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26/09/2003
-
10h12
INÁCIO ARAUJO
crítico da Folha
Por que, de uma hora para outra, começam a surgir aqui e ali filmes que decalcam uma outra época, da América, da história em geral e do cinema? Foi assim com "Longe do Paraíso", que retomava o melodrama dos anos 50. É assim, agora, com "Abaixo o Amor", que se apresenta como homenagem às comédias de Doris Day e Rock Hudson (embora seja, na verdade, um carbono de "Médica, Bonita e Solteira", de Richard Quine).
Com efeito, desde a introdução, o que o filme de Peyton Reed evoca é uma época, o início dos anos 60, quando duas coisas começam a manifestar-se: a libertação sexual e a igualdade dos sexos.
Existe, para começar, Barbara Novak (Renée Zellweger), autora de um best-seller que recomenda às mulheres uma espécie de greve do amor. Existe, do outro lado do ringue, Catch Block (Ewan McGregor), jornalista de sucesso e sedutor de mais sucesso ainda, disposto a jogar na sarjeta a reputação de Barbara.
Inútil esconder o óbvio: eles vão se apaixonar. Esta é a lei do gênero. O filme, no mais, não o tenta, e esta é uma virtude: sabemos o que vai acontecer, mas o que importa (e pode nos divertir) é como vai acontecer. E o roteiro de "Abaixo o Amor" mimetiza com perfeição as velhas comédias sexuais dos 60.
Ok. Mas, se é para ver um filme antigo, vamos a uma locadora e alugamos uma dessas comédias. O que "Abaixo o Amor" traz de novo capaz de seduzir o espectador deste século? Eis a questão.
Em primeiro lugar, traz o passado. No começo dos 1970, a América tinha nostalgia dos anos 30/40 --e um vasto ciclo de filmes nostálgicos tratou de evocá-los: eles traziam o sentimento da pureza perdida com a guerra no Vietnã.
Em "Abaixo o Amor", o que retorna é a grandeza de Hollywood. O filme remete a ela com desenvoltura: o logo da Fox, a direção de arte, a entrada da música, os efeitos especiais --tudo ali evoca uma época em que os filmes aspiravam assemelhar-se à vida das pessoas comuns (ou lembrar o que de incomum pode existir em cada pessoa comum).
Ao mesmo tempo, desenvolve a idéia de que, quatro décadas depois do surgimento da pílula e do feminismo, homens e mulheres afinal sentem as coisas do mesmo jeito, apaixonam-se, sofrem, mobilizam-se etc. --tudo do mesmo jeito. Assim, ao contrário da nostalgia dos anos 70, "Abaixo o Amor" não parece nos remeter aos velhos bons tempos, e sim afirmar a permanência de certos valores, independente das mudanças do tempo. É o que acontece com as relações homem/mulher que continuam tensas, no filme ou fora dele --pois, felizmente, a alteridade não foi suprimida.
É verdade que "Abaixo o Amor" dá de barato que a sexualidade não seria, hoje, um problema. Discutir só isso já daria um rio de tinta e não levaria a nada: cada tempo tem seus mitos, o nosso é este. E toca em frente: esta é uma comédia que faz rir, já é bem mais do que nada.
Avaliação:
Abaixo o Amor (Down with Love)
Direção: Peyton Reed
Produção: EUA, 2003
Com: Renée Zellweger e Ewan McGregor
Quando: a partir de hoje nos cines Market Place Playarte, Metrô Santa Cruz e circuito
"Abaixo o Amor" evoca nostalgia da grandeza de Hollywood
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crítico da Folha
Por que, de uma hora para outra, começam a surgir aqui e ali filmes que decalcam uma outra época, da América, da história em geral e do cinema? Foi assim com "Longe do Paraíso", que retomava o melodrama dos anos 50. É assim, agora, com "Abaixo o Amor", que se apresenta como homenagem às comédias de Doris Day e Rock Hudson (embora seja, na verdade, um carbono de "Médica, Bonita e Solteira", de Richard Quine).
Com efeito, desde a introdução, o que o filme de Peyton Reed evoca é uma época, o início dos anos 60, quando duas coisas começam a manifestar-se: a libertação sexual e a igualdade dos sexos.
Existe, para começar, Barbara Novak (Renée Zellweger), autora de um best-seller que recomenda às mulheres uma espécie de greve do amor. Existe, do outro lado do ringue, Catch Block (Ewan McGregor), jornalista de sucesso e sedutor de mais sucesso ainda, disposto a jogar na sarjeta a reputação de Barbara.
Inútil esconder o óbvio: eles vão se apaixonar. Esta é a lei do gênero. O filme, no mais, não o tenta, e esta é uma virtude: sabemos o que vai acontecer, mas o que importa (e pode nos divertir) é como vai acontecer. E o roteiro de "Abaixo o Amor" mimetiza com perfeição as velhas comédias sexuais dos 60.
Ok. Mas, se é para ver um filme antigo, vamos a uma locadora e alugamos uma dessas comédias. O que "Abaixo o Amor" traz de novo capaz de seduzir o espectador deste século? Eis a questão.
Em primeiro lugar, traz o passado. No começo dos 1970, a América tinha nostalgia dos anos 30/40 --e um vasto ciclo de filmes nostálgicos tratou de evocá-los: eles traziam o sentimento da pureza perdida com a guerra no Vietnã.
Em "Abaixo o Amor", o que retorna é a grandeza de Hollywood. O filme remete a ela com desenvoltura: o logo da Fox, a direção de arte, a entrada da música, os efeitos especiais --tudo ali evoca uma época em que os filmes aspiravam assemelhar-se à vida das pessoas comuns (ou lembrar o que de incomum pode existir em cada pessoa comum).
Ao mesmo tempo, desenvolve a idéia de que, quatro décadas depois do surgimento da pílula e do feminismo, homens e mulheres afinal sentem as coisas do mesmo jeito, apaixonam-se, sofrem, mobilizam-se etc. --tudo do mesmo jeito. Assim, ao contrário da nostalgia dos anos 70, "Abaixo o Amor" não parece nos remeter aos velhos bons tempos, e sim afirmar a permanência de certos valores, independente das mudanças do tempo. É o que acontece com as relações homem/mulher que continuam tensas, no filme ou fora dele --pois, felizmente, a alteridade não foi suprimida.
É verdade que "Abaixo o Amor" dá de barato que a sexualidade não seria, hoje, um problema. Discutir só isso já daria um rio de tinta e não levaria a nada: cada tempo tem seus mitos, o nosso é este. E toca em frente: esta é uma comédia que faz rir, já é bem mais do que nada.
Avaliação:
Abaixo o Amor (Down with Love)
Direção: Peyton Reed
Produção: EUA, 2003
Com: Renée Zellweger e Ewan McGregor
Quando: a partir de hoje nos cines Market Place Playarte, Metrô Santa Cruz e circuito
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