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19/04/2004 - 18h39

Michel Maffesoli lança na Bienal livro em que analisa o dualismo

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EDUARDO ROCHA
da Agência Folha

O mal como complemento do bem e o fim de uma era e a transição para um novo modo de agir e pensar. Essas são algumas das idéias desenvolvidas pelo sociólogo francês Michel Maffesoli, que lançou oficialmente na 18ª edição da Bienal do Livro de São Paulo seu novo livro, "A Parte do Diabo - Resumo da Subversão Pós-Moderna" (Ed. Record).

Nele, o pensador francês utiliza o dualismo como ferramenta para entender a época em que vivemos. Bem e mal, além de morte e vida são alguns dos temas abordados pelo autor, que faz uso de eventos extraídos do cotidiano --como raves, "rachas" automobilísticos e grandes shows de rock-- para exemplificar sua filosofia.

Em entrevista, o professor da Universidade de Paris analisa ainda o papel da juventude nos dias atuais, os efeitos do relativismo na "Guerra contra o Terror" e o resultado das últimas eleições regionais na França, realizadas em 28 de março.

Michel Maffesoli é professor do Centro de Estudos sobre o Atual e o Quotidiano (CEAQ) da Universidade Sorbonne, em Paris. Um dos pensadores mais influentes da França atual, ao lado de Edgar Morin e Jean Baudrillard, é especialista na análise do quotidiano e da pós-modernidade. Dentre suas principais obras destacam-se "A Transfiguração do Político" (1997), em que aborda as mudanças nas novas formas de política, "O Tempo das Tribos" (2000), que trata dos novos grupos sociais e "Sobre o Nomadismo" (2001), em que estuda a transição da era pós-moderna, e a volta aos arcaísmos.

Agência Folha - Em "A Parte do Diabo", o senhor diz que chegamos ao fim de uma era em que o bem reinou como valor absoluto e que os excessos dessa transição para um novo ciclo preconizam uma nova harmonia. Que tipo de harmonia pode ser essa?

Michel Maffesoli -
A relação social em gestação atualmente é a de uma "harmonia conflitante". Quero dizer com isso que tanto na imagem do panteão grego como na multiplicidade de orixás nos cultos afro-brasileiros existe uma pluralidade de valores.

Esse é o "relativismo", no seu sentido mais simples. A vida social não pode mais ser compreendida, nacional ou internacionalmente, como a expressão de um bem único. Mas é preciso que exista a compensação entre o bem e o mal. É isso que caracteriza a natureza humana, sua "completude". Terminamos uma fase de dominação que o antropólogo Gibert Durand chamava de "regime esquizofrênico".

Me parece bem mais interessante refletir sobre o sincretismo que se encontra nas novas gerações: religiosidade, festas de todos os tipos, desenvolvimento da música tecno e outros fenômenos da mesma ordem que nos falam da harmonia conflitante.

Agência Folha - O senhor diz em seu livro que "a energia juvenil deixou de ter como objeto a reivindicação, o projeto e a história. Ela se manifesta e se esgota no instante"". O que a humanidade pode esperar do jovem hoje?

Maffesoli -
Pode-se imaginar que uma energia (por exemplo a energia juvenil) não se exprime mais nesse projeto. Lembremos que numerosas culturas se fundiram no presente. Por exemplo, o Renascimento na França, o Quatrocento na Itália. Esse "presenteísmo" que me parece um jogo da pós-modernidade, eu o chamo de uma energia "intensiva", que se representa no presente (como hedonismo, prazer do momento, "carpe diem"). Não mais um simples "progresso", mas um verdadeiro "ingresso", ou seja, viver na alegria desse mundo. É o repatriamento do gozo de uma certa maneira.

Agência Folha - O senhor afirmou em 2002 que a vitória dos EUA no Afeganistão foi uma "vitória de Pirro", uma aparente batalha entre a força e o imaginário. No Iraque, essa vitória "aparente" está se confirmando com o surgimento cada vez maior da resistência?

Maffesoli -
Vê-se que o poder militar (econômico, político) não pode nada contra a "potência" popular. O Iraque dá um exemplo claro disso. Não se pode fazer o bem aos outros contra a sua vontade. Todos os grandes impérios tiveram essa sina. A França, com as guerras de descolonização, também teve sua lição. Os EUA, atualmente, em nome do bem e da "democracia" --valor ocidental por excelência-- querem impor sua própria visão de mundo, mas é fácil perceber que atrás desse conceito do bem se esconde o imperialismo econômico. E isso se aceita cada vez menos. O levante atual dos povos do Iraque poderá muito bem dar uma lição a esse imperialismo.

Agência Folha - Na sua opinião, o mal a ser combatido durante a Guerra Fria não foi transfigurado hoje na "Guerra contra o Terror"?

Maffesoli -
É sempre perigoso projetar o mal para fora, quer dizer, de vê-lo somente no outro. O combate Bush-Bin Laden é uma "guerra conjugal". Eles se assemelham. Cada um tem a sua visão do bem e pretende impô-la ao outro. A população vai provavelmente pagar o custo de tal paranóia. Mas lembremos que o "terror" é um bom pretexto para impor um império econômico. Mas o império moral da "charia" islâmica não é melhor. O que eu tento explicar no meu livro, é que é preciso ter relativismo. Um politeísmo de valores. Como dizia Max Weber: "quando os deuses guerreiam, os homens estão tranqüilos". O que está em jogo na pós-modernidade é realmente o politeísmo dos valores. É uma tendência de fundo. O terrorismo e a luta contra o terror são os combates de retaguarda da modernidade, do monoteísmo. É é sobre isso que é preciso saber pensar.

Agência Folha - Como o senhor avalia a vitória maciça da esquerda nas última eleições regionais da França? O modo como as reformas foram conduzidas explica o fracasso do governo Chirac?

Maffesoli -
Não é exatamente a vitória da esquerda, mas a expressão de uma grande "versatilidade" popular, marcando assim seu desprezo da política. Pode-se dizer popularmente: vamos votar uma vez na direita (2002), uma vez na esquerda (2004), sem uma razão precisa, exceto, a expressão de um ímpeto emocional. Para mim é o sinal do fim da "representação" política e do ideal democrático que foram elaborados no século 19. É preciso notar que houve mais de 40% de abstenção, ao que se acrescenta 15% de não inscritos nas listas eleitorais. Portanto as eleições só representam 35% da população. É claro que existem os pretextos (seguridade social, reforma universitária etc), mas o essencial é realmente a saturação política. Isso é o que eu chamei de "transfiguração".

"A Parte do Diabo - Resumo da Subversão Pós-Moderna" (192 págs.)
Autor: Michel Maffesoli
Editora: Record
Preço sugerido: R$ 25,90

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