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28/06/2003
-
02h48
Colunista da Folha de S.Paulo
A glória e o fracasso são os grandes temas dos romances de F. Scott Fitzgerald (1896-1940). São também os grandes mitos do capitalismo americano, da terra da oportunidade e da mobilidade social. Como não há romance (ou vida) sem movimento, sem passagem de um estado a outro (nem que seja apenas na consciência do leitor), as histórias de Scott Fitzgerald contrariam o sonho americano ao fazer o movimento inverso, da glória ao fracasso.
"Toda vida é um processo de demolição", o autor escreveu em 1936, doente e alcoólatra depois de uma vida de festas e excessos, num dos seus últimos textos, "The Crack-Up" ("O Colapso"), um dos mais desesperados.
Transformado aos 23 anos na grande sensação literária da chamada "Era do Jazz", com um romance de estréia cujo título é no mínimo irônico ("Este Lado do Paraíso", 1920), Scott Fitzgerald acabou se revelando um dos grandes romancistas da tragédia americana --e isso ele fez questão de reiterar com a própria vida.
Amory Blaine, o jovem protagonista de "Este Lado do Paraíso", sonha "em se tornar alguém, não em ser alguém".
A competição, a sede de vencer e de sucesso, um dos fundamentos da sociedade americana, "o desejo de sobrepujar tantos garotos quanto possível e chegar ao ápice do mundo", aqui parece não ter outro objetivo senão a certeza de alcançar um ponto de onde não se pode mais subir, de onde só resta cair.
Já na sua estréia o jovem Scott Fitzgerald dava um outro sentido ao romance de formação. Filho da alta burguesia do Meio Oeste, Amory Blaine, um jovem narcisista e egocêntrico, vai ser educado na Universidade de Princeton, vai transitar pelas altas rodas de Nova York e desprezar o americano médio, apenas para terminar concluindo que o egoísmo é parte intrínseca do seu ser: "Sou egoísta (...). Este egoísmo não apenas faz parte de mim, mas é o que existe de mais vivo em mim".
Num pequeno ensaio retrospectivo ("Ecos da Era do Jazz"), o autor escreveu que "Este Lado do Paraíso" revelou aos americanos o quanto a vida dos adolescentes era cheia de sexo. Era o retrato da nova geração, contra a hipocrisia das gerações anteriores, o retrato de um capitalismo hedonista, e foi recebido como tal, alcançando um imenso sucesso.
Por um lado, o livro retrata uma juventude muito semelhante às gerações que vieram em seguida, como se nele fossem definidos pela primeira vez os traços da juventude como a conhecemos hoje no mundo ocidental sob a influência americana. Nesse sentido, é um livro inaugural. Por outro lado, a idéia de que esse retrato já é suficiente como obra literária o torna um tanto datado.
A ironia dos livros de Scott Fitzgerald é que o desastre, a derrocada e a dimensão trágica tão pouco cultivada pela cultura americana surgem justamente da exacerbação da cegueira para qualquer destino trágico.
É como se "O Grande Gatsby", sua obra-prima de 1925, anunciasse o fim da festa que viria com a crise de 1929. E o sucesso de "Este Lado do Paraíso", um texto de juventude em grande parte autobiográfico, de alguma forma tivesse que se concluir com o desespero de "The Crack-Up", com o próprio autor identificado à tragédia dos seus personagens, "aos objetos do meu horror e da minha compaixão".
Os livros de Fitzgerald mostram o que o sonho tem de trágico: tudo o que sobe tem que descer, o sucesso é a véspera do fracasso. "Este Lado do Paraíso", que significou a ascensão vertiginosa do jovem autor estreante para a fama, não é um livro trágico -embora a desilusão esteja embutida nele. É um retrato de geração. Ainda não há a queda. É apenas o primeiro capítulo de um romance que o autor iria concluir com a própria vida.
Avaliação:
Este Lado do Paraíso
This Side of Paradise
Autor: F. Scott Fitzgerald
Tradução: Carlos Marcondes de Moura
Editora: Cosac & Naify
Quanto: R$ 37 (336 págs.)
Scott Fitzgerald narra a tragédia americana
BERNARDO CARVALHOColunista da Folha de S.Paulo
A glória e o fracasso são os grandes temas dos romances de F. Scott Fitzgerald (1896-1940). São também os grandes mitos do capitalismo americano, da terra da oportunidade e da mobilidade social. Como não há romance (ou vida) sem movimento, sem passagem de um estado a outro (nem que seja apenas na consciência do leitor), as histórias de Scott Fitzgerald contrariam o sonho americano ao fazer o movimento inverso, da glória ao fracasso.
"Toda vida é um processo de demolição", o autor escreveu em 1936, doente e alcoólatra depois de uma vida de festas e excessos, num dos seus últimos textos, "The Crack-Up" ("O Colapso"), um dos mais desesperados.
Transformado aos 23 anos na grande sensação literária da chamada "Era do Jazz", com um romance de estréia cujo título é no mínimo irônico ("Este Lado do Paraíso", 1920), Scott Fitzgerald acabou se revelando um dos grandes romancistas da tragédia americana --e isso ele fez questão de reiterar com a própria vida.
Amory Blaine, o jovem protagonista de "Este Lado do Paraíso", sonha "em se tornar alguém, não em ser alguém".
A competição, a sede de vencer e de sucesso, um dos fundamentos da sociedade americana, "o desejo de sobrepujar tantos garotos quanto possível e chegar ao ápice do mundo", aqui parece não ter outro objetivo senão a certeza de alcançar um ponto de onde não se pode mais subir, de onde só resta cair.
Já na sua estréia o jovem Scott Fitzgerald dava um outro sentido ao romance de formação. Filho da alta burguesia do Meio Oeste, Amory Blaine, um jovem narcisista e egocêntrico, vai ser educado na Universidade de Princeton, vai transitar pelas altas rodas de Nova York e desprezar o americano médio, apenas para terminar concluindo que o egoísmo é parte intrínseca do seu ser: "Sou egoísta (...). Este egoísmo não apenas faz parte de mim, mas é o que existe de mais vivo em mim".
Num pequeno ensaio retrospectivo ("Ecos da Era do Jazz"), o autor escreveu que "Este Lado do Paraíso" revelou aos americanos o quanto a vida dos adolescentes era cheia de sexo. Era o retrato da nova geração, contra a hipocrisia das gerações anteriores, o retrato de um capitalismo hedonista, e foi recebido como tal, alcançando um imenso sucesso.
Por um lado, o livro retrata uma juventude muito semelhante às gerações que vieram em seguida, como se nele fossem definidos pela primeira vez os traços da juventude como a conhecemos hoje no mundo ocidental sob a influência americana. Nesse sentido, é um livro inaugural. Por outro lado, a idéia de que esse retrato já é suficiente como obra literária o torna um tanto datado.
A ironia dos livros de Scott Fitzgerald é que o desastre, a derrocada e a dimensão trágica tão pouco cultivada pela cultura americana surgem justamente da exacerbação da cegueira para qualquer destino trágico.
É como se "O Grande Gatsby", sua obra-prima de 1925, anunciasse o fim da festa que viria com a crise de 1929. E o sucesso de "Este Lado do Paraíso", um texto de juventude em grande parte autobiográfico, de alguma forma tivesse que se concluir com o desespero de "The Crack-Up", com o próprio autor identificado à tragédia dos seus personagens, "aos objetos do meu horror e da minha compaixão".
Os livros de Fitzgerald mostram o que o sonho tem de trágico: tudo o que sobe tem que descer, o sucesso é a véspera do fracasso. "Este Lado do Paraíso", que significou a ascensão vertiginosa do jovem autor estreante para a fama, não é um livro trágico -embora a desilusão esteja embutida nele. É um retrato de geração. Ainda não há a queda. É apenas o primeiro capítulo de um romance que o autor iria concluir com a própria vida.
Avaliação:
Este Lado do Paraíso
This Side of Paradise
Autor: F. Scott Fitzgerald
Tradução: Carlos Marcondes de Moura
Editora: Cosac & Naify
Quanto: R$ 37 (336 págs.)
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