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Em extinção

No Rio para cobrir o Mundial, Houseman, campeão em 1978 pela Argentina, diz que jogadores como ele, que atuava pela ponta e driblava, não existem mais

SYLVIA COLOMBO ENVIADA ESPECIAL AO RIO

Stuttgart. Copa de 1974. O cabelo longo e a camisa azul-celeste, sem patrocínio, de René Houseman ondulam com o vento. Com um toque, o camisa 11 da Argentina se livra do zagueiro e do goleiro da Itália para fazer o gol considerado mais lindo da carreira.

"Eu era esse tipo de jogador que hoje perdeu espaço no futebol, eu corria pelas pontas e driblava, driblava muito", conta, em entrevista à Folha.

Instalado numa casa alugada de moradores da comunidade do Morro Dona Marta, no Rio, o ex-jogador participa da cobertura da Copa realizada pela revista comunitária "La Garganta Profunda", de Buenos Aires. O projeto visa retratar como o Brasil da periferia vive o torneio.

"Quando a Argentina sediou a Copa, em 1978, não havia tanta necessidade de estádios caros e luxuosos. O jogo era mais bonito, valia o toque, a "gambeta" [drible]. Hoje estou gostando do que vi nos estádios, mas são outros tempos. O futebol está mais profissional, o jogo, mais físico."

Quatro anos depois do gol contra a Itália que o projetou internacionalmente, Houseman conquistou o Mundial, pela Argentina. Vigorava no país a mais cruel ditadura da história da América do Sul, que deixou mais de 20 mil mortos de 1976 a 1983.

"Eu não sabia que o regime estava fazendo desaparecer gente, matando, torturando. Se soubesse, jamais teria aceito defender a Argentina."

A Copa de 1978 até hoje é contestada pelos que sustentam que o general Jorge Rafael Videla (1925-2013) pressionou não só a equipe argentina como governos de países da região para fazer com que a Argentina se sagrasse campeã, fazendo boa propaganda de sua gestão e ofuscando a morte de milhares de opositores.

Para qualificar-se, a Argentina precisava ganhar do Peru por uma diferença de quatro gols. Fez seis, um marcado pelo próprio Houseman. O resultado eliminou o Brasil.

Livros e processo na Justiça tentam elucidar a questão. Até hoje, não se concluiu se houve compra do resultado ou troca de favores políticos --o Peru também vivia ditadura, a de Francisco Morales Bermúdez, aliado de Videla.

"O jogo não foi comprado. Se os ditadores estavam conspirando, nós, jogadores, nunca ficamos sabendo. Entramos para ganhar e fazer os quatro gols. No início da partida, os peruanos chutaram para o gol e a bola bateu na trave. Como dizer que receberam dinheiro para perder?"

Houseman diz que o Dona Marta se parece com as comunidades das grandes cidades argentinas. Nascido e criado na "villa" de Bajo Belgrano, em Buenos Aires, o ex-jogador afirma que nada se compara aos laços de solidariedade que se criam ali. "Quando eu não tinha o que comer, as pessoas dali me ofereciam comida. Isso eu nunca vou esquecer. Sinto essa corrente e essa energia aqui também."

Após a Copa de 1978, a carreira de Houseman foi irregular. O jogador enfrentou problemas com o alcoolismo e não voltou a despontar. Entre as anedotas que gerou no período, estão as de ter entrado em campo e mesmo marcado gols sob efeito do álcool.

Após jogar no River Plate --com Alejandro Sabella, atual técnico da Argentina-- e no Colo-Colo (Chile), entre outros, Houseman se aposentou defendendo o Excursionista, time de seu bairro.

No Brasil, Houseman acompanha a seleção argentina nas partidas. Enquanto está no Rio, organiza jogos entre os meninos do Dona Marta e já foi à Cidade de Deus. Espera que a final seja entre Brasil e Argentina, "para que seja uma grande festa. Queremos ganhar, mas eu amo o Brasil de todo o meu coração, é um país-irmão".

Para completar o que chama de "sonho", viver seu terceiro Mundial, diz que só faltaria reencontrar-se com Zico, um ídolo do tempo em que enfrentava o Brasil.


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