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23/12/2000 - 10h47

Estréia de Ruy Castro no romance traz um policial sutil

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LUÍS FRANCISCO CARVALHO Fº
da equipe de articulistas da Folha

"Bilac Vê Estrelas", primeiro romance de Ruy Castro, surpreende pela ingenuidade da trama policial. Não há tensão dramática ou suspense. Sexo e violência não são fios condutores da história. Há humor, sutileza, saudosismo. Tudo termina bem, sem mortos e com alguns levemente feridos.

Adaptada a obra para o cinema, o filme seria classificado pelo vigilante Ministério da Justiça como obra recomendável para todas as idades.

O livro é protagonizado por duas personalidades do passado, bastante populares em sua época e que, por diferentes motivos, são desconhecidas das novas gerações e, não por acaso, merecedoras do interesse de um biógrafo.

O nome de Olavo Bilac está inscrito na história da literatura como o grande poeta parnasiano, aliás, como o "Príncipe dos Poetas Brasileiros", lido e recitado com admiração pelos contemporâneos. Com o tempo, no entanto, sua poesia adquiriu a fama de ser perfeita, mas entediante, um pesadelo para vestibulandos, injustamente contaminada pela imagem de quem incentivara civismo e serviço militar obrigatório.

Já o negro José do Patrocínio brilhou como ativista da abolição da escravatura. Jornalista poderoso e orador destemido, morreu no ostracismo, tentando construir uma aeronave, um enorme balão, para alçar vôo sobre o Rio de Janeiro.

Seus três romances, publicados como folhetins em sua juventude, sumiram de circulação e não integram as antologias. Durante anos, sacudiu "as teclas dos corações", como uma "pilha elétrica" (nas palavras de Sílvio Romero), mas, dada a atitude ambígua em relação ao Império, acabou renegado pelos republicanos.

A espinha dorsal da obra de Ruy Castro é justamente a crônica de Bilac sobre Patrocínio e a construção do balão Santa Cruz, publicada na "Gazeta de Notícias" em 1903 e que faz parte da bela edição "Vossa Insolência", da Companhia das Letras (1996).

O cronista descreve com entusiasmo o "emaranhado rutilante de hastes metálicas" concebido pelo "gênio humano" e prestes a voar, fala das dificuldades materiais para o término do empreendimento que deveria encher de orgulho o país e menciona o desgosto que devorava a alma de Patrocínio, ridicularizada "pela pilhéria grosseira das badernas carnavalescas".

Ruy Castro reúne Bilac e Patrocínio, apogeu e melancolia, no centro de uma intriga internacional articulada para a apropriação, a qualquer custo, dos desenhos da preciosa aeronave, a eliminação do inventor e a venda do invento para potências européias.

Um cadáver. Um acidente automobilístico. Um duelo. Um jantar de gala com a princesa Isabel. Santos Dumont. Uma bonita mulher. A anatomia de uma sedução amorosa. Um padre católico mulherengo e vigarista. Malandros cariocas. Correrias. Maledicências. Pequenas aventuras vão se sucedendo numa atmosfera provinciana e divertida.

Há uma passagem que sintetiza o humor ao mesmo tempo pastelão, como registra Cony, e refinado do livro.

Ao dobrar uma esquina em Paris, um desastrado Bilac tromba com mulher que volta da feira carregando uma cesta. Era Gertrude Stein levando frutas que serviriam de modelo para naturezas-mortas de Picasso e Juan Gris: "Pode ser que, pelo estado em que ficaram as frutas ao cair da cesta (o melão se rachara, as pêras e as maçãs ganharam ângulos inesperados), tenham sido elas as primeiras inspiradoras do cubismo".

A narrativa nos remete ainda para um universo vocabular que também desapareceu. Assim como deixaram de existir pedaços do Rio de Janeiro que servem de cenário para o livro. Leitura fácil e saborosa.

Livro: Bilac Vê Estrelas
Autor: Ruy Castro
Editora: Companhia das Letras
Quanto: R$ 19 (152 págs.)
 

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