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05/09/2001
-
02h35
INÁCIO ARAUJO
da Folha de S. Paulo
Já se disse que Pauline Kael é, hoje, menos importante pelo que disse do que pela maneira como disse.
Com efeito, o que caracterizou a crítica da "The New Yorker", que morreu anteontem aos 82 anos de causas não reveladas, foi antes de tudo a maneira desabusada de formular suas opiniões, assim como a arte de mostrá-las incisivas e, não raro, em choque com o pensamento geral.
Não é qualquer um que detona um filme de prestígio como "Rain Man" a um exemplar "kitsch". Nem, muito menos, que acusa um Michelangelo Antonioni de saturar seus filmes com um "simbolismo confuso".
No absurdo da última formulação (pode-se acusar Antonioni de tudo, menos de simbolista) encontra-se, de certa forma, o limite dessa que alguns chegaram a considerar a mais importante crítica de cinema da história.
Pauline Kael não teve idéias especialmente fortes a respeito do cinema. Seria absurdo colocá-la lado a lado com um André Bazin, por exemplo. A capacidade de gerar polêmica, ao contrário, foi o ponto forte de seu trabalho.
Ninguém dirá que faltava a Kael inteligência e cultura. Isso é o que mais esbanjou em seus escritos. No entanto, até sua aposentadoria, em 1991, pesou a seu favor o fato de não ter dado curso à distinção entre alto e baixo cinema.
O centro de seu pensamento, nesse sentido, talvez seja o combate à "teoria do autor" de seu colega Andrew Sarris, que adaptava para o contexto norte-americano a política dos autores da revista "Cahiers du Cinéma".
Sarris e Kael polemizaram não poucas vezes, e talvez esse combate tenha ajudado a consagrar a ambos como os mais carismáticos críticos de cinema dos Estados Unidos.
Se de certa forma ajudou, com sua influência, a consagrar cineastas como Martin Scorsese, Francis Ford Coppola, Bernardo Bertolucci, se fez justiça -retrospectivamente- ao trabalho de um Preston Sturges, suas mancadas são da mesma estatura (ou ainda maiores) e denunciam o problema maior de sua visada: o hábito de olhar o cinema filme a filme.
A mais célebre consiste na tentativa de reduzir a importância do trabalho de Orson Welles em "Cidadão Kane", atribuindo o essencial de seus méritos ao roteirista Herman Mankiewicz.
Ninguém nunca pôs em dúvida a importância do trabalho do irmão de Joseph L. Mankiewicz para "Cidadão Kane". Mas o que seria de "Kane" sem os planos-sequência ou a profundidade de campo que colocava em foco todas as partes de uma cena?
A empreitada de Kael, nesse sentido, padece de sua recusa em observar o trabalho de um artista em continuidade -a coerência da obra de Welles persiste em cada um de seus filmes.
Se algumas de suas opiniões não sobrevivem ao tempo, Pauline Kael é uma escritora que ainda se deixa com prazer, tanto pelo estilo e pela veia polêmica, como pela coragem de não se deixar levar pela opinião geral.
Este o essencial de seu legado: a força do caráter, a combatividade, a recusa de se deixar levar por publicidade ou reputação prévia, o gosto de formular opiniões que, concorde-se ou não, sempre foram extremamente pessoais.
Morre Pauline Kael, a crítica da polêmica
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da Folha de S. Paulo
Já se disse que Pauline Kael é, hoje, menos importante pelo que disse do que pela maneira como disse.
Com efeito, o que caracterizou a crítica da "The New Yorker", que morreu anteontem aos 82 anos de causas não reveladas, foi antes de tudo a maneira desabusada de formular suas opiniões, assim como a arte de mostrá-las incisivas e, não raro, em choque com o pensamento geral.
Não é qualquer um que detona um filme de prestígio como "Rain Man" a um exemplar "kitsch". Nem, muito menos, que acusa um Michelangelo Antonioni de saturar seus filmes com um "simbolismo confuso".
No absurdo da última formulação (pode-se acusar Antonioni de tudo, menos de simbolista) encontra-se, de certa forma, o limite dessa que alguns chegaram a considerar a mais importante crítica de cinema da história.
Pauline Kael não teve idéias especialmente fortes a respeito do cinema. Seria absurdo colocá-la lado a lado com um André Bazin, por exemplo. A capacidade de gerar polêmica, ao contrário, foi o ponto forte de seu trabalho.
Ninguém dirá que faltava a Kael inteligência e cultura. Isso é o que mais esbanjou em seus escritos. No entanto, até sua aposentadoria, em 1991, pesou a seu favor o fato de não ter dado curso à distinção entre alto e baixo cinema.
O centro de seu pensamento, nesse sentido, talvez seja o combate à "teoria do autor" de seu colega Andrew Sarris, que adaptava para o contexto norte-americano a política dos autores da revista "Cahiers du Cinéma".
Sarris e Kael polemizaram não poucas vezes, e talvez esse combate tenha ajudado a consagrar a ambos como os mais carismáticos críticos de cinema dos Estados Unidos.
Se de certa forma ajudou, com sua influência, a consagrar cineastas como Martin Scorsese, Francis Ford Coppola, Bernardo Bertolucci, se fez justiça -retrospectivamente- ao trabalho de um Preston Sturges, suas mancadas são da mesma estatura (ou ainda maiores) e denunciam o problema maior de sua visada: o hábito de olhar o cinema filme a filme.
A mais célebre consiste na tentativa de reduzir a importância do trabalho de Orson Welles em "Cidadão Kane", atribuindo o essencial de seus méritos ao roteirista Herman Mankiewicz.
Ninguém nunca pôs em dúvida a importância do trabalho do irmão de Joseph L. Mankiewicz para "Cidadão Kane". Mas o que seria de "Kane" sem os planos-sequência ou a profundidade de campo que colocava em foco todas as partes de uma cena?
A empreitada de Kael, nesse sentido, padece de sua recusa em observar o trabalho de um artista em continuidade -a coerência da obra de Welles persiste em cada um de seus filmes.
Se algumas de suas opiniões não sobrevivem ao tempo, Pauline Kael é uma escritora que ainda se deixa com prazer, tanto pelo estilo e pela veia polêmica, como pela coragem de não se deixar levar pela opinião geral.
Este o essencial de seu legado: a força do caráter, a combatividade, a recusa de se deixar levar por publicidade ou reputação prévia, o gosto de formular opiniões que, concorde-se ou não, sempre foram extremamente pessoais.
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