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06/08/2004
-
05h53
CLAUDIO SZYNKIER
free-lance para a Folha
"Diário de uma Paixão" é um filme sobre imagens embalsamadas. Mais do que isso, manufaturado a partir de imagens embalsamadas. E o que é embalsamar uma imagem? Pode ser o exercício de um homem que reconstrói oralmente e por meio de registros todo um acervo de imagens para uma mulher que sofre de Alzheimer.
É ao mesmo tempo, nas mãos do cineasta, o exercício de, antes de empalhá-lo ou colocá-lo em conserva, exumar um gênero. Com ele, sua textura, suas nervuras, sua seiva. Trabalhar uma imagem como se ela própria representasse a idéia de história vivida. Do cinema vivido, por que não?
Sim, pois Nick Cassavetes está no terreno do lembrar. E ele sabe que não faz sentido tratar do "lembrar" sem assumi-lo no ato de fazer cinema, na rearquitetura de um sistema de imagens e sons. E aqui falamos da arquitetura de um gênero específico, o melodrama, e de sua tradição, arquivada, em um país --os EUA. Vamos identificar o odor forte, quase azedado, do melodrama americano das décadas de 1970 e 1980 --filmes de chorar--, por exemplo, embora o enredo situe-se entre a atualidade e os anos 40.
Até pelo mestre maior no gênero, Douglas Sirk, Cassavetes se contamina, ao transformar um lago, desenhado via exagero decorativo próximo do fantástico, meio à la Sirk, em metáfora do tempo. Item geográfico, tão vivo em sua artificialidade, que observa e eterniza episódios vividos. As tonalidades e o confronto com o mundo que um e outro, Sirk e Cassavetes, compram são diferentes, mas vale o olhar. E é bom notar: Cassavetes não manipula o "retrô" como grife, é bem mais sutil e, assim, mais antiquado.
Alguns poderão apontar o filme como um "Como se Fosse a Primeira Vez" da terceira idade. E não seria errado, a tensão é a mesma: alguém terá de doar muito tempo de sua vida para reconstituir, ou reformar, a memória alheia, que será diluída rapidamente e terá de ser reconstruída outra vez, e assim até o fim.
Mas que tal se pensássemos em "O Filho da Noiva"? A comparação, em primeira leitura, é banal. Os dois filmes se aproximam no nível da memória como um quarto nebuloso. Só que se aproximam também no comentário nacionalista.
Em ambos, a figura da "mãe" pode ser entendida como a representação de um país velho, da memória dourada. Apesar de cadáveres de guerra, do ódio racial ou de governos sangrentos. Representa a imagem embalsamada de seu lugar, a Argentina portenha ou os EUA provincianos, em décadas longínquas.
Avaliação:
Diário de uma Paixão (The Notebook)
Produção: EUA, 2004
Direção: Nick Cassavetes
Com: Ryan Gosling, Rachel McAdams
Quando: a partir de hoje nos cines Iguatemi, Paulista e circuito
Especial
Arquivo: veja o que já foi publicado sobre Nick Cassavetes
"Diário de uma Paixão" consegue embalsamar imagens vividas
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free-lance para a Folha
"Diário de uma Paixão" é um filme sobre imagens embalsamadas. Mais do que isso, manufaturado a partir de imagens embalsamadas. E o que é embalsamar uma imagem? Pode ser o exercício de um homem que reconstrói oralmente e por meio de registros todo um acervo de imagens para uma mulher que sofre de Alzheimer.
É ao mesmo tempo, nas mãos do cineasta, o exercício de, antes de empalhá-lo ou colocá-lo em conserva, exumar um gênero. Com ele, sua textura, suas nervuras, sua seiva. Trabalhar uma imagem como se ela própria representasse a idéia de história vivida. Do cinema vivido, por que não?
Sim, pois Nick Cassavetes está no terreno do lembrar. E ele sabe que não faz sentido tratar do "lembrar" sem assumi-lo no ato de fazer cinema, na rearquitetura de um sistema de imagens e sons. E aqui falamos da arquitetura de um gênero específico, o melodrama, e de sua tradição, arquivada, em um país --os EUA. Vamos identificar o odor forte, quase azedado, do melodrama americano das décadas de 1970 e 1980 --filmes de chorar--, por exemplo, embora o enredo situe-se entre a atualidade e os anos 40.
Até pelo mestre maior no gênero, Douglas Sirk, Cassavetes se contamina, ao transformar um lago, desenhado via exagero decorativo próximo do fantástico, meio à la Sirk, em metáfora do tempo. Item geográfico, tão vivo em sua artificialidade, que observa e eterniza episódios vividos. As tonalidades e o confronto com o mundo que um e outro, Sirk e Cassavetes, compram são diferentes, mas vale o olhar. E é bom notar: Cassavetes não manipula o "retrô" como grife, é bem mais sutil e, assim, mais antiquado.
Alguns poderão apontar o filme como um "Como se Fosse a Primeira Vez" da terceira idade. E não seria errado, a tensão é a mesma: alguém terá de doar muito tempo de sua vida para reconstituir, ou reformar, a memória alheia, que será diluída rapidamente e terá de ser reconstruída outra vez, e assim até o fim.
Mas que tal se pensássemos em "O Filho da Noiva"? A comparação, em primeira leitura, é banal. Os dois filmes se aproximam no nível da memória como um quarto nebuloso. Só que se aproximam também no comentário nacionalista.
Em ambos, a figura da "mãe" pode ser entendida como a representação de um país velho, da memória dourada. Apesar de cadáveres de guerra, do ódio racial ou de governos sangrentos. Representa a imagem embalsamada de seu lugar, a Argentina portenha ou os EUA provincianos, em décadas longínquas.
Avaliação:
Diário de uma Paixão (The Notebook)
Produção: EUA, 2004
Direção: Nick Cassavetes
Com: Ryan Gosling, Rachel McAdams
Quando: a partir de hoje nos cines Iguatemi, Paulista e circuito
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