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11/11/2003 - 08h41

Roberto Pompeu de Toledo narra história de São Paulo até 1900

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FÁBIO VICTOR
da Folha de S.Paulo

Esqueça a locomotiva do país, o frenesi, as multidões e todos os superlativos que acompanham São Paulo às portas dos seus 450 anos. A cidade descortinada por "A Capital da Solidão", do jornalista Roberto Pompeu de Toledo, lançado nesta semana pela Objetiva, é acanhada, isolada, insignificante no contexto nacional.

Numa narrativa fluida e avessa ao academicismo, o livro conta a história da paulicéia desde a Operação Rio da Prata, em 1530, que levaria Martim Afonso a São Vicente, até 1900, quando a chegada dos bondes elétricos e dos primeiros carros fascinava a cidade.

A tese do título --que para alguns faz sentido ainda hoje, debate no qual o autor não se arrisca a entrar-- é sustentada por argumentos econômicos, políticos e geográficos, estes talvez os mais significativos, porque ajudam a explicar os outros.

A começar da desvantajosa distância de São Paulo para o litoral, 70 km, obstáculo não enfrentado por Rio, Salvador e Recife, as potências dos primeiros séculos onde estavam os entrepostos portugueses. Some-se a isso a serra do Mar, barreira sobre o topo da qual está encravada a cidade e que, nos primórdios, dificultou o acesso até ela, e se encontrará um lugar desolador.

A São Paulo recém-fundada era uma vila soturna e melancólica. O toque de recolher, anunciado pelo sino da igreja do Colégio, obrigava todos a dormir cedo --às 20h, no inverno, e às 21h, no verão.

"Para recriar na imaginação a vida de São Paulo nos primeiros anos, é preciso incluir a escuridão, profunda e primitiva, de suas noites. Acrescente-se o silêncio. Talvez seja recomendável adicionar um pouco de tristeza. Era um burgo solitário, o mais solitário de todos", escreve Pompeu.

O livro, um calhamaço de 560 páginas, é dividido em três partes: "Começos", "Incertezas" e "Arrancada". A primeira relata como e por que se fundou São Paulo de Piratininga, primeiro nome da vila: o desbravamento da serra, a chegada dos jesuítas, a evangelização dos índios.

"Incertezas", a mais extensa, remonta ao vasto período em que São Paulo busca desvairadamente uma vocação, enquanto os bandeirantes exploram os sertões. Em 1827, o município foi, ao lado de Olinda, um dos dois escolhidos para receber uma faculdade de direito. Era, segundo Pompeu, a senha para o desenvolvimento. A São Paulo atormentada por uma crise de identidade ganha uma vocação, a de cidade estudantil.

A "Arrancada" começa na década de 60 do século 19 e é marcada pela chegada do café ao Oeste paulista. Nos 40 anos que se seguem, impulsionada pelo "ouro negro", a cidade experimenta uma prosperidade jamais vista.

A metamorfose por que passa a cidade também se dá com sua gente. Dominada por mamelucos, a São Paulo dos primórdios era, na visão de Pompeu, "a mais brasileira das cidades".

Um censo do final do século 19 revelou que ali começara a construção da mais internacional das capitais do país: havia então na cidade mais estrangeiros (54,6%) que brasileiros (45,4%).

Os italianos predominavam entre os forasteiros, correspondendo a 35% da população total.

Foi nessa época, precisamente em agosto de 1896, que se deu um dos mais curiosos relatos do livro, as batalhas campais travadas nas ruas de São Paulo entre brasileiros e italianos, com mortos e feridos. A "Questão dos Protocolos" começou quando o governo italiano cobrou do brasileiro indenizações por danos supostamente causados a imigrantes do país.

O Brasil topou pagar, e a revolta estourou, puxada por universitários. Num dos incidentes, uma garota gritava vivas ao Brasil na Luz, quando um grupo de estudantes se aproximou para festejá-la. Era um italiano disfarçado, que sacou um punhal e feriu três.

Nos 370 anos abordados pelo autor, desfilam dezenas de personagens encantadores, muitos dos quais de projeção histórica inferior às suas biografias. É o caso de Luiz Gama (1830-1882). Vendido como escravo aos dez anos, transformou-se num poeta de pena mordaz e num atuante advogado abolicionista, o maior líder da causa em São Paulo.

Ou do azarado e burlesco Pedro Taques de Almeida Pais Leme (1714-1777), historiador que traçou extensiva genealogia das famílias paulistas enquanto a sua era atormentada por mortes trágicas e infortúnios tantos.

De quebra, "A Capital da Solidão" derruba mitos como o de que a data de fundação da cidade, 25 de janeiro de 1554, deve-se à celebração da primeira missa da vila, onde hoje está o Pátio do Colégio --antes disso Leonardo Nunes e Manuel da Nóbrega já haviam celebrado missas por lá.

A obra consumiu quatro anos de trabalho de Pompeu, editor especial da revista "Veja". Antes de começar a empreitada, ele havia lido não mais que quatro livros sobre a história de São Paulo. Para concluir o trabalho, acrescentou à lista outros 127 volumes. E estima que, se fosse estender seu relato até os dias atuais, levaria mais quatro anos. Diz que não o fará.

A CAPITAL DA SOLIDÃO
De:
Roberto Pompeu de Toledo
Editora: Objetiva
Quanto: R$ 62,90 (560 págs.)
 

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