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11/09/2003 - 05h27

Cinegrafista relata momento do bombardeio contra sede do governo chileno

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da Folha de S.Paulo, em Santiago

Manuel Martínez, 63, já tinha experiência de quase 15 anos como cinegrafista quando às 7h30 do dia 11 de setembro de 1973 chegou à sede da Televisão Nacional do Chile para mais um dia de trabalho. "Vá imediatamente para o La Moneda porque parece que está havendo confusão por lá", mandou seu chefe, sem saber ainda ao certo o que se passava. As lembranças desse dia histórico foram descritas por Martínez em conversa ontem à tarde com a Folha. Ele foi o único chileno a registrar em vídeo os ataques contra a sede do governo federal. Com ele, havia apenas um outro cinegrafista, da BBC de Londres.

"Os demais [cinegrafistas], quando começaram o tiroteio e os bombardeios, fugiram." Martínez lembra que, quando chegou à praça da Constituição, onde está localizado o palácio de La Moneda, o local estava repleto de carabineiros. "Por volta das 10h, começaram a chegar os tanques e percebemos que a coisa era mais séria ainda."

O cinegrafista lembra que o presidente Salvador Allende apareceu em uma das sacadas do prédio para ver a extensão do movimento rebelde. "Foi a última vez que nos vimos." Às 10h15, começaram os disparos. Quem estava na praça, incluindo jornalistas, saiu correndo para abrigar-se.

Martínez e o colega da BBC, porém, subiram ao 12º andar do hotel Carrera, na esquina da praça, para filmar o que estava acontecendo. "Mas os carabineiros nos confundiram com atiradores de elite e começaram a disparar em nossa direção com metralhadoras. Então decidimos descer ao terceiro andar, cuja visão dá na altura do telhado do palácio."

A artilharia era pesada. Aviões começaram a sobrevoar o La Moneda e a jogar bombas. "O hotel tremia todo e os hóspedes e funcionários desceram para o subterrâneo, para abrigar-se."

Mesmo depois que o bombardeio cessou e os golpistas tomaram o palácio, Martínez e seu amigo da BBC não puderam deixar o hotel por dois dias, pois toda a praça estava tomada pelo Exército. Somente quando um coronel foi designado para a direção da TV é que eles tiveram autorização para sair.

"Foi um momento terrível para meu país e a experiência que mais me marcou", afirma o cinegrafista, que já cobriu a guerra civil na Nicarágua e a invasão do Afeganistão pela antiga União Soviética. Hoje, pai de dois filhos, Martínez passa seus dias no fórum central, onde é setorista para o canal de televisão Megavisão.

Direitos humanos

Trinta anos depois, o Chile ainda não conseguiu enterrar a polêmica sobre os mortos e desaparecidos na ditadura (1973-90).

A exumação mais recente aconteceu em julho, quando o presidente Ricardo Lagos começou a divulgar um projeto que recompensava com redução da pena ex-militares ou colaboradores que tenham participado de torturas ou homicídios e que estivessem dispostos a testemunhar. Além disso, o programa de Lagos, que está no Congresso, prevê uma indenização "austera", isto é, mínima, para os familiares, em troca do sepultamento do assunto.

A intenção de Lagos foi o bastante para gerar indignação nas organizações representativas das famílias dos mortos e desaparecidos. Edda Hurtado, da Agrupação dos Presos e Desaparecidos, critica o projeto. "É absurdo pensar que vamos esquecer parte da nossa história em troca de uma pequena indenização." Além disso, diz, "o governo está premiando aqueles que mataram e torturaram, o que não é justo". O pai de Hurtado, que é professora de literatura, é um dos desaparecidos.

O que mais a angustia, porém, é que, conforme disse, a rediscussão sobre um projeto que contemple as famílias das vítimas só começou a ganhar corpo no governo depois que membros da UDI (União Democrata Independente) e da Renovação Nacionalista, de oposição a Lagos e que tem no prefeito de Santiago, Joaquin Lavín, um possível candidato à Presidência em 2006, tomaram a iniciativa.

Segundo Hurtado, em junho integrantes dos dois partidos procuraram cem familiares de mortos e desaparecidos em Piságua, ao norte de Santiago, onde foram enterrados vários corpos em uma vala comum, para lhes fazer uma proposta de encerramento da discussão sobre o assunto em troca de indenização.

"Isso é o mais cômico, se não fosse trágico: foi a direita quem tomou a iniciativa de apresentar um projeto", diz Hurtado.

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