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30/08/2003 - 06h06

A espantosa surpresa de Bruckner e o surpreendente espanto de Villa

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ARTHUR NESTROVSKI
articulista da Folha

Foi tanta música boa em duas semanas que não há como dar conta. Pode-se começar comendo a língua: Roberto Minczuk estava certo, e todos nós, antibruckerianos, não tínhamos idéia do que é uma peça como a "Sinfonia nº 7", que ele regeu na quinta retrasada. Bruckner (1824-96) é um espanto. Ou melhor: o Bruckner de Minczuk é um espanto e foi o ponto alto de uma quinzena só de maravilhas.

Em janeiro, Minczuk regeu a mesma peça em Viena, com a orquestra Tonkünstler. Lá como cá, regeu de memória os 65 minutos de música; mas isso, em si, não seria gênio, seria só uma proeza. Gênio é fazer de Bruckner algo muito maior do que jamais se imaginou na música do provinciano organista da Áustria. Depois desse concerto, quem diria?, Bruckner vira uma necessidade na vida.

Tecnicamente, o que mais causou impressão foram coisas como o domínio das dinâmicas e a intensidade das cordas. E os corais dos metais, com destaque para as quatro tubas wagnerianas (que têm um som todo seu).

A sensação que se tinha, na saída, era a de ter assistido ao melhor concerto do ano. Se não dá para fazer esse juízo ainda, é porque há muito ano pela frente, incluindo a turnê européia da orquestra (dois concertos na Alemanha, cinco na Suíça, em fins de outubro).

Antecipando um dos programas de lá, John Neschling regeu anteontem "O Mandarim Maravilhoso" de Béla Bartók (1881-1945) e o "Concerto nº 2" para piano e orquestra de Villa-Lobos (1887-1959), com o solista Jean-Louis Steuerman.

A estréia do "Mandarim" em Colônia, em 1926, deixou indignado o prefeito (e futuro chanceler da Alemanha) Konrad Adenauer. Mas Adenauer era um democrata-cristão conservador, e sua indignação soa pitoresca hoje. A música não tem nada de pitoresco: é uma obra-prima do século 20, e cai naquela faixa do repertório que Neschling rege melhor do que tudo.

Esfalfou-se no pódio, mas valeu a pena. Se a Osesp tocar assim em Genebra, vai causar sensação. Maior ainda no Villa-Lobos, um desconhecido também por aqui, onde mal se começa a entender sua música. Mal se começa a escutar --porque o que se escutava até aqui não valeu. Tocada nesse grau de excelência, sua arte ganha outra dimensão. Exemplo pontual: o contraponto dos trombones, enquanto as cordas trabalham o tema do primeiro movimento. Dois planos separados, numa geografia própria, cenário raro para a entrada do piano em acordes.

O Steinway da Sala São Paulo pode não gostar de Nelson Freire, mas como gosta de Steuerman! Os dois juntos fizeram um Villa-Lobos gigantesco, expansivo, arrojado. O "Lento" ficará na cabeça da gente: música que inventa um país. Sem maneirismo, sem amazonismo, sem carioquizar nada. Steuerman achou um registro inusitado lá dentro das brumas, profundezas antigas e novas.

Antes de terminar: a loiraça russa Valentina Lisitsa tocou um eletrizante "Concerto nº 2" de Shostakovich (1906-75) na semana passada com Minczuk. Neschling fez uma linda "Quinta Sinfonia" de Sibelius (1865-1957); final apoteótico, a roda do tema girando no glorioso mi bemol. Música suficiente para sustentar a roda da vida por mais duas semanas, girando na afrontosa paulicéia.

Avaliação:

Osesp
Onde:
Sala São Paulo (pça. Júlio Prestes, s/nº, tel. 3337-5414) Quando: hoje, às 16h30
Quanto: de R$ 16 a R$ 38
 

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