16/08/2005 - 07h00

Retirada é posição unilateral de Israel, diz membro da ANP

SHIN OLIVA SUZUKI
da Folha Online

O vice-ministro da Informação da ANP (Autoridade Nacional Palestina), Ahmed Sobeh, 53, é taxativo quanto à avaliação que a organização faz sobre a retirada em Gaza: o processo continua sendo uma posição unilateral israelense sem a participação ou negociação com os palestinos.

Sobeh, que foi embaixador da ANP no Brasil entre 1989 e 1995 e também ocupou o cargo de secretário-geral do Ministério da Cooperação Internacional do governo palestino, cobra mais apoio da comunidade internacional para que Israel também desocupe os territórios da Cisjordânia e ajude com investimentos para recuperar a combalida economia na faixa de Gaza [dois terços da população vivem abaixo da linha de pobreza atualmente].

Apesar dos recentes movimentos de uma aproximação entre Mahmoud Abbas --presidente da Autoridade Nacional Palestina (ANP)-- e o presidente George W. Bush, Sobeh disse que os Estados Unidos continuam sendo vistos como uma força que atua a favor de Israel.

Leia a seguir íntegra da entrevista que o vice-ministro da informação palestino concedeu, por telefone, desde Ramallah, à Folha Online.

Folha Online - Qual é o impacto da retirada dos assentamentos judaicos no estado atual das relações entre Israel e a ANP?

Ahmed Sobeh - Depende muito da capacidade do governo israelense de negociar com a ANP os passos seguintes à retirada de Gaza. Infelizmente esse processo irá se iniciar sem uma negociação. Continua sendo uma posição unilateral israelense sem que tivesse sido feita uma consulta à posição da ANP. Isso nos leva a pensar que os israelenses estão fazendo a retirada para ocupar a Cisjordânia. Precisamos da intervenção da comunidade internacional sobretudo EUA, União Européia (UE), Rússia e as Nações Unidas, para que o governo israelense negocie com os palestinos a retirada das ocupações israelenses na Cisjordânia.

Folha Online - E como tem sido a posição da comunidade internacional, até agora, quanto a essa questão?

Sobeh - Infelizmente nos últimos meses a comunidade internacional ficou paralisada esperando a retirada de Gaza, o que permitiu ao governo [do primeiro-ministro israelense Ariel] Sharon consolidar a política de confiscação de terras na Cisjordânia para criar mais assentamentos e continuar construindo o muro [a barreira de segurança que Israel está construindo ao redor de Jerusalém que poderá deixar 55 mil palestinos isolados]. Infelizmente o governo Sharon aproveitou a expectativa internacional quanto à retirada de Gaza para continuar sua política contra o nosso povo na Cisjordânia. Também ouvimos intenções da comunidade internacional para atuar imediatamente após a retirada de Gaza e estamos trabalhando para que isso seja realmente feito.

Folha Online - Qual será a posição da ANP caso se confirmem as análises que apontam que Israel poderá aumentar sua presença na Cisjordânia?

Sobeh - A política de assentamentos é uma política sem futuro, uma política de fracasso e completamente ilegal. Qualquer plano de seguir construindo casas em terras confiscadas vai ter o mesmo futuro do que irá ocorrer agora com Gaza, se não for hoje, será amanhã. Seria conveniente a retirada de Israel, porque a única segurança para israelenses e palestinos é a paz.

Folha Online - Como a retirada influenciará o nível de violência que hoje marca a relação entre israelenses e palestinos?

Sobeh - Nós estamos trabalhando de uma maneira decidida a continuar respeitando a questão da tranqüilidade, para que o processo de retirada seja feita dentro da normalidade. Nós temos um acordo nacional para isso. O que acontece do lado israelense é fruto de uma política de extremismo que sempre Sharon conduziu. Seria conveniente que Israel moderasse sua política, mudasse sua atitude, e leve seu povo a uma situação que seja possível à negociação de paz.

Folha Online - Quais serão as medidas de segurança que a ANP adotará ao assumir a faixa de Gaza?

Sobeh - Estamos coordenando com todas as partes regionais e internacionais o plano de segurança palestino e confiamos que toda a população irá participar da ação de retirada com moderação e sem nenhum tipo de violência. Estamos aumentando a presença de forças palestinas em áreas civis, que estão tomando todas as medidas para que a situação fique sob controle.

Folha Online - Já existe um plano para aumentar e melhorar a comunicação e integração entre a faixa de Gaza e a Cisjordânia?

Sobeh - Segundo todos os acordos que já assinamos com os israelenses, é dever de Israel garantir a locomoção segura entre os dois territórios e a livre movimentação de pessoas e produtos. Até agora Israel não cumpriu isso e esperamos que a comunidade internacional atue para que isso se produza imediatamente.

Folha Online - Quais são as estratégias para melhorar as condições econômicas na faixa de Gaza, onde vivem 1,4 milhão de palestinos, sendo que dois terços deles estão em condições abaixo da linha de pobreza?

Sobeh - A UE declarou que a princípio haverá investimentos da comunidade internacional da ordem de 1 bilhão de euros por ano para impulsionarmos a atividade econômica de nossas terras. É necessário que haja essas medidas para que a pressão não aumente na região, com muitas pessoas vivendo na pobreza. Necessitamos urgentemente de um pacote de medidas econômicas com participação de outros países. Esperamos explorar economicamente as áreas da agricultura e turismo.

Folha Online - Israel conservará o controle das fronteiras de Gaza e do equivalente a um quinto do território. Isso não implica uma autonomia reduzida para os palestinos?

Sobeh - Devo dizer que se esse controle da fronteira seguir nas mãos de israelenses não será possível dizer que Gaza está livre de ocupação. Legalmente continuaremos considerando Israel como força de ocupação. Nós precisamos de total soberania sobre a nossa fronteira para que os palestinos possam transitar livremente. Qualquer controle total ou parcial de Israel será inaceitável.

Folha Online - Na visão da ANP qual será o cenário que representará que a retirada de Gaza foi bem-sucedida?

Sobeh - São várias condições: Israel abrir mão do controle da fronteira com imediato funcionamento de nosso aeroporto e construção de nosso porto, a conexão geográfica entre Gaza e a Cisjordânia e a implantação do pacote de ajuda na área econômica. E que também seja concluído o processo de desocupação israelense em todo o território palestino.

Folha Online - Como os EUA estão atuando nesse atual processo na visão da ANP?

Sobeh - Até agora estão apoiando a posição de Sharon e facilitando suas medidas. Temos promessas de que os EUA vão atuar de maneira decisiva depois da retirada de Gaza e vamos fazer todo o possível na área diplomática para que os norte-americanos cumpram com a sua promessa e force Sharon a continuar saindo do território palestino.

Especial

Leia o que já foi publicado sobre o plano de retirada

Leia o que já foi publicado sobre protestos contra o plano de retirada