Saltar para o conteúdo principal Saltar para o menu
 
 

Lista de textos do jornal de hoje Navegue por editoria

Esporte

  • Tamanho da Letra  
  • Comunicar Erros  
  • Imprimir  

Um ano depois

Destruído por furacão Sandy em outubro de 2012, bairro que recebeu ajuda de atletas que correriam a Maratona de Nova York está abandonado

JULIET MACUR DO "NEW YORK TIMES"

Yana Fishman estava em pé na varanda de sua casa, no último sábado, e lembrou a sensação de voltar para casa e encontrar "algo que parecia saído de um pesadelo".

Na noite de 29 de outubro de 2012, o furacão Sandy cobriu de água o bairro em que Fishman vive em Staten Island. O térreo de sua casa ficou debaixo de três metros de água.

Do lado de fora, a região parecia ter sido atingida por um tornado. Uma casa que antes ficava a 30 metros, na mesma calçada, foi parar do outro lado da rua, arruinada.

Três dos vizinhos de Fishman foram mais tarde encontrados mortos em seus porões.

"Tudo aquilo aconteceu aqui, e a cidade estava falando de realizar uma maratona --uma corrida, quando pessoas haviam acabado de morrer?", recorda Fishman, 33.

"Passaram-se dias sem que funcionários do governo ou da Cruz Vermelha viessem aqui. Ficávamos todos questionando: Ei, e quanto a nós? Vocês nos abandonaram!'".

"Mas depois", e é a essa altura que o choro começa a transparecer em sua voz, "vieram os maratonistas".

Quando a Maratona de Nova York foi cancelada --três dias depois da tempestade--, os 47 mil inscritos para a prova subitamente não tinham planos para o domingo em que ela teria sido disputada.

Milhares deles optaram por passar o dia correndo uma maratona improvisada no Central Park. Outro grupo decidiu que sua presença era necessária em um lugar diferente.

Como um batalhão em trajes de jogging, milhares de maratonistas foram a Staten Island. Centenas deles acorreram a Oakwood Beach, o bairro de Fishman. "Eram desconhecidos da Austrália, do Ohio, do mundo todo", diz, enxugando as lágrimas. "Não tinham obrigação, mas vieram."

Escrevi sobre esses voluntários no ano passado. Todos haviam pago taxas caras para se inscrever na maratonas. Muitos haviam pago caro por passagens aéreas e quartos de hotel. E todos deixaram de lado o tempo e o dinheiro investidos, em troca de uma oportunidade de se sujar.

Em Oakwood Beach, eles arrancaram revestimentos danificados de paredes, recolheram vegetação enlameada usando as mãos, carregaram móveis encharcados. "Eu não conseguia nem imaginar participar de uma corrida", disse um deles, "quando havia tanta gente precisando de ajuda".

Em Manhattan, muita gente considerava que correr era mais importante. Muitos dos inscritos criticaram pesadamente os organizadores e as autoridades pelo cancelamento. Os queixosos teriam assumido atitude diferente caso tivessem visto Rockwood Beach depois que as águas recuaram --e se pudessem ver agora.

Voltei lá no final de semana passado esperando encontrar pessoas reconstruindo a comunidade. Mas o que encontrei foi uma cidade fantasma.

As decorações de Halloween não são para receber a criançada neste ano; são resquícios do ano passado. Há casas fechadas, com tábuas nas janelas. Em uma rua, as casas foram todas demolidas.

Cerca de três quartos dos moradores não retornaram ao bairro, depois da tempestade.

"Os maratonistas nos deram uma injeção de ânimo", diz Frank Lettieri, "mas, sei lá, para muita gente aqui a vida que conheciam acabou quando o Sandy destruiu o bairro".

VIDA NOVA

Ver o bairro agora me fez pensar no grande esforço desperdiçado em tentativas de preservar a maratona do ano passado. Mary Wittenberg, presidente-executiva da New York Road Runners, passou horas e virou noites negociando com as autoridades.

O prefeito Michael Bloomberg disse que os mortos teriam preferido que a cidade levasse adiante sua agenda.

Em retrospecto, tudo parece ainda mais insensível. O ponto mais importante foi ignorado. Ouvimos muitas vezes que o impacto econômico da maratona na região é de centenas de milhões de dólares.

Mas os organizadores do evento e os políticos deveriam parar de promover a falsa ideia de que uma cidade necessita de um evento esportivo para se recuperar de uma tragédia.

Realizar uma maratona não teria ajudado Yana Fishman e seus vizinhos. Alguém correndo com a faixa "por Staten Island" não os teria ajudado a salvar seus álbuns de casamento encharcados. E não teria trazido seus vizinhos de volta à vida.

Milhares de maratonistas perderam a oportunidade de ajudar os moradores de Oakwood Beach naquele domingo. O bairro, no qual algumas famílias viviam há gerações, está sendo demolido. O Estado fez ofertas para comprar os imóveis dos moradores, e quase todos aceitaram.

Fishman e sua família estiveram entre os primeiros a fazê-lo. No último sábado, eles carregaram seus pertences em um caminhão e partiram para Denver e uma vida nova.


Publicidade

Publicidade

Publicidade


Voltar ao topo da página