Saltar para o conteúdo principal Saltar para o menu
 
 

Lista de textos do jornal de hoje Navegue por editoria

Esporte

  • Tamanho da Letra  
  • Comunicar Erros  
  • Imprimir  

Outro lado

Mais bem sucedido guia de corredores paraolímpicos do Brasil, Chocolate perde parte da visão por causa de problema neurológico e vira para-atleta

FÁBIO SEIXAS DO RIO

"Vou te dizer: minha vida daria um filme muito louco."

O sorriso abre, Jorge Luiz Silva de Souza fecha ainda mais os olhos claudicantes.

Daria um filme. "Muito louco" pelas viradas no roteiro. Da origem humilde e da tragédia familiar à glória em dois estádios olímpicos. E, daí, ao impacto de uma situação inusitada, que ele define como "ironia do destino".

Apelidado Chocolate, ele foi guia das deficientes visuais Ádria Santos e Terezinha Guilhermina em Atenas-2004 e Pequim-2008, respectivamente. Com sua ajuda, cada uma conquistou três medalhas paraolímpicas, recorde que fez dele o maior guia da história do país.

Mas sua vida mudou em 2012. Um problema neurológico atingiu seu nervo óptico. Chocolate, 35, perdeu parte da visão, continua perdendo, pode ficar cego. Corre ainda risco de esclerose múltipla.

O para-atleta virou ele.

"Em 2009 eu já tinha feito uns exames que detectaram problema na vista. Mas deixei pra lá. Só no ano passado, depois de atropelar dois cachorros, percebi que a coisa estava ficando feia", diz.

Chocolate nasceu na Maré, complexo de favelas na zona norte do Rio. Passou por Vila do João, Padre Miguel e Morro do São Bento. Mas é da Vila Vintém, uma das comunidades mais perigosas do Rio, que guarda as primeiras lembranças da vida e do esporte.

"Eu vendia picolé na praia, entregava jornal... Tinha droga na porta da minha casa, mas nunca fui por esse caminho. Muitos amigos foram, a maioria morreu", conta.

Na Vila Vintém, começou a jogar futebol. Era goleiro. Tentando evoluir, foi treinar na Vila Olímpica da Mangueira, projeto social criado em torno da escola de samba.

"Lá tinha atletismo. E no fundo sempre gostei mais de correr do que de jogar bola."

Sem sucesso em provas convencionais, estreou na carreira de guia em 1999, aos 21. Tornou-se o melhor.

Em 2004, foi para a primeira Paraolimpíada, com Ádria: um ouro e duas pratas. Em 2008, levou Terezinha a um ouro, uma prata e um bronze. As duas competiram na classe T11 --cegueira total.

Em 2009, com dificuldades na visão, mas relutante em procurar ajuda, ele foi "traído" por Terezinha: "Ela pediu que eu a acompanhasse até um exame. Quando chegamos, o paciente era eu".

Vieram pedidos de mais exames, que ele não fez por receio de médicos, trauma antigo: uma irmã morreu de câncer, "que começou na vista". Só procurou ajuda em 2012, após outro trauma.

Estava em Londres, às vésperas da sua terceira Paraolimpíada, quando sofreu uma lesão na coxa. Teve de voltar. "Foi a pior viagem da minha vida. Mas, ali, decidi que precisava cuidar mais de mim."

Em um deles, foi detectada perda progressiva da visão por processo de atrofia do nervo óptico. Segundo o oftalmologista Helder Costa, a causa é neurológica e ainda está sendo investigada. É irreversível e está piorando.

"Ele está perdendo o campo periférico e a qualidade visual", diz Costa, que atua como classificador do Comitê Paraolímpico Internacional.

Pode ser efeito de um processo de esclerose múltipla, o que obriga Chocolate a um "checklist" diário. "A neurologista me entregou uma lista de sintomas. Tenho que acompanhar, relatar para ela caso sinta algum deles."

Após alguns meses acabrunhado, Chocolate decidiu voltar ao esporte em março.

Foi classificado como T13 --atletas que percebem formas a distâncias entre 2 m e 6 m e não precisam de guias.

Ficou em quinto nos 400 m na estreia, no Rio. Em abril, no Open, em São Paulo: foi prata nos 100 m e bronze nos 200 m e nos 400 m. Sonha com o Mundial, em julho.

"Ainda preciso me livrar de alguns vícios de guia, como a passada mais curtinha. E tem a adaptação da visão. Às vezes, largo numa raia e termino em outra", afirma.

Seu objetivo final é a Paraolimpíada do Rio-2016. Até lá, pode perder movimentos, estar completamente cego. Chocolate ri. "Acho que fui preparado para isso por anos. Meu destino seria mesmo este. Prefiro pensar assim."


Publicidade

Publicidade

Publicidade


Voltar ao topo da página