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09/07/2004 - 08h24

Espanhola entretece ficção e real em livro

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FRANCESCA ANGIOLILLO
free-lance para a Folha, na Cidade do México

Na opinião da espanhola Rosa Montero, que participa do debate "Vozes Femininas", hoje, às 18h, na Flip, "quase todos os escritores, cedo ou tarde", se lançam à empreitada de dissecar a literatura. No seu caso, a idéia brotou há mais de 15 anos.

Mas eis que a fantasia se interpôs e, relendo suas anotações sobre o tema, ela se encontrou com "a louca da casa", frase com que Teresa d'Ávila designava a imaginação e que dá título ao livro recém-lançado no Brasil, um híbrido entre o ensaio, o romance e o relato biográfico.

Apesar de participar, em Parati, de uma mesa composta somente por vozes femininas --as também escritoras Adriana Lisboa, Isabel Fonseca e Geneviève Brisac--, em debate que abordará as obras de Elizabeth Bishop e Virginia Woolf, Montero rejeita o rótulo de "literatura feminina".

Mas a perenidade da obra do escritor, como a das duas autoras clássicas, é tema sobre o qual a espanhola já meditou. Em "A Louca da Casa", ela diz que se deu conta da mortalidade quando tinha cinco anos, ao aprender que o autor do livro que lia morrera antes mesmo que ela existisse. Mas, curiosamente, o livro estava ali, em suas mãos.

Ainda assim, diz que não é a promessa da posteridade que a move. "Não escrevo para que daqui a cem anos leiam meus livros nas escolas. A história da literatura está cheia de escritores maravilhosos que foram esquecidos. Eu não ficarei. Por outro lado, para mim tanto faz, porque, quando eu morrer, o mundo terá morrido para mim."

"A Louca da Casa" é uma defesa da fantasia entendida tanto como disfarce quanto como imaginação. Nele, as considerações sobre como nasce uma narrativa se mesclam a anedotas sobre escritores; visões pessoais do ofício literário se entremeiam a citações de colegas ilustres de todas as épocas. Percebemos quais são os autores preferidos da escritora e aqueles que ela não admira tanto. Tudo isso entretecido com episódios da vida (ou das possíveis vidas) de Rosa Montero.

"Este livro está cheio de truques, como de prestidigitador", adverte. "O leitor entra nele acreditando que tudo ali é real. Ele já está dentro do jogo, mas não sabe que está jogando. Até que lê algo e diz: 'Mas, caramba, essa mulher está me enganando'. Definitivamente, pode escolher em que acreditar."

De saída, pode-se crer em tudo o que Rosa Montero acha que é ser escritor. Ou na forma em que, para ela, a imaginação se plasma e invade o cotidiano. Pode-se acreditar também que, para a autora, o escritor é sempre um pouco "esquizofrênico", na medida em que se refunde nos personagens que cria, e criança, considerando que é na infância que a "louca" corre a rédeas soltas pela "casa". São idéias que estão no livro e que ela não hesita em sacar sempre que instada.

Mas lembremo-nos de que estamos, também, falando com uma jornalista, cujo ganha-pão reside no concreto; que aborda em colunas no maior jornal de seu país temas candentes; que, fruto de sua geração, defende as mulheres e que, filha de toureiro, defende os animais; que foi contra a Guerra do Iraque, apoiando a retirada das tropas espanholas do país.

Mas alguém que, por incrível que pareça, não dá muita importância para a fronteira entre ficção e realidade. Isso porque, para ela, a realidade é uma abstração. Na visão da escritora, inventamos nosso próprio passado. Lembrar é inventar.

"Seu passado é um conto que você conta a si mesmo. Eu tenho um irmão, cinco anos mais velho, e os pais de que ele se lembra não são os meus, definitivamente! Não é que a realidade dê base para muita imaginação. Ela está é costurada pela imaginação."

Exercendo seu ofício, Montero foi atraída por outra nuança de imortalidade oferecida pela escrita: "No momento em que você está inventando, a morte não existe. Quando você escreve um romance, você está alienada por ele. E, quando você sai da sua vida, sai da sua morte".

Talvez por isso esse elogio ao invento que é, "A Louca da Casa" seja uma forma coerente de apresentar Rosa Montero ao Brasil. Pode-se inquirir sobre o que é "verdade" no livro. Resta ao leitor acreditar ou não no que ela disser. Por ora, Rosa Montero dá uma dica: "O Citröen Mehari vermelho eu tive, sim".

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