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18/08/2002 - 08h00

Mito do teatro, Sérgio Cardoso morreu há 30 anos

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VALMIR SANTOS
da Folha de S.Paulo

Há 30 anos morria um dos mitos do teatro brasileiro, de fazer par com Cacilda Becker: o ator Sérgio Cardoso.

Em 24 anos de carreira, consolidada no eixo Rio-São Paulo, o artista paraense conquistou público e crítica com um talento genuíno para a interpretação. Quem o via em cena não se esquecia jamais.

Rubens Corrêa, por exemplo, decidiu-se pelo ofício quando, ainda adolescente, assistiu a uma sessão da primeira montagem profissional de Cardoso, emblematicamente "Hamlet", de William Shakespeare, um dos clássicos da dramaturgia universal. O ano era 1948; o teatro, Fênix, no Rio; o encenador, um estrangeiro, o alemão Hoffmann Harnisch; a companhia, Teatro do Estudante do Brasil; e o intérprete, o próprio, aos 22 anos.

"Era uma coisa de Deus, digamos assim; era um ser humano que se queimava em cena. Sérgio parecia sangrar o tempo todo", testemunhou Corrêa, morto em 96, ele também um dos grandes atores de sua geração.

Herman Lima, um crítico da época, pespegou, 54 anos atrás: "Sérgio Cardoso, desconhecido até ontem, ignorante das regras da mais rudimentar marcação teatral, queima todas as etapas do aprendizado, faz tábula rasa de todos os cacoetes dos medalhões, subverte, dum golpe, a tradição nacional declamatória, para se emparelhar na galeria dos grandes intérpretes shakespearianos de fala inglesa, da família de Henry Irving, de John Gielgud e Laurence Olivier, investido, impregnado, como em transe mediúnico, no gesto, na máscara, na voz, na alma do personagem de Shakespeare".

Diplomacia

A consagração daquela primeira montagem profissional iria dominar a carreira que trilhou, bastante diversa daquela com a qual sonhava, a de diplomata do Itamaraty.

Cardoso formou-se em direito pela PUC-RJ, mas nunca advogou. Fizera teatro amador no colégio ou na faculdade, tampouco pensava extrair daí sua profissão. Quem o desviou do curso da diplomacia foi o empresário Paschoal Carlos Magno, à frente do Teatro do Estudante.

Recém-formado, o jovem advogado foi procurá-lo para colher algumas dicas sobre diplomacia. Magno mandou que comparecesse na manhã seguinte ao Serviço Nacional de Teatro. Quando Cardoso chegou ao local, percebeu que se tratava de um teste para o protagonista de "Hamlet". Recebeu o texto, abriu-o na cena do "ser ou não ser" e o leu. Sua voz deixou magnetizados os 18 integrantes do júri, entre eles a poeta Cecília Meireles. Havia 100 candidatos.

Desde então, Shakespeare seria uma constante na trajetória de Cardoso. Já no ano seguinte, 1949, remontou a tragédia com a companhia Teatro dos Doze, da qual foi um dos fundadores _mas durou poucos meses.

Voltaria à peça sobre o príncipe da Dinamarca em 1956, desta vez em São Paulo, e como diretor também, igualmente uma montagem marcante. O espetáculo inaugurou o teatro Bela Vista, antes o abandonado cine-teatro Espéria, espaço alugado para a trupe que formara com sua mulher dois anos antes, a companhia Nydia Lícia-Sérgio Cardoso.

Nos anos 70, o Bela Vista foi derrubado e deu lugar, em 1980, ao atual teatro Sérgio Cardoso, na rua Rui Barbosa (no anterior, a entrada principal era pela rua Conselheiro Ramalho).

TBC

Cardoso também foi protagonista da chamada fase de ouro do Teatro Brasileiro de Comédia, o TBC (anos 40 e 50), no mesmo bairro da Bela Vista, palco que abrigou a leva de encenadores italianos como Ruggero Jacobbi, Adolfo Celi, Luciano Salce e Flamínio Bollini - trabalhou com todos.

Além de Shakespeare, interpretou personagens de Anton Tchecov, Oscar Wilde, Luigi Pirandello, Sófocles, Jean-Paul Sartre e outros. Entre os nacionais, representou Nelson Rodrigues duas vezes, "A Falecida" e "Vestido de Noiva" - nesta última também assinou como encenador, numa produção de 1958 despojada quanto à tradução cênica dos planos da realidade, da fantasia e da memória, fazendo contraponto à montagem do polonês Ziembinski, de 1943, plena em efeitos de luz e cenografia, marco do moderno teatro brasileiro.

Na TV

Nos primórdios da televisão nacional, Sérgio Cardoso foi catapultado para o veículo. Em 1954, ele e a mulher Nydia Lícia interpretaram as séries "Um Personagem no Ar" e "Romance" na TV Record.

Aceitou o convite para a primeira novela dez anos depois, em 1964. Cassiano Gabus Mendes o escalou para "O Sorriso de Helena", na TV Tupi. "Antônio" Maria" (1968), também na Tupi, em que contracenava com Aracy Balabanian, e "A Cabana do Pai Tomás" (1969), na Globo, em que se desdobrava em três papéis, estão entre as atuações que mais carisma exerceram sobre os telespectadores.

A passagem pelo cinema, por sua vez, foi relâmpago. Cardoso atuou em "A Madona de Cedro" (1968), de Carlos Coimbra, no papel de sacristão, e "Os Herdeiros" (1970), de Cacá Diegues, como chefe político getulista.

1925-1972

Sérgio da Fonseca Mattos Cardoso nasceu em 23 de março de 1925, em Belém (PA). Os pais, de ascendência portuguesa, lhe deram educação católica no eixo Rio-São Paulo. Ele morreu em 18 de agosto de 1972, aos 47 anos, vítima de enfarto, em sua casa. Estava no ar com a novela "O Primeiro Amor", da TV Globo. E, lembra Nydia, justamente quando ensaiava seu retorno com mais fôlego aos palcos, dos quais se afastara nos últimos anos, entre outros motivos, por causa das gravações.

Uma vez ele declarou, como se as palavras configurassem pistas para as razões que o levaram a abraçar a arte da representação: "Antes de tudo, sou um ator, e o ator deve ter uma carga elétrica, sem isso, näo pode representar. Um sujeito que vai para o palco, se veste de rei, mendigo, médico, de crápula ou de padre é psicologicamente um anormal. A arte e a loucura vivem tão perto que é impossível separá-las."

Leia mais:

  • Nydia Lícia relembra o artista e o homem Sérgio Cardoso


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