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19/10/2001 - 04h56

Corrupção é marca da Aliança do Norte

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KENNEDY ALENCAR
enviado especial a Jabal-Saraj

O comandante Haji Qahar é o homem-chave em Jabal-Saraj. Cerca de um 1,60 m, careca com o resto do cabelo raspado baixinho, é o arquétipo do malandro afegão bem relacionado. Tudo o que jornalistas precisam fazer tem de passar por ele, desde as autorizações iniciais para visitar as linhas de combate a um colchonete fétido para dormir no chão.

Haji é um dos assistentes do ministro das Relações Exteriores da Aliança do Norte, Abdullah Abdullah. A ONU só reconhece o governo do presidente Burhanuddin Rabbani, derrubado pelo Taleban em 96. A Aliança do Norte é o braço-armado desse governo.

O método de trabalho de Haji é amostra de como a corrupção tomou conta do Afeganistão. E exemplifica a lógica tribal que impera no país. Sua primeira providência ao receber a Folha é pressionar o tradutor e o motorista contratados em Faizabad, a abandonar o trabalho.

"Minha mãe mandou um recado para eu voltar", justifica-se o tradutor Said Omaid, que ficou cinco dias com a Folha e não teve como se comunicar com a família. A mensagem é clara. Só os protegidos de Haji em Jabal-Saraj, que fica na Província de Parwan, podem trabalhar com jornalistas. Ele arruma a mão-de-obra, o carro e fixa o preço. Claro que receberá uma gorda comissão.

Hagi quer cobrar US$ 500 por uma viagem de helicóptero a Dushambe, mesmo quando confrontado com um bilhete de ida e volta emitido pela embaixada da própria Aliança do Norte no Tadjiquistão. "Esse papel vale para voltar só de Faizabad, longe daqui, meu amigo. Vamos ver se posso fazer algo por você."

O comandante Haji, que gosta de andar com escoltas num jipe azul, "resolve" problemas de todos os tipos. Alugou a casa do Ministério das Relações Exteriores para a CNN. Seus funcionários despacham agora num escritório improvisado perto das casas de hospedagem dos jornalistas.

Por US$ 100, ele acha alguém que providencia uma garrafa de vinho tinto medoc Chateau Bellegrave, 1994. Em Dushambe, a mesma mercadoria sai por US$ 25. Outras transações assim, envolvendo de comida a filme fotográfico, sempre a preços exorbitantes, fazem parte da rotina de Haji. "Minha função é ajudar os jornalistas a fazer um bom trabalho", diz, abrindo um sorrindo que se pretende amigável.

Futuro promissor
Provoca arrepios imaginar um novo governo afegão composto por Hajis. Esse tipo de rebelde certamente é uma das causas que levam os EUA a serem cautelosos em relação à Aliança do Norte, uma espécie de Taleban light.

Depois de 11 dias no Afeganistão, percebe-se que, sem apoio aéreo americano, será difícil os rebeldes tomarem Cabul. É mais provável que eles cheguem à cidade por um colapso do Taleban, castigado pelos bombardeios, do que por iniciativa própria.

Os EUA estão interessados numa solução para o Afeganistão que não desagrade o Paquistão, inimigo antigo da Aliança do Norte, tida como aliada da Índia. Paquistaneses e indianos são rivais -disputam a Caxemira.

Logo, caças americanos acertarem posições do Taleban perto dos rebeldes no norte do país, na região de Mazar-e-Sharif, é uma coisa. O local é o das etnias da Aliança do Norte, como a tadjique e a uzbeque. A aliança controlar todo o norte pode ser interessante para Washington, porque ajuda a pôr pressão sobre o Taleban.

Já Cabul, de maioria pashtu, a etnia preponderante entre oS talebans, pode ser outra história. Daí o esforço americano para chegar a um acordo que contemple todas as etnias num eventual novo governo. Essa fórmula seria bem vista pelo Paquistão, que abandonou o Taleban e se aliou aos EUA.

A cautela americana desagrada Haji. "Os americanos deveriam nos ajudar mais, bombardeando o Taleban em Bagram e Sarak-e-Kona", diz ele, referindo-se às frentes de batalha próximas à capital, nas quais rebeldes e o Taleban têm trocado fogo.

Os EUA, porém, sabem das desavenças dentro da própria aliança, sufocadas temporariamente devido ao inimigo comum.

Para se ter uma idéia dessa confusão:
O tadjique Ahmad Shah Massoud, o supremo comandante rebelde morto dois dias antes dos atentados a NY, deu boas-vindas ao Taleban em 1994. Em 1996, quando a milícia religiosa escanteou o governo Rabbani, do qual Massoud era ministro da Defesa, ele se aliou ao antigo inimigo uzbeque Rashid Dostum.

Massoud e Dostum foram adversários durante a ocupação soviética (1979-1989). Massoud enfrentou os russos. Dostum lutou ao lado de Moscou e até imprimiu notas de afegani que ainda circulam no norte do país. O afegani de Dostum e dos russos vale a metade do afegani usado no Vale do Panshir e no resto do país. Esse é impresso pela ONU. O Taleban usa os dois tipos da moeda.

Para tornar mais difícil ainda um explícito apoio militar americano aos rebeldes, deve-se ter em mente que eles não formam um exército regular. O número de soldados é muito menor do que o alardeado. Seus comandantes falam em 25 mil na região de Jabal-Saraj. Devem ter, bem treinados, apenas uns 6.000.

Ao todo, a Aliança do Norte possui 14 mil soldados. As duas principais linhas de frente são a de Jabal-Saraj, que fica perto de Cabul, e a de Mazar-e-Sarif, a cidade mais importante do norte do país.

O grosso das forças da Aliança do Norte (e do Taleban) é formada por homens com fuzis em cima de picapes. A imagem fomenta o mito do guerreiro afegão, mas revela fragilidade militar.


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