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11/08/2001 - 11h39

"O Brasil deveria ser um Rio Grande do Sul", diz Luiz Carlos Barreto

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MARCELO BARTOLOMEI
Editor de Entretenimento da Folha Online

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Dono de um apelo imensurável para o cinema brasileiro, o produtor Luiz Carlos Barreto, o chefe do "clã" cinematográfico mais conhecido no país, volta neste ano a fazer um filme sobre o Rio Grande do Sul, com "A Paixão de Jacobina", que começa a ser filmado em setembro.

O anúncio das filmagens e do elenco, que terá Letícia Spiller e Thiago Lacerda à frente, foi feito em Gramado (RS) nesta semana, durante o 29º Festival de Gramado do Cinema Brasileiro e Latino. Na direção, entra seu filho Fábio Barreto, que fez, também no Sul, o aclamado "O Quatrilho" (1995).

A paixão pelo sul do país não é atual, como o próprio Barreto revela. "É um povo que tem uma auto-estima muito grande porque tem identidade. Quem tem identidade cultural tem orgulho de si mesmo. É o que falta no resto do Brasil."

Em entrevista à Folha Online, em Gramado, Barreto fala do novo filme, dos próximos projetos -que inclui um filme com o diretor de "Eu Tu Eles", Andrucha Waddington- e detalha a criação de um grupo de estudos para tentar exibir as produções nacionais em mais salas de cinema e nas TVs aberta e paga, ampliando, assim, sua visibilidade.

Confira trechos da entrevista:

Folha Online - Como nasceu o projeto de "A Paixão de Jacobina", que vocês vão filmar no Rio Grande do Sul?
Luiz Carlos Barreto -
O projeto nasceu imediatamente após a filmagem de "O Quatrilho". Aqui em Gramado, o Fábio teve contato com um empresário que o apresentou o romance do Luiz Antonio de Assis Brasil ["Videiras de Cristal"], e ele mandou um livro para o Fábio, que gostou muito, e nos propôs a idéia, que achamos interessante. Começamos o trabalho de pesquisa, preparação fotográfica, adaptação e tratamento de roteiro.

O desenrolar disso tem de quatro a cinco anos. Foram feitas pesquisas históricas, vimos algumas teses acadêmicas de sociólogos gaúchos e uma obra extensa religiosa pesquisada, de fenômenos místicos. Uma vez pronto o roteiro começou o trabalho de planificação cenográfica, figurinos, escolha de locações, que começaram em fevereiro deste ano. É um trabalho minucioso de planejamento que, enquanto isso, foi feito o trabalho de captação financeira.

Folha Online - Vocês já captaram 70% do total do orçamento do filme, que é de R$ 8,2 milhões...
Barreto -
Tivemos captação da Lei do Audiovisual, da Lei Rouanet e das leis de ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) do Rio Grande do Sul e do Rio de Janeiro. Agora nós estamos captando o restante da Rouanet, já temos assegurada a captação daqui e estamos em busca de mais recursos.

Folha Online - É o segundo filme do Fábio na Região Sul. Por que a escolha?
Barreto -
O Fábio gosta muito do Rio Grande do Sul, eu também. O Rio Grande do Sul, juntamente com a Bahia, mas num nível mais organizado, é uma reserva cultural. É um dos poucos Estados brasileiros que têm uma política de conservação, ou melhor, de manutenção de suas tradições, de seus hábitos e costumes. Não é à toa que o centro de tradição gaúcha é uma organização muito forte no Estado. O povo gaúcho mantém uma relação com sua cultura do ponto de vista antropológico, na comida, no vestuário, nos hábitos do cotidiano e na música. Há uma conservação disso na alma do povo. É um povo que tem uma auto-estima muito grande porque tem identidade.

Quem tem identidade cultural tem orgulho de si mesmo. É o que falta no resto do Brasil. A literatura gaúcha é muito rica, não ficou só em Érico Veríssimo, que é um grande expoente, como o Jorge Amado foi na Bahia. Mas aqui, como na Bahia, tem toda uma geração de escritores e artistas que são da pesada, maravilhosos, e que continuam explorando este veio da cultura local. Eu sou uma pessoa obcecada por isso. Eu acho que o Brasil deveria ser um imenso Rio Grande do Sul, deveria ter uma identidade cultural. Se tivéssemos a identidade cultural forte que o gaúcho tem pelo Brasil todo, o país seria diferente. Temos vários projetos para fazer aqui.

Folha Online - Vocês têm mais projetos, então, para o Sul?
Barreto -
Sim, temos, não vou enunciá-los, mas temos, no mínimo, mais três projetos para fazer aqui.

Folha Online - Em "A Paixão e Jacobina" vocês têm a estréia do galã Thiago Lacerda no cinema, tem também a Letícia Spiller, que iniciou sua carreira há pouco tempo depois de trabalhar com Xuxa Meneghel. Como é trabalhar com estreantes?
Barreto -
O elenco é uma decisão, em geral, do diretor, evidentemente, em comum acordo com os produtores. A Lucy [Barreto, mulher de Luiz Carlos] cuida muito do roteiro e dos atores, eu faço menos este papel, tenho uma visão muito impressionista disso. Todo este elenco foi muito discutido, uma coisa ou outra teve divergência.

No caso da Letícia, na hora em que eu soube das histórias, achei algo sobrenatural. Atualmente, ela faz uma peça cujo texto tem muito a ver com "Jacobina" por causa da religiosidade. Ela foi gerada em São Leopoldo (RS) e, conversando com o Fábio, descobrimos que "O Rei do Rio" foi filmado na casa dela, e que ela ficava por trás da porta observando, quando tinha 8 anos. E ela está numa fase, como atriz, esplendorosa, ela é instintiva, não teve formação acadêmica de atriz, foi aliando um conhecimento técnico e intelectual para se tornar uma grande atriz. Toda a leitura de textos que ela fez com o Fábio foi de emocionar, dava para ter gravado aquilo e ter ali um retrato do filme.

O Thiago Lacerda, desde que ele estava fazendo aquela novela ["Terra Nostra", Globo], estava sendo observado por nós. Eu não o considero somente um galã, ele é bonito, tem um grande carisma, mas é muito bom ator. Os outros atores também são muito bons.

Folha Online - Os filmes nacionais, atualmente, têm se inspirado na literatura. Faltam textos originais. O que o senhor acha disso?
Barreto -
Eu acho sempre positivo partir de uma obra literária, com uma base boa, mas não dramatúrgica, pois a linguagem é diferente, mas ao adaptar você tem a função de tornar aquilo dramatúrgico. Isso não elimina o fato de que deva haver histórias originais para o cinema. Uma eu vou filmar agora e a outra depois. Uma delas vou fazer com o Andrucha [Waddington, de "Gêmeas" e "Eu Tu Eles"], que é a história de uma mulher que passou a vida cavando uma duna para não deixar sua casa ser enterrada, chama-se "A Casa de Areia". O roteiro está em andamento, sendo desenvolvido pela Helena Fernandes ["Eu Tu Eles"] e pelo Andrucha. E tenho outro que vou filmar no fim deste ano, "O Caminho das Nuvens", que é a história de uma família nordestina de seis crianças e um casal que fazem uma viagem de bicicleta até o Rio de Janeiro em busca de emprego e melhores condições de vida. Eu acho a literatura brasileira muito rica, nos fornece muito material. Quais são os melhores filmes dos grandes diretores brasileiros? São os baseados em obras literárias: os melhores filmes do Nelson Pereira dos Santos são "Vidas Secas", "Memórias do Cárcere" e "Tenda dos Milagres". Os filmes do Cacá Diegues... "Xica da Silva" foi baseado em obra literária. Eu não vejo por que criar um preconceito. No mundo inteiro, 90% dos filmes são baseados na literatura.

Folha Online - Qual a sua avaliação do atual panorama do cinema brasileiro, que retomou a produção nos últimos dois anos?
Barreto -
O cinema brasileiro se recompôs na sua capacidade de produzir, demonstrou que tem vigor. Agora, temos que passar por uma etapa mais realista, pois não adianta produzir sem ter onde exibir. É preciso ter um mercado de exibição forte, não falo só de cinema, mas de televisão também, aberta e paga, vídeo e DVD. Temos de tornar a visibilidade do cinema brasileiro grande nessas mídias. Neste sentido, está sendo feito um projeto estratégico por um grupo executivo de estudos que está formatando uma nova política governamental para criar um cinema não só viável na produção, mas também com exposição nas diferentes mídias, para obter rentabilidade. O mercado brasileiro é muito forte e está entre os dez maiores mercados audiovisuais do mundo. Não pode continuar excluído não só de salas, mas do mercado subsequente, do meio eletrônico.

Folha Online - O senhor faz parte deste grupo?
Barreto -
Faço parte, sim, juntamente com o Cacá Diegues, com o Rodrigo Saturnino [executivo da Columbia Pictures], com o Severiano Ribeiro [proprietário de uma das maiores redes de salas de cinema do país] e o Evandro Guimarães [vice-presidente de Relações Institucionais das Organizações Globo] pelo setor de televisão, além de sete ministros, que vão desde Fazenda a Comunicações. É uma iniciativa do governo e da iniciativa privada. São duas etapas, uma de agora a 2006 e outra de 2006 a 2010. Acreditamos que isso vá dar alta sustentabilidade à atividade, um caráter mais permanente à produção, para que as pessoas possam exercer sua profissão de uma maneira contínua, não desta maneira cíclica como ocorre e que gera insegurança em todo mundo.

Estamos certos de que este é o momento para isso, pois todos os países estão fortemente interessados em proteger seus conteúdos audiovisuais. Os Estados Unidos fazem isso muito bem, alguns países da Europa também, e se não for assim o país, como nação, não se afirmará nunca. É uma necessidade da sociedade brasileira, tendo uma forte indústria de conteúdos audiovisuais protegida, não paternalisticamente, mas através de uma legislação que lhe dê garantia de espaços e isonomia competitiva com a indústria estrangeira. Não queremos eliminar os produtos estrangeiros, tem de ter, é uma indústria internacional e as pessoas têm de ter uma troca de informação cultural.

O Brasil tem um processo antropofágico cultural. Ele come a cultura externa, adapta ela e a transforma numa nova cultura. Precisamos disciplinar o produto estrangeiro para que os nossos produtos tenham visibilidade também. Tem espaço para todo mundo.

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