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O Brasil de Itaquera

Torneio de várzea espelha o país do futebol: no talento do garoto Keven e na precariedade dos campos

ELIANE TRINDADE DE SÃO PAULO

O "Felipão" de Itaquera voltou a exibir o sorriso largo: o time sub-12 do Brasil goleou o da Espanha por 12 a 2 pelas oitavas de final.

"Voamos baixo", vibrou o técnico. Dias antes, ele viu sua outra seleção canarinho, de veteranos, ser desclassificada por um vexaminoso 5 x 0 contra Camarões.

Levando na camisa das equipes inscritas o nome dos 32 países que vão disputar a Copa, o torneio Futebol para Todos, em Itaquera, conhecerá seus campeões na manhã da abertura do Mundial, no vizinho Itaquerão.

Os otimistas poderão se espelhar na equipe sub-12, uma das favoritas ao título, formada a toque de caixa para representar a Associação Esportiva Brasil, clube de várzea fundado há 52 anos.

O presidente do Brasil de Itaquera, Antônio Carlos Armond, 81, incumbiu a tarefa ao filho, Júnior. Com o joelho machucado, o motorista autônomo de 42 anos virou técnico das duas seleções.

CRAQUE DA COHAB

No sub-12, o escrete foi reforçado por cinco garotos do Corinthians. Entre eles, o craque Keven, que fez quatro gols no último jogo e é artilheiro do torneio, com oito.

Aos 11 anos, ele viu a arena do time do coração se erguer da janela do apartamento de 27 m² onde vive, a 200 m do Itaquerão.

Keven visitou o estádio há duas semanas, mas não pisou no gramado. "Um dia eu posso jogar lá, né?", sonha o camisa 7, fã de Neymar. "Ele joga com ousadia e alegria."

É o estilo que busca nas muitas horas de treino.

Acorda às 6h para ir à escola, na Penha. De lá, segue para o Parque São Jorge. Almoça no Centro de Treinamento do Corinthians e treina no campo até 16h30. Lancha e espera o treino de futebol de salão à noite. Só volta para casa às 22h. Rotina repetida três vezes por semana. Os jogos são aos sábados e domingos.

"Às vezes, pergunto se ele está cansado", diz David Bezerra, 33, seu pai. "Não, eu gosto", responde o garoto.

David tentou se profissionalizar dos 13 aos 17 anos, e chegou a jogar nas categorias de acesso do Corinthians e do Palmeiras. "O negócio é difícil. Da minha época, ninguém chegou lá."

PENEIRA FINA

O caso mais recente de sucesso na região é o de Kleber, ex-Corinthians e ex-Internacional, revelado no Elite Itaquerense. David espera que o filho tenha essa sorte, mas sabe que a peneira é fina, e a pressão pode ser demasiada.

Ele alimenta a esperança de que o "seu menino bom de bola" seja descoberto, mas é cauteloso em relação aos empresários. "Muitos veem os garotos apenas como cifrão."

Por enquanto, o artilheiro ganha ajuda de R$ 200 por mês do Corinthians e tem bolsa de estudo numa escola particular para defender o time do colégio na Copa Danone.

Para os pessimistas, a Copa Itaquera pode ser um prato cheio. O time de veteranos (mais de 40 anos) mostra como o jeitinho pode dar errado. Formado às pressas, o time é um "exército de Brancaleone". Um dos atacantes é peixeiro, o outro, eletricista; um policial reformado foi parar no gol, enquanto um motorista assumiu a zaga e um metroviário joga de volante.

Esportistas de final de semana, os "pernas de pau do Brasil" ainda buscam respostas para o fiasco. Para Felipão, a culpa foi de um ataque ausente, literalmente.

PEIXEIRO MATADOR

Craque do time, Eduardo Sanches, 40, tem uma barraca de peixe. No dia do jogo, levou "cano" de um rapaz que chamou para substituí-lo na feira. "Sou matador. Mato até o time", brinca.

"Botaram todas as fichas em mim", diz o bancário Emerson, o "Palhaço", camisa 10. "Mas eu me machuquei", diz. E jogou só cinco minutos em duas partidas. "Por isso ele é dez", tripudiam os companheiros.

O eletricista Nei, camisa 11, é apontado como principal responsável pelo blecaute. "Foi o nosso Neimal. O cara é muito ruim", diz Palhaço.

Culpados não faltam para explicar o fiasco em campo de um Brasil que sobrevive na corda bamba desde 1962, quando a associação esportiva foi batizada com o pomposo nome do país do futebol.

A várzea vivia então seu auge. "Os campeonatos no terrão eram tradicionais na ZL. Mas o povo começou a ganhar dinheiro, e os campinhos foram fechando. Viraram escola, delegacia, invasão", relata Armond, o pai.

Ex-jogador do Botafogo de Guaianazes, ele conta que o campo de várzea do Ferrolho virou um parque. O do Elite Itaquerense hoje abriga um templo da Igreja Universal.

Os varzeanos chegaram a sonhar em fazer a final no gramado do Itaquerão. "Não teve jeito. Falei com Andres [Sanchez, ex-presidente do Corinthians] e ele disse que é impossível. O estádio já é da Fifa", diz Eduardo Penido, 45, organizador do torneio.

No microcosmo da Copa do Mundo na periferia de São Paulo, desenha-se uma final Brasil x França, no sub-12, e o clássico Argentina x Uruguai entre os veteranos.

Mesmo tendo de engolir a Argentina numa das finais, Felipão esbanja confiança: "Aqui a gente faz milagre no campo e na vida".

Leia a íntegra deste texto
em folha.com/no1453313


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