auto-referente.
É que "Cada Macaco no Seu Galho" é até hoje seu principal sucesso, porque foi gravado por Caetano Veloso e Gilberto Gil, quando voltavam do exílio político em Londres, em 72. A referência à chita é Riachão misturando ofícios na memória: aprendiz de alfaiate foi outra de suas profissões.

Se ele é reticente quanto ao axé, seus "netos" também são. Quem faz o atalho é o músico baiano Paquito, 37, responsável há quatro anos pela volta ao disco do sambista histórico baiano Batatinha (1924-97) e produtor, com J. Velloso, de "Humanenochum":

"Riachão é precursor dessa gente que manda tirar o pé do chão, mas ele é elegante. A axé music é descuidada com sua origem. Mandei músicas de Riachão para Ivete Sangalo e Daniela Mercury, elas nunca gravaram. O que falta é coragem, curiosidade".

Perdido por uns dias em São Paulo (faz shows hoje e amanhã, no Sesc Pompéia), Riachão conta sua vida desde antes da alfaiataria.

Primeiro, o apelido: "Na Bahia, quando um sujeito era destemido e brigava muito, era chamado de riachão. Quando criança, eu admirava muito Lampião, não tirava um punhal da cintura. Sentia prazer em ser o riachão. Mas este seu amigo há muitos anos passou a odiar a violência. Nem na TV vejo mais programas de agressão".

Chegou a usar o punhal antes de deixar de ser riachão para virar Riachão? "Vim a usar o punhal, mas já tinha 15 anos. Botei camarada no hospital através do punhal. Minha família é de Santo Amaro, gente boa, mas que briga muito", diz, falando da terra que também é de Caetano.

A memória octogenária parece ainda misturar música e violência. "A música entrou aos 14 anos. Era punhal e música, briga e música. Um dia vi um pedaço de revista na rua. Não tive escola, mal sei ler, mas vi que falava que "se o Rio não escrever a Bahia não canta". Cheguei em casa machucado com isso. Foi quando Jesus me mandou o primeiro samba, "sei que sou malandro, sei/ conheço meu proceder". Que emoção quando isso chegou ao meu juízo. Cantei o dia inteiro. Com 15 anos comecei, com essa música."

Logo Riachão constituiu persona artística preocupada com imagem acompanham-no até hoje anéis, lenços, boné e uma indispensável toalha no pescoço. Na Rádio Sociedade da Bahia, apresentou programas e cantou em duplas, trios e solo de 44 até 71.

"Aí acabou o rádio, por causa da TV. Aqueles artistas todos perderam seu espaço, muitos morreram apaixonados." Da rádio, foi ser contínuo. "Falei com Antonio Carlos Magalhães, que já era governo, e ele me arranjou esse emprego no Desenbanco, pelo qual agradeço de todo o coração."

Paradoxalmente, foi aí que seu nome ganhou maior circulação, graças à gravação de Caetano e Gil e à consequente edição do LP "Samba da Bahia" (Philips, 73, fora de catálogo), dividido com seus pares Batatinha e Panela.

O samba que encantou Caetano e Gil fora composto por volta de 1964. Reza a lenda que versos como "o meu galho é na Bahia", "o seu é em outro lugar" eram endereçados a um político, mas Riachão não está disposto a decifrar o caso: "Sou muito esquecido. Baseadamente, não me lembro disso. Não gosto desses negócios de políticos", corta. Mas lembra o encontro com Caetano e Gil:

"Eles foram à Bahia e formaram uma reunião com o pessoal da Philips para escolher uma música que fosse adequada à vinda deles ao Brasil. Chamaram os sambistas da Bahia, mas fui traído por meus companheiros, que não me passaram o recado. Caetano e Gil namoravam as filhas de seu Gadelha, que era meu chefe no banco. Na segunda, quando cheguei, o sogro reclamou minha falta. Expliquei tudo, ele fez um bilhete para eu comparecer à casa deles".

"Tomei umas cachaças e fui. Estava toda a turma da Philips de mortalha, era sábado de Carnaval. Fui cantando. Quando comecei "Cada Macaco no Seu Galho", só vi a turma fazendo sinal de positivo com a mão. Dali a pouco era só grito, "é essa, malandro!"."

Fora daquela breve bolha, permaneceu à margem até a tentativa atual de Paquito e J. Velloso, quando Riachão pode ser tido como "o avô de Carlinhos Brown", como defende Carlos Rennó, "oportunista benéfico e útil" ao assumir o posto de co-diretor musical dos shows em São Paulo, segundo suas próprias palavras.

Riachão concorda? "Concordo, esses meninos eram crianças e aprenderam muita coisa com este amigo seu. E seguem aprendendo, mas meu ritmo é um só: o samba do morro carioca."

Uai, mas o samba não nasceu na Bahia? "Nasceu, mas foi o samba de roda, de capoeira, que o Rio lapidou. O que condeno na minha terra é que não abraçou o samba como o Rio. Deixam de cantar o samba gostoso para abraçar axé music. Fazem umas batidas diferentes dizendo que é pagode, não é. Mas muito jovem gosta do nosso ritmo da velha-guarda, deste veneno do samba que é Riachão."

Veja quem gravou o compositor:

  • Jackson do Pandeiro
    "Judas Traidor", "Meu Patrão", "Saia Rota"


  • Trio Nordestino
    "Retrato da Bahia", "Bochechuda", "Papuda", "Vamos Pular, Gente"


  • Caetano Veloso e Gilberto Gil
    "Cada Macaco no Seu Galho"


  • Marinês e Sua Gente
    "Terra Santa"


  • Roberto Ribeiro
    "Até Amanhã"


  • Gang do Samba
    "Cada Macaco no Seu Galho"


  • Cássia Eller
    "Vá Morar com o Diabo"


  • O quê:Humanenochum - Show de lançamento do disco homônimo de Riachão
    Onde: Sesc Pompéia (r. Clélia, 93, tel. 0/xx/11/3871-7700) Quando: hoje e amanhã, às 21h
    Quanto: R$ 15
     

    Publicidade

    Publicidade

    Publicidade


    Voltar ao topo da página