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Entrevista - Júlio José Chiavenato

Capitalismo brasileiro nasce em Ribeirão na época de ouro do café

Jornalista afirma que fazendeiros implantaram a economia de mercado no início do século 20

Para o autor de mais de 40 livros, não é correto o uso do termo 'coronéis do café' para designar esses fazendeiros

LUÍS EBLAK EDITOR DA "FOLHA RIBEIRÃO" LUIS FERNANDO WILTEMBURG COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, DE RIBEIRÃO PRETO

O moderno capitalismo brasileiro pós-escravidão nasceu em Ribeirão Preto, com as riquezas do café, no início do século 20.

A análise é do jornalista e historiador autodidata Júlio José Chiavenato, autor de mais de 40 livros, a maioria deles sobre a história do país.

Esquerdista convicto, Chiavenato discorda do termo "coronéis do café" atribuído aos fazendeiros que fizeram fortuna na região.

Para o escritor, aqueles cafeicultores eram "homens de grande discernimento econômico" que, apesar da "parca cultura", vieram para Ribeirão Preto e implantaram uma economia de mercado ainda inédita no país.

Leia a seguir os principais trechos da entrevista.

Folha - Ribeirão já foi a capital do café; tem gente que fala que foi a capital da cultura; uns dizem capital do agronegócio; o "Estadão" já chamou de capital da cerveja. Parece ser uma cidade cheia de títulos. Como você vê isso?
Júlio José Chiavenato - O Brasil é muito estranho, aqui tudo precisa de títulos. Então, se criam ícones para tudo. Por exemplo: capital do café. Era mais ou menos capital do café, porque o dinheiro do café, o grosso dele, não ficava aqui. Eram os ingleses que controlavam o café.
Mas o que acho importante e repito sempre, mas pouca gente percebe o que estou falando, é que, em Ribeirão Preto, começou o moderno capitalismo brasileiro.
Porque, até então, era o capitalismo dominado pelo coronelismo, cuja base era São Paulo e o sul fluminense. O Estado do Rio também [foi] dominado pelo café. Com a Guerra do Paraguai e o deslocamento do eixo econômico, abriram-se novas fronteiras agrícolas. E a maior dessas fronteiras agrícolas foi essa região aqui de Ribeirão Preto.
Vieram para cá os Prado, como Martinico Prado [1843-1906], que investiram pesado nas terras daqui. Para ocupá-las, já não servia o modelo escravagista, característico da última fase do capitalismo do país antes da República.
Aqui se criou uma economia de mercado. Vieram aventureiros como aqueles que foram para o oeste americano. Os coronéis do café, que, na verdade, não eram coronéis, eram homens de grande discernimento econômico, de grande coragem e de uma cultura muito parca, não tinham nenhuma tradição. Vieram para cá e criaram uma economia de mercado com o trabalho assalariado.
Então, a indústria do café em Ribeirão Preto nasceu do trabalhador livre. Trabalho livre entre aspas, trabalho assalariado. Foi a primeira vez que isso aconteceu no Brasil.
Então, esse é o grande lance de Ribeirão Preto: inaugurar um capitalismo de mercado. O capitalismo moderno nasceu aqui. Aí veio aquela acumulação de capitais e se formou a cidade.

No Vale do Paraíba isso não aconteceu?
Não aconteceu. A explicação da decadência do café no Vale do Paraíba é uma explicação chocha e idiota, dizendo que as terras de lá ficaram cansadas. É uma piada. Aquela região perdeu força porque o modelo de capitalismo não era mais interessante, não tinha mais harmonia com o capital exportador internacional.
Fala-se em "capital da cultura", mas aqui foi uma cidade boêmia. [Tinha] Muito dinheiro, dinheiro a dar com pau, [que criou uma] vida boêmia, extraordinariamente rica. Vinham prostitutas, músicos. Foi uma farra.
Tanto que daquela época não sobrou nada [de cultura]. Nada. Se falar: sobrou um escritor, produziu um músico... Não, não tem nada, nada. Apagou. Não tem nada porque não produziu nada, só produziu café e dinheiro. E puta. Isso acabou.
Foi um período muito curto de riqueza ribeirão-pretana. Aí a cidade se estagnou e foi se sedimentando.
E, a partir de 1935, já existia a cana, a cana foi indo...

Nada mesmo culturalmente? Não se produziu nada em termos culturais? E politicamente, teve um reflexo?
Não tem um grande livro ou um livro de valor médio de um escritor desse período, um romance... Não, não tem. Tem o livro ["Dioguinho"] do João [Rodrigues] Guião, outro que fala do café, mas não pode achar que expressem a verdade histórica.

Mas e aí? Não sobrou nada, mas a cidade começou a se organizar, bem aos poucos, né?
É, eu acho que a cidade tem várias fases. Por exemplo, a Revolução de 1930, que mudou a face do Brasil, em Ribeirão Preto, ela não mudou nada. Porque, aqui a elite econômica estava quebrada. Não foi necessário, como aconteceu noutras regiões, Norte, Nordeste etc., quebrar aquelas elites, vencer aquela gente. A Revolução de 30 teve um papel muito importante no Nordeste porque acabou com o cangaço. Os coronéis mantinham o cangaço.
Aqui em Ribeirão não aconteceu nada, porque não tinha nada para acontecer. A crise de 1929 já tinha se incumbido de liquidar essa elite.
Agora, essa é uma história que, contada como estou fazendo, não interessa a esse desejo de criar ícones, de desmistificar. Eu acho que é uma coisa até infantil. Eu acho que essas criações de ícones aqui em Ribeirão Preto não são em torno de ideologia. É um saudosismo daquilo que o pessoal não conhece.

É um tipo de romantismo?
É romantizar uma época que não existiu. Foi passageira. [Essa elite cafeeira] Desapareceu mesmo.
Agora, uma coisa interessante: toda aquela áurea do café não deixou nada.
[Por outro lado] A Sinhá Junqueira, que era uma mulher muito simples, deixou muita coisa em Ribeirão, mas deixou baseado no quê? Na cana, nas usinas dela.

Quando é que, politicamente, Ribeirão Preto começa a se formar, se é que se formou? Como foi esse processo a partir da década de 40 e 50?
[Leva alguns segundos para começar a responder] Ribeirão Preto, nessa época, já começa a ser uma cidade de serviços. Ribeirão Preto tem a Santa Casa e a Beneficência Portuguesa. E como era uma cidade gostosa, os médicos vinham todos para Ribeirão. Então, toda a região começa a correr para cá.
Aí, de todo o resquício daquele luxo que havia no café, sobram as lojas. Essas lojas finas começam a abastecer a região. E os colégios [particulares], também existiam poucos na região, principalmente os religiosos: Auxiliadora, Marista, Santa Úrsula...
Quando [a cidade de Ribeirão] começa a se formar, tem a mesma estrutura política, quer dizer, os mesmos homens [da época do café]. Já não é o dinheiro do café, mas eles [fazendeiros do café] ainda têm algum poder.
Aí, eles se associam aos novos ricos que vão surgindo e mantêm uma mesma estrutura de poder, que vai formando a cidade. Estamos falando de uma cidade que tem duas indústrias grandes, mais o Matarazzo. Ou seja, era uma cidade de operários.
Depois, a partir da redemocratização, em 1946, depois da guerra, começa a ter eleições. E aí tem uma grande maioria de massa trabalhadora que vota.

Leia a íntegra da entrevista
folha.com/no1295858


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