Lista de textos do jornal de hoje Navegue por editoria
Experimento cria 'sexto sentido' em ratos
Pesquisa liderada por brasileiro fez roedores perceberem luz invisível como tato
Roedores equipados com um detector de infravermelho conectado à região do cérebro responsável pela percepção do tato conseguiram "enxergar" a luz invisível, segundo relatam pesquisadores em artigo na "Nature Communications".
O trabalho, liderado pelo cientista brasileiro Miguel Nicolelis, da Universidade Duke (EUA), é uma demonstração de que as áreas do cérebro ligadas aos sentidos não têm uma divisão absoluta; uma pode "tomar o lugar" da outra se houver uma lesão.
"Essa era a nossa hipótese: é possível converter um córtex tátil em um processador de outra área sensorial", disse Nicolelis à Folha.
Os roedores foram colocados em um espaço circular onde havia três aberturas. Eles foram treinados para buscar a abertura acima da qual uma luz comum se acendia. A luz foi sendo substituída pelo infravermelho. Tempos depois, os animais equipados com o detector de infravermelho conectado ao cérebro começaram a perceber, mesmo sem ver, que o infravermelho estava acionado e colocavam o focinho na abertura correspondente, onde tomavam um gole de água.
O objetivo era aumentar o espectro da percepção sensorial dos animais. "Fizemos a luz invisível ser percebida como tato. Eles 'tocaram' a luz, sentiram sua presença sem estímulo na retina."
A prótese usada na cabeça dos bichos traduzia a luz eletromagnética em uma estimulação tátil. Os neurônios continuaram a responder às sensações táteis comuns, mas também à luz infravermelha. Conseguimos documentar os neurônios respondendo aos dois sentidos."
No início, os roedores ficavam confusos. A região estimulada pela luz é a mesma que recebe os sinais captados pelos bigodes dos animais. "Eles passavam a pata na face no começo. Mas, depois de quatro semanas, eles se acostumaram."
O estudo tem como missão futura a criação de próteses para pessoas que perderam audição ou visão por causa de um câncer ou epilepsia, por exemplo. Em vez de tentar restaurar a função perdida, diz Nicolelis, seria possível aumentar a capacidade neurológica em outra região.
Uma outra possibilidade para o futuro é associar o receptor de infravermelho a aparelhos de estimulação magnética transcraniana. O uso desse tipo de aparelho não invasivo já é aprovado para o tratamento de depressão. Com a junção das duas máquinas seria possível saber como um humano perceberia o infravermelho. Para Nicolelis, pode ser possível aumentar nossa capacidade de percepção para a vida cotidiana, mesmo na ausência de lesões.