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24/10/2003 - 13h08

Chang Dai-Chien foi centro de polêmica no Metropolitan de NY

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GUILHERME GORGULHO
da Folha Online

O incrível domínio da pintura tradicional chinesa que Chang Dai-Chien tinha continua deixando colecionadores e especialistas em uma situação, no mínino, delicada. Um dos casos de maior repercussão foi o do quadro "The Riverbank", principal destaque de uma exposição sobre arte chinesa promovida pelo Museu Metropolitan de Nova York em 1997.

A obra, anunciada como sendo de autoria de Dong Yuan, que viveu no século 10, foi apontada por diversos acadêmicos e especialistas com sendo uma falsificação feita por Chang Dai-Chien.

Tendo apurado sua técnica com a reprodução de obras antigas --um procedimento comum para aprendizes chineses--, Chang produziu diversas cópias que até hoje causam confusão no meio artístico.

"Mesmo para os padrões chineses, as falsificações de Chang algumas vezes ultrapassaram as regras aceitáveis. Ele, simultaneamente, impressionou e irritou muitas pessoas com elas, e suas biografias chinesas apresentam escandalosos exemplos de suas falsificações. Era um grande jogo para ele", estima o jornalista americano Carl Nagin, que está escrevendo uma biografia sobre o pintor.

Controvérsia

A polêmica questão --que envolve interesses financeiros de museus e colecionadores e respaldo acadêmico de especialistas que atestam a origem de uma obra-- parece não ter fim. Um simpósio foi organizado em 1999 pelo Metropolitan para discutir o tema, mas um ponto comum não foi alcançado.

Alardeada como a "Mona Lisa chinesa", "The Riverbank" teria inconsistências em sua estrutura que remeteriam, segundo especialistas, a características comuns em obras de Chang Dai-Chien.

Chang foi um dos maiores colecionadores de arte chinesa do século passado, tendo sido também um dos proprietários de "The Riverbank". Estudioso de várias dinastias, ele trouxe para o Brasil muitas das raridades de seu acervo particular.

"Se voltarmos para seus anos iniciais na China, aos anos 20, em Xangai, as pessoas sabiam que ele fazia falsificações. Na verdade, em alguns círculos, ele era admirado pela qualidade de suas falsificações", afirma Nagin, com base em pesquisas de jornais da época.

"Ainda há muita controvérsia [sobre "The Riverbank"], e eu sou uma destas pessoas que acreditam que seja uma cópia. Eu não estou 100% certo que seja uma falsificação de Chang Dai-Chien, mas eu acho que provavelmente seja. Acho que tem a mão dele nisso", declarou Nagin.

De acordo com Nagin, mesmo sendo o mais proeminente pintor chinês do século 20, Chang chamou muito a atenção por suas falsificações. Estas cópias ganharam uma atenção crescente no Ocidente, mesmo durante sua fase áurea de reconhecimento internacional nos anos 1960, afirma o jornalista.

Motivações

Seus filhos não negam que ele tenha feito cópias --e, mesmo em algumas de suas biografias, ele confirmava estas informações--, mas nenhum deles confirma se este tipo de atividade lhe trouxe vantagens financeiras.

"Eu tenho certeza que meu pai fez algumas obras, como antigas, (...) que meu pai fez para examinar os peritos. Porque meu pai gostava de gozar dos que falavam que são peritos em artes orientais. Para ele era uma prova de que ele [o perito] não sabe nada", disse Hsin Chien Chang, um dos filhos dele que mora na Califórnia (EUA).

"Uma vez escutei ele conversar com os amigos, ele gostava de fazer testes com essa gente que é curador de museu, curador disso, que falam que são peritos em... precisa conhecer artes orientais... Ele queria tirar um sarro deles", justifica Hsin Chien.

Mas ele chegava a vender esses quadros? "Isso eu não posso dizer sim e não posso dizer não. Porque a gente era criança e, quando estava no Brasil, não estava nem aí, meu pai viajava o mundo inteiro...", explica Hsin Chien.

Luiz Chang, filho do artista que mora no interior de São Paulo, lembra também que muitas das próprias obras de Chang Dai-Chien foram falsificadas. De acordo com ele, de 20% a 30% das obras anunciadas como sendo de seu pai seriam falsificadas. "Só ele mesmo poderia identificar seus quadros." Mas se mostra reticente sobre as supostas falsificações. "Ele realmente fez alguma cópia oficial. Que eu saiba, não como original", diz Luiz Chang.

Seus discípulos, que viviam em sua casa no Brasil quase como parte da família e acompanhavam todos os dias a rotina de trabalho de Chang, também defendem seu mestre.

"[Com] meu mestre é diferente. Quando ele fazia cópia ou falsificava alguma coisa, essa era uma prova para colecionador. Ele fazia cópia, mas ele falava 'este fui eu que copiei'. Mas colecionador não tem conhecimento para saber", disse Sun Chia Chin, professor aposentado da USP (Universidade de São Paulo) e que atualmente vive e leciona em duas universidades em Taiwan.

Definitivamente, a diferença de interpretação da "arte da reprodução" entre o oriental e o ocidental é grande, e as motivações para este tipo de atividade na China podem ter explicações históricas.

"Alguns imperadores, por exemplo, tinham deliberadamente cópias falsificadas em suas coleções porque temiam perder os originais se os mongóis chegassem e destruíssem seus palácios", diz Nagin.

De acordo com o jornalista, uma leitura da historiografia artística chinesa não vai apresentar muitos exemplos de grandes experts tratando do assunto, já que eles eram também falsificadores. "Na China não havia distinção. Não havia historiadores de arte, da forma como tínhamos especialistas no Ocidente. As pessoas que estudavam pinturas na China eram pintores, artistas."

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