Saltar para o conteúdo principal Saltar para o menu
 
 

Lista de textos do jornal de hoje Navegue por editoria

Comida

  • Tamanho da Letra  
  • Comunicar Erros  
  • Imprimir  

Nina Horta

Fiquemos amigos dos micróbios

Sabe onde o pão cresce bastante? No bagageiro de uma perua, em fofos panos, sol de inverno batendo leve

Não é possível começar como padeira e ficar só "padeirando" durante uma centena de anos. A minha paixão por pães durou uns dois anos, e dez quilos a mais. Fazer pão engorda. Lembro-me de que comecei com o intuito de fazer todos os pães de um livro da Elizabeth David, um tratado. E nada dava certo, problemas das farinhas diferentes.

Desanimada, conversando com uma das cozinheiras do bufê, ela me disse que a mãe era excelente padeira. Morava na Freguesia do Ó, e tinha como instrumentos uma lata redonda de cera e uma gilete enferrujada. Foi com ela que aprendi que pouco era preciso para conseguir uma bela trança marrom dourada.

E daí em diante me botei a fazer pão com ímpeto, dia e noite. Até passeava com o ele. Sabe o lugar em que o pão cresce bastante? No bagageiro de uma perua, embrulhado em fofos panos, o sol de inverno batendo leve. Fermentos.

Nesta semana me caíram nas mãos um artigo e um livro que tratavam do mesmo assunto. Na revista "New Yorker", li "Nós somos os micróbios". E o subtítulo: "As bactérias nos adoecem, será que também que nos mantém vivos?"

O doutor Martin Blaser diz:" Somos um ensopado (usou a palavra "stew", um cozido de panela) de infinitas variedades de micróbios, que trabalham de um jeito que não entendemos direito. Os antibióticos são tão fabulosos que nos confortamos com a ideia de que não há desvantagens. Mas elas existem: matam a boa bactéria e a bactéria má."

A implicação da frase dele é que a boa bactéria atua como um antibiótico -e muitas vezes é mais eficiente do que o que compramos na farmácia. O nosso microbioma nunca é estático ou simples. Geralmente, é uma briga de foice entre espécies. A tarefa difícil da medicina é controlar esse campo de batalha.

E roubei do meu filho Sylvio o livro "The Art of Fermentation", de Sandor Ellix Katz. Excelente, mas excelente, mesmo! Um livro tira-medo. E fácil, fácil. "O seu chucrute está com uma barba branca de mofo por cima? Esqueça, tire a barba e coma seu chucrute sossegado."

Fiquemos amigos dos micróbios. Vivemos -ou queremos viver- num mundo esterilizado. A comida toda na geladeira (ai, como tenho implicância com comida de geladeira) dentro de caixinhas fechadas, uma batalha perdida de antemão em relação a bactérias. Sosseguem, mães preocupadas, as crianças muito protegidas têm mais alergia e asma, por exemplo. E o dr. Bactéria não passa de um terrorista.

Se cozinhar é um modo de se ligar à vida, a fermentação é um dos aspectos preciosos dessa arte. Como livro de comida, esse comentado acima ensina raras receitas, mas nos ajuda principalmente a formar um conceito maior.

Os coreanos têm expressões que diferenciam o gosto da comida da "ponta da língua" aquela que não foi feita por nós, a industrializada e a comida "das mãos", feita por nós, que cria vínculos com quem as faz e quem as come. Talvez o equivalente de comida de avó ou comida de mãe, comida de alma, é o amor...

Essas coisas que sempre nos pareceram piegas vem sendo reclamadas pela ciência, quem diria!

ninahorta@uol.com.br

Leia o blog da colunista

ninahorta.blogfolha.com.br


Publicidade

Publicidade

Publicidade


Voltar ao topo da página