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21/04/2004
-
05h50
JOSÉ GERALDO COUTO
colunista da Folha
Quando se fala em "cinema marginal", o que nos vem primeiro à mente são os filmes de Rogério Sganzerla e Julio Bressane, como "O Bandido da Luz Vermelha" e "O Anjo Nasceu".
Mas, entre meados dos anos 60 e meados dos 70, floresceu no Brasil um cinema muito mais marginal e selvagem, comparado com o qual os filmes de Bressane e Sganzerla são obras elegantes de cinéfilos refinados.
O ciclo "Nos Subterrâneos do Cinema Brasileiro", que vai de hoje a domingo, na Sala Cinemateca, em São Paulo, oferece uma boa idéia do que foi essa efervescente produção.
Entre os filmes programados há desde clássicos do terror, como "Exorcismo Negro" (1974), de José Mojica Marins, até raridades, como o curioso "Cristais de Sangue" (1975), fantasia histórica ambientada na Chapada Diamantina no período colonial e dirigida pela italiana radicada em São Paulo Luna Alkalay.
No filme de Mojica, o cineasta encena pela primeira vez o confronto entre ele próprio e sua criatura, o Zé do Caixão, num exercício bárbaro (nos dois sentidos) de metalinguagem.
O próprio Mojica dirige um dos episódios da "Trilogia do Terror" (1968), no qual um homem tem uma crise de catalepsia, cumprindo sua própria premonição de ser enterrado vivo.
Na mesma trilogia, o episódio dirigido por Luís Sérgio Person, "Procissão dos Mortos", é um dos primeiros filmes a tratar da guerrilha no Brasil, ainda que em chave fantástica: guerrilheiros fantasmas aterrorizam uma cidadezinha do interior.
A trilogia se completa com o episódio de Ozualdo Candeias, marginal entre marginais: "O Acordo" trata do pacto demoníaco pelo qual uma mãe entrega sua filha virgem ao Diabo.
Alegoria e sexo
Mas nem tudo é terror no ciclo. Há também a vertente alegórica, representada por "Orgia, ou o Homem que Deu Cria", única incursão cinematográfica do escritor João Silvério Trevisan.
Nela, um camponês parte para a cidade grande depois de matar o pai e, no caminho, encontra um anjo, um cangaceiro, um fugitivo e um intelectual, todos à procura do Brasil.
O tema do sexo, que então começava a se tornar hegemônico no cinema comercial brasileiro, recebe um tratamento original no clássico "O Pornógrafo", de João Callegaro, paródia de filme policial centrada numa editora de revistas pornográficas.
Outro destaque da programação é "Meteorango Kid, o Herói Intergalático" (1969), de André Luiz Oliveira. Nesse marco do cinema psicodélico, um jovem estudante rebela-se contra os pais, toma drogas, é atacado por vampiros e vê discos voadores. Tudo isso no dia do seu aniversário.
O tema da decadência familiar burguesa reaparece em "Sagrada Família" (1970), de Sylvio Lanna. Ao longo de uma viagem, os quatro integrantes de uma família vão se desfazendo de seus bens e regredindo à barbárie.
Por fim, há o curioso "Emmanuelo... o Belo" (1978), de Nilo Machado, em que um universitário mulherengo, depois de um acidente, é visitado no hospital por várias de suas namoradas, que passam a brigar entre si e com o rapaz. Pelas referências, soa como uma versão pervertida do Truffaut de "O Homem que Amava as Mulheres".
Precários, tateantes, não raro estridentes, esses são filmes realizados com uma liberdade de idéias e de linguagem sem precedentes em nosso cinema.
NOS SUBTERRÂNEOS DO CINEMA BRASILEIRO
Onde: Sala Cinemateca (lgo. Sen. Raul Cardoso, 207, SP, tel. 0/ xx/11/5084-2177)
Quando: de hoje a 25 de abril
Quanto: R$ 8
Cinemateca solta os fantasmas dos porões
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colunista da Folha
Quando se fala em "cinema marginal", o que nos vem primeiro à mente são os filmes de Rogério Sganzerla e Julio Bressane, como "O Bandido da Luz Vermelha" e "O Anjo Nasceu".
Mas, entre meados dos anos 60 e meados dos 70, floresceu no Brasil um cinema muito mais marginal e selvagem, comparado com o qual os filmes de Bressane e Sganzerla são obras elegantes de cinéfilos refinados.
O ciclo "Nos Subterrâneos do Cinema Brasileiro", que vai de hoje a domingo, na Sala Cinemateca, em São Paulo, oferece uma boa idéia do que foi essa efervescente produção.
Entre os filmes programados há desde clássicos do terror, como "Exorcismo Negro" (1974), de José Mojica Marins, até raridades, como o curioso "Cristais de Sangue" (1975), fantasia histórica ambientada na Chapada Diamantina no período colonial e dirigida pela italiana radicada em São Paulo Luna Alkalay.
No filme de Mojica, o cineasta encena pela primeira vez o confronto entre ele próprio e sua criatura, o Zé do Caixão, num exercício bárbaro (nos dois sentidos) de metalinguagem.
O próprio Mojica dirige um dos episódios da "Trilogia do Terror" (1968), no qual um homem tem uma crise de catalepsia, cumprindo sua própria premonição de ser enterrado vivo.
Na mesma trilogia, o episódio dirigido por Luís Sérgio Person, "Procissão dos Mortos", é um dos primeiros filmes a tratar da guerrilha no Brasil, ainda que em chave fantástica: guerrilheiros fantasmas aterrorizam uma cidadezinha do interior.
A trilogia se completa com o episódio de Ozualdo Candeias, marginal entre marginais: "O Acordo" trata do pacto demoníaco pelo qual uma mãe entrega sua filha virgem ao Diabo.
Alegoria e sexo
Mas nem tudo é terror no ciclo. Há também a vertente alegórica, representada por "Orgia, ou o Homem que Deu Cria", única incursão cinematográfica do escritor João Silvério Trevisan.
Nela, um camponês parte para a cidade grande depois de matar o pai e, no caminho, encontra um anjo, um cangaceiro, um fugitivo e um intelectual, todos à procura do Brasil.
O tema do sexo, que então começava a se tornar hegemônico no cinema comercial brasileiro, recebe um tratamento original no clássico "O Pornógrafo", de João Callegaro, paródia de filme policial centrada numa editora de revistas pornográficas.
Outro destaque da programação é "Meteorango Kid, o Herói Intergalático" (1969), de André Luiz Oliveira. Nesse marco do cinema psicodélico, um jovem estudante rebela-se contra os pais, toma drogas, é atacado por vampiros e vê discos voadores. Tudo isso no dia do seu aniversário.
O tema da decadência familiar burguesa reaparece em "Sagrada Família" (1970), de Sylvio Lanna. Ao longo de uma viagem, os quatro integrantes de uma família vão se desfazendo de seus bens e regredindo à barbárie.
Por fim, há o curioso "Emmanuelo... o Belo" (1978), de Nilo Machado, em que um universitário mulherengo, depois de um acidente, é visitado no hospital por várias de suas namoradas, que passam a brigar entre si e com o rapaz. Pelas referências, soa como uma versão pervertida do Truffaut de "O Homem que Amava as Mulheres".
Precários, tateantes, não raro estridentes, esses são filmes realizados com uma liberdade de idéias e de linguagem sem precedentes em nosso cinema.
NOS SUBTERRÂNEOS DO CINEMA BRASILEIRO
Onde: Sala Cinemateca (lgo. Sen. Raul Cardoso, 207, SP, tel. 0/ xx/11/5084-2177)
Quando: de hoje a 25 de abril
Quanto: R$ 8
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