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03/05/2003 - 03h44

Crítico literário dos EUA seleciona "cem mentes criativas" em "Gênio"

CASSIANO ELEK MACHADO
da Folha de S.Paulo

Poucos livros na história da crítica literária mundial causaram tanto barulho quanto "O Cânone Ocidental". Lançado em 1994, o trabalho no qual Harold Bloom, 72, delimitava as linhas mestras da literatura do nosso velho Oeste escalou o topo das listas de best-sellers e rendeu ao veterano ensaísta nova-iorquino um corredor polonês de tapas e beijos.

Bloom entrara no sempre perigoso território das listas e traçara o caminho das letras ocidentais, da Bíblia a Samuel Beckett, com ensaios sobre 26 autores.

Faltou Balzac, disseram uns. Quedê Rilke?, reclamaram outros. Queremos Poe!

Cada crítico do planeta, quase, clamou por algum nome não mencionado. Bloom rebateu com um: "Fiz a minha seleção. Que façam os outros as suas". Nada de peso apareceu no front, até que, no final do ano passado, o mesmo Bloom reapareceu com outra aula de taxonomia.

No livro mais volumoso de seus quase 30 títulos, mais de dez deles lançados no Brasil, listou não 26, mas cem nomes, distribuídos no que chamou de "um mosaico de uma centena de mentes criativas exemplares". Entre eles, um dos nossos, Machado de Assis.

"Gênio", nome do catatau de quase 900 páginas, agora chega ao português, língua também contemplada com as "eleições" dos lusitanos Fernando Pessoa, Eça de Queirós e Camões.

A editora Objetiva coloca nas prateleiras na quinta-feira esta espécie de "cânone" revisado que o ensaísta escreveu em "dois anos de trabalho pesado".

O crítico literário mais famoso do mundo, queiram ou não seus detratores, atendeu ao telefonema da Folha para conversar sobre a obra, lançada em outubro do ano passado, no exato dia em que ele passou por uma delicada operação cardíaca.

Dentro de seu coração, diz o professor de Yale desde 1959, estavam sobretudo três dos cem "gênios" de seu novo livro: "Cervantes, o primeiro romancista, Dante, o poeta supremo, e Shakespeare, a divindade secular. Estes são os favoritos".

Apesar de começar o livro com o autor de "Hamlet", "Gênio" não é organizado como um ranking, do maior ao menor.

Judeu gnóstico, como se define, e veterano estudioso da cabala -sistema filosófico-religioso judaico de origem medieval-, tema de livros seus como "A Cabala e a Crítica" (Imago), Bloom ordenou seus luminares de acordo com os "sefirots", esferas cabalares que representam os atributos divinos no humano.

Eles são dez, cada um com suas características, e é ao redor disso que juntou no mesmo agrupamento, por exemplo, Machado de Assis, Flaubert, Italo Calvino, Borges e Eça de Queirós.

"É uma classificação quase aleatória", reconhece, com sua voz rotunda e calma, o ensaísta.

Não foi apenas nessas margens que ele apoiou sua escalação genial. "Fiz questão de não incluir escritores vivos. Seria muito complicado, já que conheço uma imensidão deles."

Mas existem gênios vivos? "Alguns", responde Bloom, elencando os romancistas americanos Philip Roth, Thomas Pynchon, Corman McCarthy, a poeta canadense Anne Carson, o colombiano García Márquez e José Saramago, "o mais talentoso romancista da atualidade".

A "geopolítica" dos gênios vivos, quatro de língua inglesa, dois do resto do mundo, é semelhante à empregada por ele no livro.

Da centena de perfilados, metade se expressou na língua de Shakespeare (31 do Reino Unido, 18 dos Estados Unidos e um de ambos, T. S. Eliot -que põe na lista, mas trata por "execrável"). O francês (11) e o alemão (8) ficam com o segundo posto.

Em termos históricos, nenhum século produziu mais "mentes brilhantes" que o 19, onde atuaram cerca de 40 dos eleitos de Bloom.

Não que "termos históricos" represente muito no universo bloomiano. Desde o primeiro capítulo de seu primeiro livro, de 1959, sobre o poeta romântico inglês Shelley, o crítico já sinalizou uma de suas linhas mestras. Mais do que analisar os "ismos", os contextos históricos e seus reflexos literários, é nos "selfs", nas personalidades de cada autor, que ele gosta de jogar o holofote.

"O conceito de gênio, criado na antiguidade latina, foi totalmente jogado de lado nos século 20, my dear", diz -ele começa ou termina 50% das frases usando este "meu querido".

"A crítica literária tem se dedicado a rejeitar todas as individualidades e a falar sempre em forças históricas", continua Bloom. "É reflexo do que chamo de doenças francesas", brinca, em referência a teorias como o estruturalismo e a semiótica.

Mas é só dar essa "mordida", que ele estende aos marxistas, feministas etc. (alvos de trabalhos anteriores), que vem o assopro: "A última coisa que quero é brigar". E Bloom foi um brigão literário e tanto.

Ele diz que está cansado, com a saúde frágil e que só pensa em terminar de escrever "Reaching Wisdom" (Atingindo a Sabedoria), "uma reflexão pessoal sobre a utilidade da literatura para a própria vida". "Depois disso chega, acabou para mim."
 

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