Saltar para o conteúdo principal

Publicidade

Publicidade

 
 
  Siga a Folha de S.Paulo no Twitter
06/06/2002 - 04h26

Casal de SP faz parte de história de filme que estréia na TV paga

Publicidade

IVAN FINOTTI
da Folha de S.Paulo

Entre 1938 e 39, nos nove meses que antecederam a Segunda Guerra Mundial, pais judeus alemães, austríacos e tchecos enviaram seus 10 mil filhos para a Inglaterra. As crianças não tinham onde ficar, não conheciam ninguém, não falavam inglês.

Ernest Growald tinha 12 anos ao sair de Berlim. Lilly Kohn, 10, vinha de Viena. Hoje, os dois moram nos Jardins, em São Paulo. Mas, há 63 anos, como aconteceu com a maioria das 10 mil famílias, seus pais ficaram para trás e foram mortos pelos nazistas.

A viagem de trem rumo a um país desconhecido, as dificuldades de adaptação e a busca pelos pais após o término da guerra é o mote de "Nos Braços de Estranhos: Histórias do Kindertransport". O filme, dirigido por Mark Jonathan Harris, ganhou o Oscar de melhor documentário de 2000 e estréia hoje no canal pago HBO.

Há 56 anos no Brasil, já naturalizados, Ernest e Lilly Growald não estão no filme desta noite. Mas viveram, como os entrevistados do documentário, o mesmo "drama difícil de imaginar".

"Nossos pais assumiram o risco de mandar os filhos pelo "kindertransport" [transporte de crianças", sem saber o que aconteceria conosco", afirma Ernest Growald. "Diziam que haveria uma família inglesa esperando cada uma das crianças na Inglaterra.

Mas desconfio que isso era invenção para conseguir visto. No meu caso, não havia ninguém me esperando. Para Lilly, também não."
"Esperei horas naquela estação, sem saber falar uma palavra de inglês, chorando", conta Lilly. "Até que me levaram para um abrigo, com dezenas de outras crianças."

Toda a adolescência de Lilly, Ernest e de outras milhares de crianças foi vivida assim, pulando de um abrigo para outro, de vez em quando sendo acolhidos numa casa de família por alguns meses. "Foi dureza, mas não temos um pio de reclamação. Só de agradecimento", diz Growald.

O diretor Mark Jonathan Harris, que com esse filme ganhou seu terceiro Oscar, disse à Folha que não conhecia especificamente a história do casal. "Mas não é surpresa que haja sobreviventes do "kindertransport" no Brasil. Por causa dos custos, concentramos as filmagens nos EUA e na Inglaterra".

Só um brinquedo
Para Ernest Growald, o momento mais marcante da partida de seu trem foi a reação do pai. Caricaturista de jornais e desenhista, Rodolf Growald não se conteve. "Foi a única vez na minha vida que o vi chorar."

Lilly lembra-se de seu ursinho de pelúcia, que a acompanhou na viagem. "Permitiam que a gente levasse uma mala e um brinquedo. Um só", conta ela. As crianças viajavam ainda com uma placa numerada para facilitar a organização e a entrega da bagagem.

No trem, apesar do clima sombrio ("éramos novos, mas não ignorantes"), as crianças encontravam energia para brincar ("foi, afinal, uma aventura") e se deliciar com guloseimas ("na fronteira da Holanda, freiras prepararam uma mesa com uma toalha branca cheia de bolos e doces").

"O mais trágico foi o destino dos monitores", diz Growald. "Eram jovens judeus, de 18 anos. Havia um por vagão, tomando conta, mas com a condição de que voltassem para a Alemanha. E voltavam para serem mortos."

Ao completar 17 anos, Growald entrou no Exército inglês e combateu alemães na Itália. Em 1944, Growald e Lilly Kohn se viram num baile, dançaram foxtrote e se apaixonaram.

Um ano depois estavam casados e, mais um ano, chegavam ao Brasil, após lerem carta de um parente no Rio de Janeiro. "Quem não quer ir para o Brasil?", pergunta Growald. Não gostaram do calor carioca e, semanas depois, se estabeleceram em São Paulo. Tiveram três filhos e três netos.

Quanto a seus pais, nunca mais viram. O caricaturista Rodolf e a desenhista de moda Edit Growald foram assassinados no campo de concentração de Lotz, na Polônia.

O joalheiro Robert e a dona-de-casa Maria Kohn foram assassinados no campo de concentração de Minsk, na Rússia.

NOS BRAÇOS DE ESTRANHOS: HISTÓRIAS DO KINDERTRANSPORT.
De: Mark Jonathan Harris (EUA, 2000, 117 min.). Na HBO. Hoje, às 21h. Reprises: 11 (14h), 21 (23h45) e 26/6 (15h15).


 

Publicidade

Publicidade

Publicidade


Voltar ao topo da página