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23/08/2004 - 04h35

Análise: Salvaram-se os melhores no Festival de Gramado

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JOSÉ GERALDO COUTO
Enviada especial a Gramado

"Vida de Menina" mereceu o prêmio de melhor longa-metragem em Gramado, não por ser um filme excepcional, mas por ser o mais "redondo" da competição, ou seja, aquele em que todos os elementos (história, dramaturgia, imagem, ritmo, decupagem) estão a serviço de um sólido princípio diretor.

É um filme delicado, baseado num livro precioso ("Minha Vida de Menina", de Helena Morley), que retrata, pelos olhos de uma garota, a vida cotidiana em Diamantina no final do século 19.

É uma espécie de "história da vida privada" num momento crucial da formação do Brasil moderno. A escravidão acabara de ser abolida, mas o trabalho livre não havia sido ainda plenamente implantado, o que dava ensejo a uma organização social um tanto frouxa e propícia aos paradoxos e mal-entendidos.

O local --uma região mineradora em franca decadência-- parece deslocado no tempo, assim como a protagonista Helena (Ludmila Dayer, ótima), descendente de ingleses protestantes no coração do Brasil católico.

Todo esse processo rico e contraditório de relações raciais, sociais e religiosas nos é apresentado de modo sutil e oblíquo pela inteligência inquieta de Helena.

Sutileza e obliqüidade são os valores que comandam a organização do filme, desde o modo como os episódios se constroem até a orquestração dos olhares dos personagens, passando pela fotografia de Pedro Farkas, que capta de maneira admirável a linda luz das montanhas de Minas.

Há coincidências curiosas entre "Vida de Menina" e "Filhas do Vento", de Joel Zito Araújo. Ambos são ambientados em cidades históricas mineiras, ambos têm em seu centro personagens femininas, ambos tratam do destino de descendentes de escravos.

Este último tema é abordado de modo mais explícito e programático em "Filhas". É, digamos, a "condição negra vista por dentro", mas acomodada numa dramaturgia e num ritmo mais próximos da telenovela.

Em "Vida de Menina", o tópico da opressão racial é mais problematizado, uma vez que o que se apresenta é o mal-estar de uma parcela da elite dominante diante da simples existência dos ex-escravos. O tom é de dúvida e perplexidade, sentimentos que talvez persistam até hoje.

Os dois filmes dialogam entre si e, de algum modo, se completam. E estão, de fato, bem acima dos outros concorrentes.

Na competição latina, a vitória do uruguaio "Whisky" não chega a ser uma surpresa, embora muita gente desse como certa a vitória de "Suite Habana".

Os dois são ótimos, mas extremamente díspares. "Whisky" narra com humor astuto e extrema economia de meios a disputa surda entre dois irmãos judeus de meia-idade. "Suite Habana" expõe o cotidiano de cubanos de várias idades e condições sociais, orquestrando as imagens documentais de acordo com princípios temáticos, rítmicos e plásticos. Uma espécie de Dziga Vertov com malemolência latina.

Se o cubano é um afresco, o uruguaio é uma miniatura. Se o primeiro é uma sinfonia, o segundo é um concerto de câmara.

Gramado, no fim das contas, valeu por esses quatro filmes, pelo documentário "O Cárcere e a Rua" e por dois ou três curtas.

Especial
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