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27/10/2005
-
10h55
JOSÉ GERALDO COUTO
Colunista da Folha de S.Paulo
Digamos desde logo: "Crime Delicado" é um filme esplêndido, radical, único.
Na superfície, a história --inspirada em breve romance de Sérgio Sant'Anna-- é bastante simples: o crítico de teatro Antônio Martins (Marco Ricca) se apaixona por Inês (Lilian Taublib), que por sua vez é musa e amante de um homem mais velho, o artista plástico José Torres Campana (vivido pelo artista mexicano Felipe Ehrenberg).
Uma particularidade de Inês é o fato de ter uma deficiência física bastante perceptível. Essa circunstância terá conseqüências na maneira como evoluirá o tenso triângulo amoroso.
Como Antônio é crítico teatral, Inês é modelo e Campana é pintor, o filme acaba por trafegar livremente pelo teatro e pela pintura. Ou melhor: sua busca parece ser a do ponto de intersecção entre essas formas de representação e o cinema, e sobretudo entre este (como síntese das artes) e a própria vida.
A primeira cena se desenrola num palco (trata-se de uma peça a que Antônio assiste como profissional) e dá a senha para a linguagem expositiva de todo o filme. De modo geral, o que veremos, dentro ou fora do palco, serão "quadros vivos", filmados com câmera fixa, como que assumindo o ponto de vista de um espectador teatral. Por outro lado, ao mostrar os quadros eróticos de Campana sendo produzidos na interação entre ele e a modelo, na cama, ressalta-se o que há de teatro na pintura.
Assim como os trechos de peças exibidos ("Woyzeck", "Confraria Libertina", "Leonor de Mendonça"), os quadros da "vida real" (dois homens embriagados conversando num bar, por exemplo) não têm a ver diretamente com o entrecho central. Mas todos se iluminam uns aos outros e enriquecem subterraneamente o tema da paixão como elemento de desequilíbrio. Ou será do desequilíbrio, da imperfeição, como elemento de paixão? Não se sabe.
O fato é que, por baixo de sua aparente estranheza formal, "Crime Delicado" apresenta uma unidade de sentido que atinge o espectador primeiro pela emoção estética.
Pensar nexos e explicações é uma atividade posterior, que não deixa de ter a ver com o assunto que se discute na tela: as tensões entre a arte e a vida, entre o caráter falho desta última e a perfeição idealizada da primeira.
Pois Antônio Martins, vigilante do "Belo", vê-se em crise quando descobre a beleza (em minúsculas) da imperfeição, que aqui é sinônimo de vida.
Se há algo que enfraquece um pouco a obra, do ponto de vista formal, é justamente o uso ocasional (e talvez inevitável) do campo/contracampo, pois esse recurso nos lembra que estamos no cinema, e não no terreno inefável, em suspensão, ao qual nos transportou a música sublime de Schubert. Mas ter estado lá é algo que não se esquece.
Crime Delicado
Direção: Beto Brant
Quando: hoje, às 22h, no Cine Bombril; e dias 31, às 15h20, no Frei Caneca Arteplex; e 2, às 21h, na Sala UOL
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Digamos desde logo: "Crime Delicado" é um filme esplêndido, radical, único.
Na superfície, a história --inspirada em breve romance de Sérgio Sant'Anna-- é bastante simples: o crítico de teatro Antônio Martins (Marco Ricca) se apaixona por Inês (Lilian Taublib), que por sua vez é musa e amante de um homem mais velho, o artista plástico José Torres Campana (vivido pelo artista mexicano Felipe Ehrenberg).
Uma particularidade de Inês é o fato de ter uma deficiência física bastante perceptível. Essa circunstância terá conseqüências na maneira como evoluirá o tenso triângulo amoroso.
Como Antônio é crítico teatral, Inês é modelo e Campana é pintor, o filme acaba por trafegar livremente pelo teatro e pela pintura. Ou melhor: sua busca parece ser a do ponto de intersecção entre essas formas de representação e o cinema, e sobretudo entre este (como síntese das artes) e a própria vida.
A primeira cena se desenrola num palco (trata-se de uma peça a que Antônio assiste como profissional) e dá a senha para a linguagem expositiva de todo o filme. De modo geral, o que veremos, dentro ou fora do palco, serão "quadros vivos", filmados com câmera fixa, como que assumindo o ponto de vista de um espectador teatral. Por outro lado, ao mostrar os quadros eróticos de Campana sendo produzidos na interação entre ele e a modelo, na cama, ressalta-se o que há de teatro na pintura.
Assim como os trechos de peças exibidos ("Woyzeck", "Confraria Libertina", "Leonor de Mendonça"), os quadros da "vida real" (dois homens embriagados conversando num bar, por exemplo) não têm a ver diretamente com o entrecho central. Mas todos se iluminam uns aos outros e enriquecem subterraneamente o tema da paixão como elemento de desequilíbrio. Ou será do desequilíbrio, da imperfeição, como elemento de paixão? Não se sabe.
O fato é que, por baixo de sua aparente estranheza formal, "Crime Delicado" apresenta uma unidade de sentido que atinge o espectador primeiro pela emoção estética.
Pensar nexos e explicações é uma atividade posterior, que não deixa de ter a ver com o assunto que se discute na tela: as tensões entre a arte e a vida, entre o caráter falho desta última e a perfeição idealizada da primeira.
Pois Antônio Martins, vigilante do "Belo", vê-se em crise quando descobre a beleza (em minúsculas) da imperfeição, que aqui é sinônimo de vida.
Se há algo que enfraquece um pouco a obra, do ponto de vista formal, é justamente o uso ocasional (e talvez inevitável) do campo/contracampo, pois esse recurso nos lembra que estamos no cinema, e não no terreno inefável, em suspensão, ao qual nos transportou a música sublime de Schubert. Mas ter estado lá é algo que não se esquece.
Crime Delicado
Direção: Beto Brant
Quando: hoje, às 22h, no Cine Bombril; e dias 31, às 15h20, no Frei Caneca Arteplex; e 2, às 21h, na Sala UOL
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