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30/01/2002
-
04h08
SÉRGIO DÁVILA
da Folha de S.Paulo, em Nova York
Que a cinebiografia "Uma Mente Brilhante" ("A Beautiful Mind") é um dos favoritos ao Oscar 2002 já está mais ou menos claro, conforme os prêmios prévios vão sendo anunciados.
O filme de Ron Howard, que apresenta Russell Crowe no papel principal e tem estréia prevista para 22 de fevereiro no Brasil, abocanhou quatro categorias importantes no igualmente importante Globo de Ouro (filme, ator, roteiro, atriz coadjuvante), semana passada.
Conta a história do matemático esquizofrênico John Forbes Nash Jr., 73, ganhador do Prêmio Nobel de Economia de 1994 e ex-professor da Universidade de Princeton, em Nova Jersey, onde ainda hoje dá expediente alguns dias da semana. Ele é a tal mente brilhante (ou bela, no original).
Mas é mesmo?
Tão logo foi lançado nos Estados Unidos, no final do ano passado, o filme vem causando polêmica entre os acadêmicos mais puristas, que defendem que o longa-metragem tomou liberdades demais com relação ao livro no qual é baseado, a biografia homônima da jornalista Sylvia Nasar, que por sua vez já tomava alguma liberdade com os fatos.
Segundo os amigos mais chegados do matemático, a vida mostrada na tela é muito interessante, mas a real é mais ainda. O próprio Russell Crowe declarou à imprensa no início das filmagens que não via a hora de interpretar o personagem do "grande livro", que havia lido com gosto.
No final, deixou escapar que o roteiro de Akiva Goldsman havia mudado bastante o original, mas que mesmo assim tinha ficado bom. "O que eu considero as partes mais interessantes de sua vida não estão no filme", chegou a dizer o neozelandês, numa convenção em Las Vegas.
Sexualidade
Por exemplo, a questão da sexualidade. A biografia de Nasar chega a sugerir que o matemático teve relacionamentos homossexuais, fato totalmente ignorado na produção de Howard. A não ser que se leve em consideração uma cena de nem um segundo, em que o professor dá uma olhada num aluno bonito.
"Está lá, e os mais sensíveis vão perceber", disse Crowe em entrevista à revista "Entertainment Weekly". "Não era importante na formação do personagem, por isso só citei de leve", defendeu a biógrafa. O fato é que, na "vida real", Nash teria mesmo se relacionado com outros homens.
Mas não é só isso. Diversos outros aspectos foram convenientemente esquecidos, diminuídos ou aumentados, dependendo do efeito dramático que se queria alcançar. Por exemplo:
* O primeiro filho de Nash e sua primeira mulher são ignorados;
* Não é mencionado que seu segundo filho, o único que aparece, também sofre de esquizofrenia;
* Alicia (a ótima Jennifer Connelly) tem papel fundamental na vida do matemático, mas esconde-se o fato de que os dois se divorciaram em 1963 e só voltaram a se casar em junho último, com o filme já quase pronto;
* Em "Mente", as primeiras manifestações da doença se dão antes de Nash desenvolver sua teoria revolucionária (que usa o princípio dos jogos, como xadrez e dama, para a compreensão de questões econômicas complexas), logo na chegada a Princeton, em 1948; segundo amigos e a própria biografia do acadêmico no site da Fundação Nobel, isso só ocorreu 11 anos depois, em 1959; muitos defendem que, tivesse acontecido antes, Nash não teria conseguido criá-la;
* O próprio Nash afirma que, durante os 25 anos de sua vida em que viveu no que chama hoje de "estado ilusório", sua produção matemática foi zero.
Toda a polêmica, no entanto, só faz aumentar o interesse do espectador norte-americano por "Uma Mente Brilhante". Desde que estreou nos EUA, no Natal de 2001, o filme já faturou US$ 93 milhões nas bilheterias, um número razoável para uma obra considerada "sofisticada demais" para o grande público.
Embora seu sucesso nas indicações ao Oscar do próximo dia 12 seja quase irresistível, "Mente" inova pouco se analisado estritamente como cinema. É conservador e repete fórmulas consagradas que vêm sendo usadas quase desde os irmãos Lumière.
Mas isso é uma outra história.
"Uma Mente Brilhante" traz polêmica nas entrelinhas
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da Folha de S.Paulo, em Nova York
Que a cinebiografia "Uma Mente Brilhante" ("A Beautiful Mind") é um dos favoritos ao Oscar 2002 já está mais ou menos claro, conforme os prêmios prévios vão sendo anunciados.
O filme de Ron Howard, que apresenta Russell Crowe no papel principal e tem estréia prevista para 22 de fevereiro no Brasil, abocanhou quatro categorias importantes no igualmente importante Globo de Ouro (filme, ator, roteiro, atriz coadjuvante), semana passada.
Conta a história do matemático esquizofrênico John Forbes Nash Jr., 73, ganhador do Prêmio Nobel de Economia de 1994 e ex-professor da Universidade de Princeton, em Nova Jersey, onde ainda hoje dá expediente alguns dias da semana. Ele é a tal mente brilhante (ou bela, no original).
Mas é mesmo?
Tão logo foi lançado nos Estados Unidos, no final do ano passado, o filme vem causando polêmica entre os acadêmicos mais puristas, que defendem que o longa-metragem tomou liberdades demais com relação ao livro no qual é baseado, a biografia homônima da jornalista Sylvia Nasar, que por sua vez já tomava alguma liberdade com os fatos.
Segundo os amigos mais chegados do matemático, a vida mostrada na tela é muito interessante, mas a real é mais ainda. O próprio Russell Crowe declarou à imprensa no início das filmagens que não via a hora de interpretar o personagem do "grande livro", que havia lido com gosto.
No final, deixou escapar que o roteiro de Akiva Goldsman havia mudado bastante o original, mas que mesmo assim tinha ficado bom. "O que eu considero as partes mais interessantes de sua vida não estão no filme", chegou a dizer o neozelandês, numa convenção em Las Vegas.
Sexualidade
Por exemplo, a questão da sexualidade. A biografia de Nasar chega a sugerir que o matemático teve relacionamentos homossexuais, fato totalmente ignorado na produção de Howard. A não ser que se leve em consideração uma cena de nem um segundo, em que o professor dá uma olhada num aluno bonito.
"Está lá, e os mais sensíveis vão perceber", disse Crowe em entrevista à revista "Entertainment Weekly". "Não era importante na formação do personagem, por isso só citei de leve", defendeu a biógrafa. O fato é que, na "vida real", Nash teria mesmo se relacionado com outros homens.
Mas não é só isso. Diversos outros aspectos foram convenientemente esquecidos, diminuídos ou aumentados, dependendo do efeito dramático que se queria alcançar. Por exemplo:
* O primeiro filho de Nash e sua primeira mulher são ignorados;
* Não é mencionado que seu segundo filho, o único que aparece, também sofre de esquizofrenia;
* Alicia (a ótima Jennifer Connelly) tem papel fundamental na vida do matemático, mas esconde-se o fato de que os dois se divorciaram em 1963 e só voltaram a se casar em junho último, com o filme já quase pronto;
* Em "Mente", as primeiras manifestações da doença se dão antes de Nash desenvolver sua teoria revolucionária (que usa o princípio dos jogos, como xadrez e dama, para a compreensão de questões econômicas complexas), logo na chegada a Princeton, em 1948; segundo amigos e a própria biografia do acadêmico no site da Fundação Nobel, isso só ocorreu 11 anos depois, em 1959; muitos defendem que, tivesse acontecido antes, Nash não teria conseguido criá-la;
* O próprio Nash afirma que, durante os 25 anos de sua vida em que viveu no que chama hoje de "estado ilusório", sua produção matemática foi zero.
Toda a polêmica, no entanto, só faz aumentar o interesse do espectador norte-americano por "Uma Mente Brilhante". Desde que estreou nos EUA, no Natal de 2001, o filme já faturou US$ 93 milhões nas bilheterias, um número razoável para uma obra considerada "sofisticada demais" para o grande público.
Embora seu sucesso nas indicações ao Oscar do próximo dia 12 seja quase irresistível, "Mente" inova pouco se analisado estritamente como cinema. É conservador e repete fórmulas consagradas que vêm sendo usadas quase desde os irmãos Lumière.
Mas isso é uma outra história.
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