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15/09/2001 - 02h52

EUA terão dificuldade para invasão

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RICARDO BONALUME NETO
da Folha de S.Paulo

Se os EUA de fato quiserem "caçar" e prender ou matar o terrorista Osama bin Laden, e não meramente jogar algumas toneladas de bombas na sua direção, vão enfrentar as dificuldades próprias do que os militares chamam "conflitos assimétricos".

Esse tipo de conflito é marcado pela grande diferença de meios e objetivos entre os dois lados. Terroristas armados com facas que jogam aviões contra prédios são uma força bem diferente das Forças Armadas tecnologicamente mas sofisticadas do planeta.

Mas, de posse de um objetivo claro, os militares norte-americanos têm condições de causar graves danos ao terrorista saudita e seus partidários no Afeganistão.

"Caçar" Bin Laden significaria usar tropas terrestres para desentocá-lo. Dependendo de onde estiver e de quantos de seus seguidores estiverem por perto, os americanos podem sofrer grande número de baixas.

Mas, depois de milhares de mortos civis nos atentados do último dia 11, pela primeira vez desde a Guerra do Vietnã -que terminou em 1975, e em 1973 para os EUA- a população norte-americana estaria disposta a tolerar mortes entre seus soldados, desde que a vingança dê certo.

Mas, mesmo para meramente bombardear o terrorista à distância -por exemplo, através de mísseis de cruzeiro Tomahawk lançados de submarino-, seria preciso ter informações precisas e detalhadas de onde achar Bin Laden. Satélites-espiões capazes de fotografar a placa de um automóvel pouco ajudam nessa hora.

A experiência de operações militares americanas semelhantes mostra que os EUA costumam falhar notadamente nesse requisito. O chamado "reconhecimento" do inimigo tem sido sempre falho.

Talvez mais importante do que o acesso ao território de um país vizinho ao Afeganistão para instalação de bases, os EUA precisam é de inteligência confiável sobre o paradeiro do líder da organização Al Qaeda (a base).

Infiltrar a Al Qaeda em busca da informação é praticamente impossível sem ajuda local, seja dos paquistaneses, seja dos guerrilheiros que combatem o governo.

A organização é um conglomerado de grupos com uma estrutura flexível e com membros espalhados pelo mundo islâmico, incluindo não só o Oriente Médio como também a Bósnia e Kosovo, a China e países da África subsaariana.

Não há estimativas confiáveis, mas é possível que Bin Laden comande de 5.000 a 15.000 guerrilheiros no Afeganistão.

O grupo que controla o Afeganistão, o Taleban, tem um exército ainda mais numeroso, armado também com armas convencionais como tanques e mísseis antiaéreos. Mas não é esse o maior problema para a "caçada".

Os americanos têm forças capazes de lidar com relativa facilidade com esse tipo de arsenal convencional inimigo. Velhos mísseis antiaéreos de fabricação russa não apresentam grande risco para a nova geração de caça-bombardeiros americanos; esse é o terreno da guerra "simétrica".

O lado que procura empregar o conflito assimétrico tenta fazer uso da incapacidade de um inimigo mais poderoso de usar seus meios convencionais, explorando as suas vulnerabilidades.

Por exemplo, se Bin Laden se esconder no meio de uma cidade, poderá impedir os EUA de bombardearem-na por causa do risco de atingir civis -embora esse prurido talvez desapareça depois do que aconteceu em Nova York.

Cidades de traçado medieval, repletas de vielas estreitas e casas escuras de terra também dificultam o progresso de forças militares e dão chances a guerrilheiros emboscados de causaram grande número de baixas.

Os soviéticos já tiveram esse problema quando lutaram no Afeganistão. Mesmo com abundantes helicópteros eles tinham dificuldade em caçar os guerrilheiros no terreno montanhoso.

Até Alexandre, o Grande da Macedônia, um dos maiores guerreiros da antiguidade, teve problemas em lutar no Afeganistão contra as belicosas tribos locais. O mesmo aconteceu com os britânicos no século 19.

A vantagem dos norte-americanos hoje é que, ao contrário do antigo regime comunista, eles não querem controlar o país, mas apenas realizar missões pontuais.

Uma das missões poderia ser o uso de forças especiais para capturar Bin Laden. O retrospecto dos EUA nessa área não é muito bom, repleto de falhas de execução e, principalmente, de inteligência.

As missões anteriores com objetivos limitados que mais se parecem com uma eventual caçada ao terrorista foram quase todas fracassos de alguma maneira.

É o caso do ataque a um campo de prisioneiros no Vietnã do Norte em 1970; do resgate do navio mercante SS Mayaguez no então Camboja em 1975; e daqueles que mais lembram o desafio atual, a tentativa de resgate de reféns em Teerã em 1980, e a tentativa de capturar o guerrilheiro somaliano Mohamed Aidid, em 1993.

Mesmo intervenções americanas mais bem sucedidas, como os ataques a Granada em 1983 e ao Panamá, em 1989, revelaram falhas graves de execução. Parte do problema é que todos querem participar: Exército, Marinha, Força Aérea, Marines (Fuzileiros Navais), e o resultado é uma perigosa mistura de unidades e confusão quanto à cadeia de comando.

O campo de prisioneiros de Son Tay, perto de Hanói, capital do então Vietnã do Norte, foi atacado por uma força de 85 "boinas verdes" -tropas especiais do Exército- levadas em seis grandes helicópteros, alguns dos quais pousaram no lugar errado. O ataque deu certo; mas o objetivo era libertar prisioneiros de guerra dos EUA, e o campo estava vazio -uma falha grave de inteligência.

O caso do Mayaguez, capturado por navios de patrulha cambojanos, foi pior, também por falta de reconhecimento. Os norte-americanos caíram em uma emboscada. Morreram 68 dos 250 fuzileiros navais envolvidos, doze helicópteros pesados foram destruídos e só a intervenção de bombardeiros permitiu que o desastre não fosse maior.

Já o caso da tentativa de resgate dos reféns dos EUA em Teerã foi um caso de planejamento malfeito. A operação era complexa demais, envolvendo helicópteros dos fuzileiros navais saindo de porta-aviões, soldados de duas unidades do Exército e aviões de transporte da Força Aérea. Alguns helicópteros tiveram falhas mecânicas, e os que restaram, além de não poderem realizar a operação, colidiram com um avião no deserto, deixando oito corpos para serem mostrados ao mundo pela televisão.

As forças especiais americanas erraram de novo ao tentar capturar no centro de Mogadício, capital da Somália, um líder
guerrilheiro/terrorista. O saldo foram sete horas de luta urbana, dois helicópteros perdidos e mais 18 soldados americanos mortos.

Leia mais no especial sobre atentados nos EUA
 

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