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20/11/2006 - 09h37

"Cartas de Herat" retrata Afeganistão como belo e questiona best-seller

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EDUARDO SIMÕES
da Folha de S.Paulo

Musa inspiradora de Paulo Coelho para compor o personagem principal de "O Zahir", a correspondente de guerra inglesa Christina Lamb, 45, que conhece a fundo a realidade do Afeganistão, hesita antes de comentar como o país é descrito por sua colega Asne Seierstad em "O Livreiro de Cabul".

Lamb diz conhecer e gostar da jornalista e de Shah Muhammad Rais, nome verdadeiro do livreiro. Para ela, a obra é "extremamente comovente", com uma "maravilhosa percepção" da sociedade patriarcal afegã.

Mas Lamb tem restrições. "Não é verdade que ele [o livreiro] não educou seus filhos, e suas mulheres negam o que foi escrito sobre elas", diz Lamb à Folha. "Os afegãos são muito hospitaleiros, sempre convidam você para suas casas, para compartilhar sua comida, mesmo quando não têm nada. Suponho que Seierstad tirou vantagem da hospitalidade de Rais.

E sou cética em relação a algumas conversas recriadas, porque ela não fala dari ou pashto, e duvido muito que mulheres afegãs confessariam coisas tão íntimas a uma ocidental."

Em 2002, visão otimista

Lamb, como Seierstad, começou muito cedo no árido ofício de correspondente de guerra. Aos 21 anos, a jornalista viajou pelo Afeganistão com os mujahidin (guerrilheiros que lutavam contra a invasão russa). Testemunhou (e reportou sobre) a invasão soviética no país e a ascensão do regime Taleban e, logo após os ataques de 11 de setembro, resolveu voltar ao país. Para escrever um livro.

"Foi fascinante ver o que aconteceu a todas as pessoas que conheci. Algumas se tornaram talebans. Hamid Karzai virou presidente. Achei que seria interessante escrever sobre o assunto. O Afeganistão era retratado pela maior parte da imprensa através de homens com barbas e armas, numa terra empoeirada, e eu conhecia um país diferente, um lugar de beleza e poesia, que eu queria mostrar."

"Cartas de Herat" foi lançado em 2002. O livro, que chega agora ao Brasil, pegando carona no sucesso de "O Caçador de Pipas" e "O Livreiro", é assumidamente otimista, apesar das descrições da destruição do Afeganistão, da tortura etc.

Lamb descreve a face pálida e desbotada de um país que sempre sofreu por conta de sua posição geográfica ("ponto de encontro entre o Oriente Médio, a Ásia Central, a Índia e o Oriente- e, portanto, campo de batalha de grandes potências"). Mas empresta cores ao quadro ao descrever os mujahidin ("homens corajosos com expressões nobres") e o país ("uma terra onde a população aprendeu a sentir no ar o aroma da primeira neve nas montanhas e onde uma hora passada admirando as flores era uma hora ganha, não perdida").

O livro fala também de um achado da jornalista, fruto da correspondência que troca com uma afegã, Marri, filha de um diplomata com uma professora de inglês. Trata-se do Círculo da Agulha de Ouro, na cidade de Herat, onde mulheres, sob o disfarce de alunas de costura, aprendem "crítica literária, estética e poesia persa, além de serem apresentadas aos clássicos estrangeiros como Shakespeare, James Joyce e Nabokov". Sem burcas.

"As afegãs querem o mesmo que nós. Marri escreve sobre seu desejo de usar o vestido de seda vermelha que pertencia à mãe, de nadar nos lagos, de ir ao cinema", conta a autora.

Em 2006, pessimismo

Lamb, no entanto, perdeu boa parte do otimismo que carregava nas tintas, em 2002. A jornalista esteve há duas semanas no Afeganistão e se diz "deprimida" porque as pessoas já falam abertamente de uma volta dos talebans ao poder.

Lamb acredita que o maior erro do Ocidente --leia-se Estados Unidos-- foi nunca ter compreendido a natureza tribal da sociedade afegã. A jornalista duvida que o país venha a ser totalmente pacífico. Sempre há disputas entre tribos e Cabul nunca controlou o país inteiro. "Infelizmente, há muitas pessoas interessadas na instabilidade, sejam os senhores da guerra, os talebans, a inteligência paquistanesa ou os envolvidos no tráfico de ópio."

CARTAS DE HERAT
Autora: Christina Lamb
Editora: Novo Século
Quanto: R$ 39 (336 págs.)

Especial
  • Leia o que já foi publicado sobre "O Livreiro de Cabul"x
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