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01/09/2004 - 06h24

Rosângela Rennó mostra imagens vivas de um tempo morto

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EDER CHIODETTO
free-lance para a Folha de S.Paulo

A fotografia vista como salvaguarda da memória afetiva e ao mesmo tempo como processo que desencadeia a amnésia social são alguns dos motes da série "Corpo da Alma", que a artista Rosângela Rennó exibe na 3ª Mostra do Programa de Exposições 2004, em cartaz no Centro Cultural São Paulo, junto com os artistas Dudi Maia Rosa e Paulo Pasta, além dos trabalhos de mais sete novos artistas escolhidos por uma comissão.

"Corpo da Alma" (2003/2004) é uma série desenvolvida a partir de fotografias publicadas em jornais, manipuladas em computador para ficarem com a aparência de retícula de impressão. Parte das imagens foram posteriormente gravadas em aço inoxidável e outra parte colada diretamente na parede com vinil auto-adesivo.

As imagens mostram pessoas em manifestações públicas exibindo o retrato de parentes mortos ou desaparecidos, além de fotografias de líderes religiosos ou políticos que aparecem em meio a protestos.

Tal uso de imagens para invocar a presença das pessoas que não se encontram no espaço-tempo reforça a vocação da fotografia para a afirmação inconteste de que as coisas, e as pessoas, existiram.

É, em parte, o que escreveu Roland Barthes em "A Câmara Clara": "Esses fotógrafos que se movimentam no mundo, dedicando-se à captura da atualidade, não sabem que são agentes da morte. É o modo como nosso tempo assume a morte: sob o álibi do perdidamente vivo... Pois é preciso que a morte, em uma sociedade, esteja em algum lugar; se não está mais (ou está menos) no religioso, deve estar em outra parte: talvez nessa imagem que produz a morte ao querer conservar a vida. Contemporânea do recuo dos ritos, a fotografia corresponderia talvez à intrusão, em nossa sociedade, de uma morte assimbólica..."

Por outro lado, Rennó recicla sua tese da amnésia social. Fotografar, então, seria o primeiro movimento no sentido de esquecer, ou seja, uma vez fotografado um evento liberamos nossa memória da obrigação de retê-lo.

Parentes empunhando a imagem de entes queridos desaparecidos seria, nessa medida, a reificação de sentimentos como paixão, saudade e nostalgia. A nostalgia de ter sido, que encerra a gênese da linguagem fotográfica.

Ao abarcar de forma poética e politizada a questão do ter sido na fotografia, Rennó utiliza da forma para dar contornos ainda mais contundentes a questões afins. Ao observar as imagens gravadas em aço inoxidável, o visitante se vê refletido com sua imagem justaposta a obra.

A fotografia original, que mostra uma imagem antiga dentro de outra imagem que também já é passado, ganha a adição do reflexo, uma imagem do presente que emerge difusa, um ser em flagrante processo de opacidade, fadado ao desaparecimento e ao esquecimento também.

Barthes dá outra chave: "A fotografia é a imagem viva de uma coisa morta". Rennó retrabalha a fotografia como registros do transitório que flagram o corpo mas nem sempre retêm a alma.

III Mostra do Programa de Exposições 2004

Onde: Centro Cultural São Paulo (r. Vergueiro, 1.000, tel. 3277-3611)
Quando: até dia 26, de ter. a sex, das 10h às 20h; sáb e dom. das 10h às 18h
Quanto: entrada franca

Especial
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