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10/09/2003
-
07h52
ESTHER HAMBURGER
especial para a Folha
"Sai para fora", ordena o coronel maldito ao rancheiro inocente antes de atirar, sem piedade, à queima-roupa, em uma das primeiras sequências --com pouco chocolate e muita pimenta- da nova novela das seis da Globo.
A novela --"Chocolate com Pimenta"-- é pleonástica. Está no ar mais uma história de moça pobre, doce, mas desprezada, que sai, se transforma, volta rica e poderosa, assunto da já anunciada segunda parte da trama.
Com pitadas de Cinderela, essa estrutura narrativa se repete em cenários de todos os tempos, nas mais diversas línguas. Versões televisivas recentes incluem a sequência de Marias exibida há alguns anos pelo SBT, com certo impacto no público mais conservador. Ou ainda histórias construídas com engenharia pop, como "As Filhas da Mãe", novela recente de Sílvio de Abreu.
Não que seja fácil construir uma boa história assim. A fórmula básica se repete. Mas a estrutura sozinha não basta. É na relação dela com o tempero de época, figurino, cores, sotaques e interpretação, que diferentes histórias se estabelecem, "pegam", ou não.
O Sul emergente, em vez do Nordeste decadente ou do Sudeste desgastado, aparece como cenário de uma trama situada nos anos 20. Sulistas industriosos, produtores habitam lugar idílico com arquitetura e paisagens que lembram terras européias.
Ana Francisca promete ao pai que vai se tornar motivo de orgulho. A protagonista repete a promessa à beira de um túmulo campestre improvisado para o pai rancheiro. Movida por esse desafio a jovem órfã irá subir na vida até controlar a fábrica de chocolates, negócio da afluente cidade de Ventura.
Passado o início épico pouco explicado, o resto do primeiro capítulo procurou a comédia, com direito a Ary Fontoura no Teatro Colón de Buenos Aires. O elenco de "Chocolate com Pimenta" pode garantir alguma diversão. Fúlvio Stefanini no papel do prefeito empertigado contracena com Lília Cabral e Elizabeth Savalla como Jezebel, a empresária impiedosa e cheia de preconceitos.
Há drama pesado, meio faroeste. Há piada engraçada. Em ambos os casos há interpretação carregada. O equilíbrio não é fácil.
O esgotamento da fórmula consagrada que combina estilo coloquial de diálogo e interpretação naturalista remete aos primórdios do gênero. Em vez de novidade, talvez estejamos diante de uma volta aos cenários fantásticos de Agadir, onde habitavam personagens de nomes estranhos. O mau português do início pode ser sintomático.
Esther Hamburger é antropóloga e professora da ECA-USP
CHOCOLATE COM PIMENTA
Quando: de seg. a sáb., às 18h05, na Globo
Análise: "Chocolate com Pimenta" remete aos primórdios do gênero
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especial para a Folha
"Sai para fora", ordena o coronel maldito ao rancheiro inocente antes de atirar, sem piedade, à queima-roupa, em uma das primeiras sequências --com pouco chocolate e muita pimenta- da nova novela das seis da Globo.
A novela --"Chocolate com Pimenta"-- é pleonástica. Está no ar mais uma história de moça pobre, doce, mas desprezada, que sai, se transforma, volta rica e poderosa, assunto da já anunciada segunda parte da trama.
Com pitadas de Cinderela, essa estrutura narrativa se repete em cenários de todos os tempos, nas mais diversas línguas. Versões televisivas recentes incluem a sequência de Marias exibida há alguns anos pelo SBT, com certo impacto no público mais conservador. Ou ainda histórias construídas com engenharia pop, como "As Filhas da Mãe", novela recente de Sílvio de Abreu.
Não que seja fácil construir uma boa história assim. A fórmula básica se repete. Mas a estrutura sozinha não basta. É na relação dela com o tempero de época, figurino, cores, sotaques e interpretação, que diferentes histórias se estabelecem, "pegam", ou não.
O Sul emergente, em vez do Nordeste decadente ou do Sudeste desgastado, aparece como cenário de uma trama situada nos anos 20. Sulistas industriosos, produtores habitam lugar idílico com arquitetura e paisagens que lembram terras européias.
Ana Francisca promete ao pai que vai se tornar motivo de orgulho. A protagonista repete a promessa à beira de um túmulo campestre improvisado para o pai rancheiro. Movida por esse desafio a jovem órfã irá subir na vida até controlar a fábrica de chocolates, negócio da afluente cidade de Ventura.
Passado o início épico pouco explicado, o resto do primeiro capítulo procurou a comédia, com direito a Ary Fontoura no Teatro Colón de Buenos Aires. O elenco de "Chocolate com Pimenta" pode garantir alguma diversão. Fúlvio Stefanini no papel do prefeito empertigado contracena com Lília Cabral e Elizabeth Savalla como Jezebel, a empresária impiedosa e cheia de preconceitos.
Há drama pesado, meio faroeste. Há piada engraçada. Em ambos os casos há interpretação carregada. O equilíbrio não é fácil.
O esgotamento da fórmula consagrada que combina estilo coloquial de diálogo e interpretação naturalista remete aos primórdios do gênero. Em vez de novidade, talvez estejamos diante de uma volta aos cenários fantásticos de Agadir, onde habitavam personagens de nomes estranhos. O mau português do início pode ser sintomático.
Esther Hamburger é antropóloga e professora da ECA-USP
CHOCOLATE COM PIMENTA
Quando: de seg. a sáb., às 18h05, na Globo
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