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15/07/2000 - 04h33

Obra analisa indústria fonográfica

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HÉLIO ZISKIND, da Folha de S.Paulo

Gostei de ler "Os Donos da Voz", livro de Marcia Tostas Dias. Focalizada nos anos 70 a 90, a obra descreve como se implantou a indústria do disco no Brasil e analisa as mudanças que foram ocorrendo, tanto na organização interna das gravadoras como no tipo de disco que produziam.

Os depoimentos colhidos por Marcia são exemplares. Há transcrições de conversas com dirigentes de grandes gravadoras, com produtores independentes e de selos alternativos.

A questão cultural que está em jogo é o domínio. A grande indústria do disco conseguiu crescer a ponto de mandar totalmente no jogo musical. Totalmente?

O livro tem, de saída, o mérito de organizar um panorama em que podemos ver, ao mesmo tempo, músicos, empresas e estudos realizados sobre o assunto.

A obra é uma dissertação de mestrado em sociologia, mas seu interesse não é só universitário. Desemboca em dois depoimentos, de Pena Schmidt (selo Tinitus) e Luís Carlos Calanca (loja e selo Baratos Afins), que foram de fato iniciativas marcantes e muito importantes. É realmente uma oportunidade para refletir sobre as possibilidades de a música sobreviver fora das grandes gravadoras.

Do ponto de vista teórico, o texto se apóia em grande parte nas idéias do pensador T.W. Adorno e em sua crítica à indústria cultural. O espaço dessa resenha não permite muitas considerações, mas acho que vale a pena apontar dois aspectos polêmicos.

Segundo o livro, a música produzida pelas gravadoras é expressão de uma vontade de padronização, de eliminação de especificidades culturais. Quanto mais abrangente for o disco, maior é sua capacidade de venda. Simplificando: a verdadeira música, para Adorno, contém sempre uma idéia geral, central, que justifica e organiza seus detalhes.

Na música da chamada indústria cultural, os detalhes são disfarces superficiais do grande padrão que as gravadores produzem. Podemos concordar com isso, mas o próprio Adorno não percebeu que o jazz (que ele julgava superficial) continha problemas estéticos novos, e que muitas vezes na história da música, sobretudo nos períodos de mudança, os músicos se concentraram na experimentação de detalhes sem ter idéias gerais que os conduzissem.

A meu modo de ver, as grandes companhias já produziram (e continuam produzindo) discos extremamente importantes (o que certamente não justifica a montanha gigantesca de lixo, mas, pelo menos, não fecha teoricamente a possibilidade de inovações significativas).

Outro ponto polêmico é a relação entre as grandes gravadoras e a cultura brasileira. Deveríamos esperar das gravadoras envolvimento com conteúdos culturais?

De um lado estão os que acusam as gravadoras de nivelar por baixo. De outro estão as gravadoras respondendo que produzem o que o povo quer (e compra). Deveria fazer parte dos objetivos de uma grande gravadora a valorização da diversidade musical? Do meu ponto de vista, este é um problema insolúvel. As grandes empresas de entretenimento, quando conseguem acumular capital e potência (em termos de abrangência) suficientes, passam a se comportar mais como canais do que como produtores. Não se espera de uma companhia telefônica que lute pela melhoria das conversas.

Organizações cujo vínculo é com a abrangência de um canal vão se tornar, a cada dia, mais diferentes das organizações que têm vínculo com conteúdos específicos. Artistas e produtores terão de decidir de que lado do campo vão querer jogar.

Por fim: senti falta de um depoimento de Egberto Gismonti, um músico que conseguiu viabilizar seu trabalho conectando-se a um conjunto de pequenos públicos. E também da inclusão do produtor e arranjador dos Beatles, George Martin, cuja experiência mostra até onde se pode chegar quando artistas e gravadora colocam como meta inventar novas possibilidades.

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