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Ilustrada - em cima da hora / Flip 2014

Severidade russa precisa de humor e vodca, diz Sorókin

Autor dissidente criticou 'estilo pesado' de Dostoiévski e também a literatura que deixa a política 'se imiscuir'

'Putin passará', disse o escritor russo em debate com a americana Elif Batuman que só resvalou em política

MARCO RODRIGO ALMEIDA SYLVIA COLOMBO ENVIADOS ESPECIAIS A PARATY

Numa mesa em que questões momentosas eram esperadas, mas foram evitadas, o escritor dissidente russo Vladimir Sorókin disse: "Putin passará. O romance permanece". A mediação, de Bruno Gomide, evitou desenvolver as argumentações de temas políticos, e tanto Sorókin, crítico do dirigente Vladimir Putin, como a norte-americana Elif Batuman, de origem turca e opositora ao primeiro-ministro Recep Erdogan, não puderam exibir seu arsenal.

O debate girou em torno da literatura russa, e um dos temas foi a herança de Fiódor Dostoiévski (1821-1881).

Para Batuman, o autor de "Crime e Castigo" é insubstituível e ainda relevante nos dias de hoje. Já Sorókin afirmou que o mesmo escrevia muito rápido, e, muitas vezes, "não relia" seus textos, que acabavam parecendo "rascunhos". Completou: "Tinha um estilo muito pesado. Nabokov o odiava. Mas ler sua obra é uma carnificina psicológica, faz do leitor carne moída e por isso devemos ser gratos".

Todo vestido de branco, que combinava com seu cavanhaque, bigode e cabelo, o russo Sorókin recordou como era escrever durante a Rússia soviética: "Escrevíamos e guardávamos na gaveta". Disse que, hoje, o que une os autores do underground é o fato de todos desejarem uma "Rússia democrática".

O escritor reforçou, porém, que não gosta da literatura que deixa a política se imiscuir sem razão de ser, caso da soviética. "Foi um buraco negro na história da literatura russa. Foi interessante como fenômeno. Mas, hoje, não dá para ler sem rir."

Ambos discutiram o humor na literatura russa. Batuman disse que ele é muito mais presente do que se imagina. "As pessoas têm ideia da literatura russa como muito trágica, mas isso é injusto, a verdade é que muito se perde na tradução."

Já Sorókin afirmou que o humor e a vodca, são necessários para enfrentar a severidade russa. Porém, acrescentou que o humor russo é diferente do francês ou do inglês, porque os russos fazem uma piada "como se fosse a última".

CALHAMAÇOS

A terceira mesa desta quinta (31) festa reuniu dois queridinhos da Flip. A neozelandesa Eleanor Catton e o suíço Joël Dicker têm muito em comum. Ambos são jovens (28 anos) e ganharam fama com livros que são verdadeiros calhamaços (beirando as 800 páginas).

São também, como disse o mediador da mesa, José Luiz Passos, "desavergonhadamente bem-sucedidos".

Catton recebeu no ano passado o Man Booker Prize pelo romance "Os Luminares"; foi a escritora mais jovem a vencer a honraria, principal prêmio literário dos EUA.

Dicker encantou críticos e público em vários países com o policial "A Verdade sobre o Caso Harry Querbet".

A mesa dos dois era uma das mais aguardadas. Acabou decepcionando, por ficar concentrada demais na análise da estrutura dos romances. O mediador até brincou que estava parecendo mais uma aula de pós-gradução. Em outro momento, disse, aos risos, que o curador da Flip (Paulo Werneck) pedia mais sangue na mesa.

Os livros dos dois convidados têm estrutura narrativa elaborada, mesclando mistério, alternância de tempo e de vozes narrativas.

Catton disse que seu livro, sobre a corrida do ouro em uma pequena cidade do século 19, baseou-se na astrologia. "Formatei a narrativa em tornos de mapas astrais. Cada personagem segue um arquétipo, segundo o movimento dos planetas a partir dos signos do zodíaco. Fiquei surpresa em descobrir como é matemático o zodíaco."

Já Dicker comentou que o crime de seu livro, o assassinato de uma garota de 15 anos, é só um pano de fundo para mostrar a visão de mundo dos personagens. "Não é sobre um crime, mas sobre como as pessoas enxergam a vida. Faço a estrutura de acordo com a verdade de cada um. Acontece que não há uma única verdade. Há a verdade de cada personagem."

Num dos pouco momentos mais descontraídos, Dicker contou ter ficado surpreso com a quantidade de pessoas no auditório.

"Não esperava essa multidão para nos ouvir --e não são meus pais ou meus parentes", disse, sob aplausos.

Outro momento mais forte ocorreu quando Catton reconheceu que a tradutora francesa de seu livro apontou vários erros na trama. Um casaco, por exemplo, estava sem gola em uma página e com gola na página seguinte.

"A minha tradutora francesa é maravilhosa. Fico feliz com essas pequenas correções. As pessoas não leem ficção para buscar fatos, mas para buscar a verdade, o que é completamente diferente."


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