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11/03/2002 - 10h26

Diretora do Théâtre du Soleil pede "fogo da infância" no teatro

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VALMIR SANTOS
enviado especial a Belo Horizonte

"No teatro ocidental, talvez nos falte a inocência, a infância do ator", disse Ariane Mnouchkine em Belo Horizonte, no 3º Encontro Mundial das Artes Cênicas (Ecum), que terminou no sábado.

"O músculo da imaginação é o mais importante para o ator." Com a mesma imagem da criança, a encenadora fornece uma das chaves possíveis para o teatro oriental e, ao mesmo tempo, permite um ponto de partida sobre o trabalho da companhia Théâtre du Soleil. O "fogo da infância" perpassa a juventude que desdenha dos mestres e a maturidade que os acolhe de braços abertos.

"À medida que o tempo passa, nos tornamos menos arrogantes e reconhecemos aqueles que nos abrem caminhos, como Jean Vilar, Antonin Artaud e Constantin Stanislavski", afirma Mnouchkine, 63, sobre os artistas e pensadores do teatro francês (os dois primeiros) e o russo Stanislavski (1863-1938), que fundamenta a técnica do ator no Ocidente.

Voltado às reflexões, o Ecum trouxe este ano como tema "A Discussão das Artes Cênicas sob o Olhar Oriente-Ocidente".

A diretora exibiu o vídeo "Au Soleil Même la Nuit" ("Ao Sol Mesmo Durante a Noite"), documentário sobre o processo de criação do penúltimo espetáculo da companhia, "Tartufo" (95). Em seguida, falou para um público estimado em 500 pessoas, a maioria estudantes de artes cênicas, inclusive de outros Estados.

Mnouchkine viajou acompanhada da atriz brasileira Juliana Carneiro da Cunha, de "Lavoura Arcaica", vinculada ao Soleil há 13 anos.

O vídeo sobre "Tartufo" enfoca os ensaios, a atenção e a tensão naturais, como na ríspida e afetiva discussão da encenadora com uma atriz que quer um papel que não o que lhe foi dado.

"Não se pode chegar a um belo trabalho sem sofrimento. É nos ensaios que nos sentimos perdidos, quase em desespero, em perigo por estar à beira do realismo e do nada. É ali que nos esforçamos para atingir a poesia", expressa.

Ela cita o pintor holandês Vincent van Gogh como exemplo de criador que demonstrava humildade diante da obra não acabada. "Nós, formiguinhas perto desses gênios, temos de ter pelo menos esse grau de exigência."

A versão do Soleil para "Tartufo", de Molière, colocou em relevo a questão do fanatismo religioso. Na comédia, um pai tenta submeter a filha a um casamento de interesse. "Molière criou uma peça de combate, corajosa. A cada cinco anos "Tartufo" ganha atualidade."

Não é sempre que a companhia francesa, fundada há 37 anos, estabelece correspondência direta com contextos da atualidade. "Trilogia de Oreste" (89), de Ésquilo, por exemplo, passou ao largo da atualização por causa da "profunda demanda metafísica e psicanalítica que não pediam o elo político", diz a encenadora. A mais recente montagem do Soleil, porém, "Tambours sur la Digue" ("Tambores sobre o Dique", 99), que encerrou turnê mundial em janeiro, dá sequência ao diálogo com a história contemporânea.

No final da década passada, algumas cidades camponesas da China foram inundadas por iniciativa do governo. Em algumas áreas, porém, a população não foi evacuada. Resultado: mortos na casa dos milhares.
"É mais uma daquelas atitudes típicas em que se misturam incompetência e cinismo", diz Mnouchkine.

"Tambores sobre o Dique" recria os acontecimentos em tom de fábula milenar. Seu subtítulo, "Sob Forma de Peça Antiga para Marionetes Representadas por Atores", assume a apropriação da tradicional linguagem dos bonecos em países orientais.

Com a bagagem da angústia criativa de 26 encenações na companhia, Mnouchkine rejeita a hipocrisia e diz que chegou a um método que lhe permite ao menos tatear os mistérios com os quais se depara a cada montagem.

Observa, porém, que apropriar-se de um método nas artes cênicas é como "atravessar as cataratas do Niágara sobre uma corda, e de olhos fechados". "De maneira simbólica, o teatro é uma questão de vida ou morte", resume o risco.

Mnouchkine afirma que passa de folclore a mão-de-ferro sobre a equipe de 60 artistas instalada na Cartoucherie, antiga fábrica de armamentos transformada em sede em 70. "Entre eu e os atores do Théâtre du Soleil há um contrato moral fora do papel. A palavra é honrada em busca do teatro mais belo possível", conclui.
 

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