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08/03/2002 - 05h17

Hi-Fi fecha após 45 anos vendendo discos a SP

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da Folha de S.Paulo

Não tem nada a ver com a crise por que passa toda a indústria fonográfica nacional, diz o proprietário, Hélcio Serrano. Mas, após 45 anos de funcionamento, a Hi-Fi, talvez a mais tradicional loja de discos de São Paulo, acaba de fechar suas portas para sempre.

"A idéia de sair se deve ao fato de que estou coroa e quero aproveitar a vida. Vou emagrecer num spa e depois vou para Miami, vou viajar de navio pela Ásia", simplifica Serrano, 67 anos.

"Quis me livrar porque não se consegue manter um negócio sem a personalidade do dono. A característica da loja, de sempre manter uma linha de música de qualidade, quem dava era eu."

Ele nega relações entre o fechamento da Hi-Fi (que viveu sua época áurea na rua Augusta, chegou a ter várias filiais e se mantinha no shopping Iguatemi) e de qualquer suposta crise do que chama de "música de qualidade":

"Sempre tive para vender todo tipo de porcaria. O que não admitia era que as porcarias tocassem na loja. Assim pude me tornar o mais antigo no mercado e manter três ou quatro gerações de consumidores qualificados. Mas agora a música virou merda. Não se faz mais nada, é tudo uma caca."

Não economiza críticas às atuais estratégias da indústria: "No Brasil, dos anos 80 para cá, tentamos copiar o esquema americano descartável. Tudo ficou fabricado, as gravadoras passaram a pagar para colocar os artistas na TV. Axé, pagode ou caipira bossa nova, tudo ficou igual. A música está muito comestível, digestiva".

Crise
A Hi-Fi, que apareceu na sequência imediata do LP de vinil, fecha as portas no mesmo momento em que seu sucessor, o CD, é abalado por fatores como a pirataria e o avanço da circulação de música pela internet.
Admitindo o paralelo ("acho que o disco está acabando"), Serrano no entanto segue rebatendo qualquer paralelo entre o fim da Hi-Fi e os maus lençóis que cobrem a indústria de disco.

"Meu repertório foi sempre muito escolhido. Eu importava, pegava coisas que ninguém podia imaginar, e isso sempre segurou a loja muito bem. O que acontece é que meu cliente rico ficou novo rico, mas não aprendeu nada, continua vendo o Ratinho."

Sobre os apuros que vivem os lojistas: "As pessoas reclamam do fim da Hi-Fi porque é uma marca famosa, mas isso está acontecendo com todo mundo. Só quando sequestram a filha do Silvio Santos alguém vem dizer que é preciso acabar com os bandidos".

"Estou fechando espontaneamente, mas olhando em geral vejo que os pontos de venda fecharam. Havia quatro lojas no shopping Iguatemi, mas no final só ficou a minha. As gravadoras desprestigiaram totalmente os pontos de venda, entregaram para os grandes magazines, que não entendem nada de disco. É política de lucro imediato, de suicídio."

Embrenha-se, enfim, no tema pirataria, que tem colaborado para o fechamento de cadeias de lojas Brasil afora: "Sempre achei isso muito lógico. Quem ganha R$ 300 por mês não vai comprar disco com o preço em vigor. Pelo poder aquisitivo do brasileiro, o preço certo é o da rua. A pirataria e a dengue são, para mim, a mesma coisa. As empresas e o governo não têm a menor idéia da real situação social do país".

"Não posso provar, mas para mim quem começou a pirataria foi a própria indústria. Se eles quisessem, isso parava, era só passar todo dia recolhendo CD pirata."

Sem querer mostrar-se nostálgico, Serrano relata seu momento de glória nos 45 anos de vida com o disco. "Quando surgiram os Beatles, fiquei doidão e fui à EMI, que então era Odeon, para pedir que lançassem o grupo no Brasil. Me olharam com aquele jeito blasé, disseram que ia demorar uns cinco anos, que havia muita coisa na fila", conta.

"Levantei a bandeira dos Beatles. As rádios vinham à minha loja atrás dos discos, porque não tinham como tocar. Um dia, muitos anos mais tarde, recebi de presente uma cesta cheia de maçãs imensas, lindas, geladas. Foi mandada por um diretor da EMI, que devia ser office boy quando viu esnobarem minha sugestão. Até hoje me arrepio, foi o maior presente da minha vida", conclui.
(PEDRO ALEXANDRE SANCHES)
 

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