28/04/2007 - 00h25

Leia conto do livro "Curto Alcance"

da Folha de S.Paulo

A Folha publica hoje reportagem sobre a coletânea "Curto Alcance", de Annie Proulx, que está sendo lançado pela editora Intrínseca. Leia o conto "A Oitenta e Oito Quilômetros do Posto de Gasolina".

A oitenta e oito quilômetros do posto de gasolina

O fazendeiro Croom, com botas artesanais e um chapéu imundo, boiadeiro vesgo, com uns pêlos desgarrados como pontas enroscadas de cordas de violino, bailarino de pés ligeiros sobre tábuas esfarpadas ou descendo as escadas do porão até o móvel das garrafas de sua estranha cerveja de fabricação própria, fermentada, turva, garrafas que explodem expelindo guirlandas de espuma, o fazendeiro Croom, bêbado, galopa à noite na planície escura, entra num lugar que ele sabe que vai dar à beira de uma garganta onde apeia e olha de cima as pedras desmoronadas, espera, dá um passo à frente, e corta o ar com seu último rugido, as mangas se encapelando nos braços como pás de moinho, o jeans montado no cano das botas, mas, antes de bater no chão, torna a subir até o alto do penhasco como uma rolha num balde de leite.

A sra. Croom, no telhado, abre com uma serra um buraco no ático, onde não põe os pés há doze anos graças aos cadeados e às advertências do velho Croom, estímulos à sua curiosidade, e o suor voa quando ela troca a serra por um formão e um martelo até que uma placa trincada do topo se solta e ela pode ver o interior: exatamente o que havia pensado: os cadáveres das amantes do sr. Croom -- reconhece-as de fotografias dos jornais: MULHER DESAPARECIDA --, alguns secos como charque e mais ou menos da mesma cor, alguns mofados por estarem embaixo de goteiras do telhado, e todos eles maltratados, cobertos de marcas de mão alcatroadas, marcas de saltos de botas, alguns com o azul brilhante dos restos de tinta que usaram anos atrás nas persianas, um envolto em jornal dos mamilos aos joelhos.

Quem vive muito afastado, cria a própria diversão.

Especial

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