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Nina Horta

Pitadas que são uma refeição

Acabou-se o lento aprendizado com a mãe; o socorro vem dos livros --e Rita não esconde nada

Rita Lobo publicou seu quinto livro, "Pitadas da Rita" (editora Panelinha), e é um bom nome. Vale como aquelas piscadas da "Jeannie É um Gênio" ou "A Feiticeira" que podiam transformar uma gororoba em prato fino.

Não há nada de errado em repetir à exaustão a nossa vida corrida. É isso mesmo, não dá para disfarçar, e se não dá para disfarçar é melhor ficar gostando do assunto que não tem fim, a comida. Rita está tentando nos convencer que cozinhar "é bom e terapêutico e até romântico" e uma fonte intelectual e física de prazer. Ao fazer isso, tem conseguido promover cozinheiros domésticos de sofridos a donos da alegria.

Acabou-se o lento aprendizado com a mãe. O socorro vem dos livros. Os leitores que procurarem livrinhos de cozinha brasileiros em sebos, verão que são de mulheres, dirigidos para mulheres. Muitas vezes com dedicatória dos maridos, especificando que seu amor cresceria à medida que crescessem os dotes culinários delas. ("Maricota, que cada dia no fogão permita que seus dedinhos de fada nos tragam benesses".)

O mundo virou de cabeça para baixo, e ai do homem que der de presente à mulher uma colher de pau e uma dedicatória dessas.

Então, o bom da Rita Lobo e dos seus livros é que ela sabe disso. Há muito foi descoberto o desejo da mulher, o seu apetite intelectual e físico. Já nos anos 1950, mulheres escreviam livros de cozinha sugerindo que nosso modo de cozinhar está profundamente ligado à qualidade de nossas vidas. Cozinhar e comer seriam fontes de criatividade, comunhão e prazer erótico.

A americana M.F.K. Fisher se rebelava contra os livros de cozinha tão domésticos que escondiam o prazer que a própria mulher tinha de cozinhar e de comer. Rita não esconde nada, com um palavreado fácil, de mulher moderna.

Liga a cozinha doméstica à expressão artística (só ver as fotos do livro), tem orgulho da beleza e da comunhão que a comida propicia. ("E sempre que der vamos celebrar a vida e convidar pessoas queridas para dividir uma mesa".) Liga com política ("um novo momento, o do consumo consciente"), curiosidades ("uvas congeladas"), receitas novas, novidades ("da mesma maneira que quis ousar um pouco com o livro, espero que também possa ousar mais na cozinha"), a arte da conversa, (o próprio jeito da Rita de escrever, conversando), momentos ("a minha relação ritualística com o cardamomo no fim de semana"), a mulher gourmand, sensualmente sofisticada, ("só para matar a sede é que continuo bebendo água"), sempre curiosa e com um apetite robusto. Articula o desejo da mulher por comida e por tudo que tenha a ver com vida boa.

Confesso que o livro foi para mim uma grande refeição em mesa posta, colorida. E me deu vontade de dar de presente a quase todo mundo que conheço. Amigos gourmets, amigas estabanadas, cozinheiros sem noção, gente que não enxerga a beleza de uma tigela de ervilhas verdes congeladas e as mistura com quiabo, chefs que cozinham em casa, e já vou saindo de fininho para congelar minhas uvas. Por quê? Página 27 do "Pitadas da Rita".

ninahorta@uol.com.br

Leia o blog da colunista
ninahorta.blogfolha.uol.com.br


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