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Guerra da tarifa

A caminho do confronto

Folha acompanha grupo de alunos da USP que tenta convencer motoristas de ônibus a adotar 'passe livre solidário'; não funcionou, tiveram que pagar a passagem

FABIANO MAISONNAVE DE SÃO PAULO

A linguagem mudou. Bombas de gás viraram "angry birds", o popular jogo para celulares. Sobram piercings e tatuagens. Mas estudantes que têm saído às ruas repetem gerações anteriores ao tentar uma aliança com as "classes trabalhadoras" e esperar que os protestos se transformem em algo maior.

Na última quinta, acompanhei por sete horas um grupo da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP (FFLCH), do campus até a dispersão pelas bombas.

Para minha surpresa, ninguém perguntou onde trabalhava quando me identifiquei como jornalista. Fui logo aceito na roda. O grupo, que foi crescendo aos poucos, misturava relatos da manifestação de terça, justificativas e comentários sobre a imprensa.

Uma aluna criticou a Folha por ter usado o verbo "vandalizar". Outro estudante disse que "a galera estava bem consciente" no confronto.

Um deles justificou o ataque a bancos: "Lutar contra os R$ 3,20 é uma bandeira que está dentro de outras bandeiras. Quando vi a galera quebrando agência de banco, foi um orgasmo. Não era só simbólico, era a desnaturalização da propriedade absolutária (sic)".

Meia hora depois, um membro do Centro Acadêmico de Geografia se aproximou e, em tom agressivo, me acusou: "A gente acha que você é P2". Quando disse que eu não sabia o que significava, o rapaz falou: "É melhor que não saiba". Tirou uma foto e disse que eu "estava registrado".

No desconforto, um estudante me explicou que "P2" é a gíria para policial infiltrado.

Para que não restasse dúvida, mostrei o texto que escrevera na véspera sobre a morte do historiador Jacob Gorender, um ícone da esquerda.

Enquanto um aluno foi "dar um Google", outros tentaram me tranquilizar: o acusador "provavelmente é do PSTU", disse um deles.

No fim, venceu a ponderação de que "a USP é um espaço público" e de que "não podemos generalizar" sobre a imprensa, apesar "da grande possibilidade de ele distorcer o que a gente está falando".

Pouco depois, um aluno identificado como Polvilho começou a dar orientações. No microfone, pediu que o grupo ficasse junto e explicou que vinagre servia contra gás lacrimogêneo, mas tinha pouco efeito contra o gás pimenta.

Ainda forneceu seu celular e deu o endereço de um posto médico. Também orientou a identificar P2s: calça jeans, cabelo curto e "mal encarado".

Partimos a pé para av. Francisco Morato. No grupo de cerca de 200 estudantes, muitos levavam vinagre, óculos, capacete. Uma bandeira seria o ponto de referência. Pelo menos dois levavam bolinhas de gude, supostamente útil para fazer a cavalaria escorregar.

Alto, com um chapéu retrô e mais velho do que a média, Polvilho parava no meio da rua para o grupo passar.

Destoando, um grupo de cinco "anarcos" (anarquistas) portava uma bandeira negra e fumava maconha. Dois tinham os bolsos cheio de pedras. Um tinha o rosto machucado. Nenhum quis conversar.

No ponto de ônibus, Polvilho explicava e os outros repetiam, para todos ouvirem: "Vamos falar com o motorista para a abrir a porta de trás".

Ele conversou com pelo menos cinco motoristas, mas ninguém se dispôs a ajudar. Após 15 minutos, a solução foi desistir do "passe livre solidário".

VITÓRIA

No caminho, nervosismo. Com a notícia de que havia detenções por vinagre, muitos passaram a diluí-lo em garrafas de água. Uma estudante chorava. Um barulho semelhante a tiro provocou grande susto, mas era só o ônibus sobre uma placa de metal.

Polvilho procurava acalmar compartilhando mexericas. Quando perguntei se era líder do centro acadêmico, disse que todos eram porque se tratava de uma "autogestão".

Descemos na rua Maria Antonia, onde o grupo obteve uma pequena vitória: o motorista autorizou os poucos que ainda não haviam passado a catraca a sair pela frente.

No local, um pouco mais tarde, a PM atacaria todos os manifestantes de forma indiscriminada. Os "uspianos" conseguiram ficar juntos até as primeiras bombas, quando o grupo se dividiu na correria.

Na noite seguinte, falei com um deles. Nenhum dos liderados por Polvilho fora preso ou ferido. Minutos depois, o "Jornal Nacional" mostrou um dos "anarcos" algemado.


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