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23/04/2006 - 09h10

Base militar argentina mantém escola na Antártida

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CAIO VILELA
Colaboração para a Folha de S.Paulo, em Esperanza

Maria Pia Berto, 15, está matriculada na Escuela Provincial 38 Presidente Julio Roca, único estabelecimento de ensino da Antártida. A filha do chefe da base militar Esperanza se prepara para a experiência única de atravessar um inverno, junto com seus pais e irmãos, no continente gelado.

A escola visa atender filhos de oficiais e suboficiais do Exército argentino, que exercem funções de manutenção da base militar, instalada em 1952. Sob o comando de um experiente major, pai de três dos estudantes inscritos na escola em 2006, 63 pessoas ocupam a base durante a invernada que acabou de começar.

Caio Vilela
Adolescentes jogam xadrez ao ar livre na base militar argentina de Esperanza, na Antártida
Após cinco dias de viagens entre bases militares do continente americano, professores e novos moradores obtiveram condições climáticas para embarcar em direção à baía Esperanza. Depois de nove horas num navio quebra-gelo e um trecho de helicóptero, eles desembarcam com sua bagagem limitada em frente àquela que será sua casa até o fim do ano.

Em atividade entre os meses de março e dezembro, a escola construída em 1978 atende à necessidade das famílias de militares escalados para trabalhar por um ano em Esperanza, uma das seis bases permanentes da Argentina na Antártida. Situado no litoral de uma baía abrigada, o conjunto de casas, que inclui a escola e uma capela, mais parece um "pueblito" argentino. Seus habitantes vivem rodeados de uma paisagem dramática, composta por geleiras, picos nevados, colônias de pingüins e lobos marinhos.

A escola fica a poucos metros dos animais e suas limitadas instalações abrigam apenas 20 alunos por ano, de idades entre 2 e 17 anos. Divididos em três salas e agrupados por idade, eles acompanham um programa de educação à distância elaborado pelo governo e conduzido por um casal e professores.

Preparação das famílias

O processo de seleção para compor, a cada ano, o grupo de famílias para a temporada, prioriza famílias de oficiais casados com professoras ou médicas.

O curso que prepara as esposas para a vida na base leva quatro semanas e inclui aulas de história, geografia, funcionamento da rádio interna e práticas relacionadas à manutenção da base. Há um curso de "psicologia antártica", sobre regras de convivência, importância da tolerância e noções de coletividade. Ao mesmo tempo em que orienta, o profissional realiza testes e avalia a estrutura psicológica das candidatas.

Dois meses antes de embarcar, os professores selecionados --um casal escolhido após um longo processo seletivo-- passaram uma semana junto às famílias em um hotel fazenda no extremo sul do país, onde um programa de recreação foi realizado para testar a capacidade de integração e entrosamento dos docentes com os alunos e seus pais.

Para Sergio Allaman e sua mulher, Yolanda Velloso, os professores escolhidos para dirigir a escola, passar um ano na Antártida trará significativa recompensa financeira, além da linda experiência vivida em família com a companhia de seu filho único, Martin, 13. Cada um irá receber mensalmente uma quantia equivalente a US$ 400 a mais do que normalmente ganha em seu trabalho em Ushuaia, além de não precisar pagar aluguel e alimentação durante a temporada na base.

No edifício vermelho construído com revestimento isolante, o espaço é dividido em 5 salas pequenas, dois banheiros e um pátio comunitário usado na hora do recreio e nas comemorações. No alto de uma pequena colina, uma usina de energia movida a gasóleo (solução de óleo diesel que não congela) abastece a base com eletricidade e calefação.

"Apesar da peculiaridade geográfica, nossa escola procura funcionar como uma escola pública normal da Argentina", conta Yolanda. "Embora sejam todos filhos de militares, essas crianças e adolescentes freqüentam escolas civis, públicas ou particulares, espalhadas pelo país. Cada uma delas está em um estágio distinto de aprendizado, mas todas vêm com o objetivo de aprender o suficiente para acompanhar o currículo das suas escolas de origem após viver seu ano de experiência na base", afirma a professora, ciente dos desafios que a esperam.

O plano geral da escola obedece ao padrão estabelecido pelas leis do Ministério da Educação para todas as escolas pertencentes à "Província de Terra do Fogo, Ilhas Subantárticas e territórios antárticos argentinos".

As aulas tiveram início no último dia 13 de março e seguem normalmente rumo à escuridão do inverno que se aproxima. A partir de junho o sol não mais aparece e a temperatura pode atingir até 30 graus negativos. O horário das aulas é o mesmo para todos os alunos: das 8h ao meio-dia, e das 13h às 17h. No jardim da infância, chamado "Los Pingüinitos", quatro crianças, de dois a cinco anos, são assistidas por mães que coordenam atividades e lazer entre os pequenos. Os alunos de nível primário, entre 6 e 11 anos, assistem a aulas de um programa didático integralmente conduzido pelo casal de professores.

Os mais velhos, de 12 a 17 anos, estudam o conteúdo oferecido pelo Sistema de Educação à Distância no Estrangeiro (Seade), programa didático do Ministério da Educação argentino, que busca atender às necessidades de filhos de famílias residentes temporariamente no exterior, oferecendo meios que permitem aos estudantes acompanhar a grade normal de suas escolas de origem durante o período longe de suas cidades de origem.

Uso didático da internet

O material escolar e conteúdo das disciplinas são armazenados em CDs e as provas são enviadas por fax à sede do Seade em Buenos Aires, onde uma equipe de professores faz as avaliações e envia os resultados por e-mail. A internet é presente na base desde 1997, e no ano seguinte a escola começou a usar webcams e "messengers" para incrementar a experiência didática.

Aulas de esqui e cartografia são somadas à grade normal das escolas do continente: matemática, língua e literatura espanholas, ciências naturais, educação física e artes.

Graças à presença constante e inevitável de mães e pais em tão reduzida comunidade, muito do trabalho essencial dos professores é naturalmente dividido com os principais responsáveis (e interessados) pela educação dos jovens. Logo no começo do ano elege-se uma dupla de esposas tutoras titulares dos alunos sob o sistema do Seade. Impor certa disciplina de estudo nos horários estipulados, fiscalizar avaliações e acompanhar cada aluno em nível pessoal são seus maiores desafios. Neste ano, a veterana professora e esposa do chefe da base Marcela Berto assumiu tal função. Acompanhar os sete adolescentes (cinco meninos e duas meninas) diariamente será sua missão até dezembro próximo.

Mas a vida na Antártida possui particularidades interessantes para os jovens e reserva algumas surpresas ao longo do ano. Nos dias de sol, as crianças se divertem com trenós, esquis, bonecos e esculturas de neve.

Para os dias muito frios, as opções de diversão dentro das instalações da base variam entre pingue-pongue, sinuca, pebolim, jogos de tabuleiro, cartas e uma enorme videoteca. Quatro canais de televisão e internet rápida nas casas e na escola também ajudam a passar o tempo nos dias em que a base é assolada por ventos de até 100 km/h.

"Sem TV e internet, a vida das crianças em Esperanza era mais difícil", diz Paula Casela, filha do atual comandante antártico do Exército argentino. Paula passou, junto com sua irmã, duas invernadas em Esperanza: Em 1990, aos quatro anos de idade, e 1998, com doze. Paula é estudante de turismo em Buenos Aires, e pretende trabalhar com operações de turismo na Antártida.

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