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Crítica
Fatos atropelam biografia de criador de unidade pacificadora
LUIZ FERNANDO VIANNA ESPECIAL PARA A FOLHAAs qualidades de "Todo Dia É Segunda-feira" sucumbem diante de uma obviedade: é um livro lançado na época errada.
Em primeiro lugar, por algo que, abusando da complacência, podemos chamar de azar: planejado como narrativa de uma história vitoriosa, o relato de José Mariano Beltrame, secretário de Segurança do Rio de Janeiro há sete anos e quatro meses, sai no momento em que o projeto das UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora) vive sua maior crise.
Em segundo, pelo motivo que derruba a tese do azar: o correto seria o livro ser concluído após Beltrame deixar o cargo, para que pudesse refletir mais sobre o que viveu e fazer mais revelações.
Como a trama não acabou, o relato é atropelado pelos fatos.
Entre as qualidades do livro está ele ter sido escrito em colaboração com dois jornalistas experientes e talentosos, Sérgio Garcia e Eliane Azevedo. Isto garante a fluência da leitura.
Beltrame traça painel eficiente de como se formaram e funcionam as duas maiores facções de traficantes do Rio: Comando Vermelho e Amigos dos Amigos. Foge, assim, da frescura das Organizações Globo, que desinformam ao omitir os nomes de grupos que existem de fato.
Toca em alguns pontos necessários, como a relação promíscua entre políticos e policiais; a necessidade de se discutir a fusão entre as polícias Civil e Militar; e o perigo das milícias formadas por policiais e bombeiros ("A milícia é mais violenta, ardilosa e sorrateira que o tráfico").
E há a trajetória dele, descrito como um homem simples e sério, saído da área rural de Santa Maria (RS). Com exceção do assassinato da irmã, é uma história sem violentas emoções, mas até por isso pungente.
Mas não são poucos os senões. Um deles é o desvio de problemas graves. Não há, por exemplo, um pingo de autocrítica em relação à invasão do Complexo do Alemão em 2007, que resultou na morte de 19 pessoas, parte delas inocente, e não trouxe no bojo nenhuma política pública.
Pior é quando trata a morte do pedreiro Amarildo de Souza, em julho de 2013, como um acidente de percurso, igualando-a à de policiais mortos em confrontos.
Perde a chance de reconhecer o desastre da UPP da Rocinha, cujo então comandante, major Edson Santos (hoje preso), é acusado de agir como chefe de milícia, explorando e torturando moradores.
Acontecimentos recentes, como a morte do dançarino DG no Pavão-Pavãozinho, mostram que, possivelmente por desinteresse do governo Sérgio Cabral, Beltrame não conseguiu realizar o desejo de promover uma invasão social nas favelas. Os fuzis continuam à frente.
Escolhido como núcleo dramático do livro, a ocupação do Alemão em 2010 fica esmaecida diante dos fatos de agora, que têm posto os moradores de comunidades contra as UPPs.
TODO DIA É SEGUNDA-FEIRA
AUTOR José Mariano Beltrame
EDITORA Primeira Pessoa
QUANTO R$ 34,90 (192 págs.)
AVALIAÇÃO regular