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Entrevista Adilson José Moreira

Juízes deveriam expulsar torcedores por ato racista

Para professor de direito da FGV, com doutorado em Harvard, punições a manifestações contra negros deveriam ser radicais

ELEONORA DE LUCENA DE SÃO PAULO

Manifestações racistas e homofóbicas em estádios não deveriam ser toleradas e mereceriam punição radical e inflexível. Juízes deveriam parar o jogo e expulsar toda a torcida responsável pelos atos condenáveis.

É o que defende Adilson José Moreira, 41, professor de direito da Fundação Getúlio Vargas em São Paulo. Para ele, "o insulto racial procura afirmar a inferioridade essencial de atletas negros, mesmo quando desempenham uma função socialmente prestigiada".

Na sua visão, os brasileiros criaram o "racismo recreativo", em que o "mito da miscigenação racial isenta as pessoas brancas de responsabilidade sobre expressões racistas".

Moreira fez doutorado em Harvard e terá tese sobre racismo e direito no Brasil nos EUA em 2015.

Negro, ele diz ser alvo de racismo. "Todos os dias vejo pessoas, principalmente mulheres brancas, segurando suas bolsas ou atravessando para o outro lado da rua. Sou frequentemente seguido em shopping centers", afirma.

Autor de "União Homoafetiva: A Construção da Igualdade na Jurisprudência Brasileira" (Juruá), o professor é cético em relação a campanhas das entidades esportivas contra o racismo

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Folha - Como o sr. avalia o racismo no futebol?

Adilson José Moreira - O esporte é um elemento chave do processo de socialização do sexo masculino.

Atletas são idolatrados por serem a expressão máxima da masculinidade. O esporte profissional tornou-se uma representação idealizada da virilidade. Imagens representam o homem branco como a personificação da masculinidade e da moralidade. Filmes o mostram salvando o mundo. No esporte também há hierarquia entre os grupos humanos. Homens negros podem circular nesse espaço social, mas apenas em uma condição subordinada.

A diferença deve ser marcada para que a supremacia branca permaneça como valor estrutural. O insulto racial procura afirmar a inferioridade essencial de atletas negros, mesmo quando desempenham uma função socialmente prestigiada.

Nós brasileiros desenvolvemos uma forma muito particular de racismo: o racismo recreativo.

O que é o racismo recreativo?

Ele parte do pressuposto de que práticas racistas não expressam menosprezo ou ódio racial porque supostamente temos uma cultura de cordialidade entre grupos raciais. O mito da miscigenação racial isenta pessoas brancas de responsabilidade sobre expressões racistas porque o racismo supostamente só existe em sociedades nas quais a segregação racial é sancionada pelo direito.

Esse raciocínio separa o elemento emocional da sua expressão verbal, tornando o racismo uma mera manifestação circunstancial que não implica ódio das pessoas brancas em relação às pessoas negras. Essa postura legitima uma ordem social na qual nós, negros, temos de arcar com todo o custo social do racismo, enquanto as pessoas brancas estão livres para discriminar e maltratar negros quando quiserem sem que isso tenha quaisquer consequências.

Esse aspecto recreativo do racismo é reforçado por meios de comunicação, que constantemente reproduzem estereótipos raciais.

As pessoas crescem num meio social no qual piadas e comentários racistas não têm nenhum tipo de reprovação. Nosso sistema judiciário cumpre papel central nesse processo ao minimizar a relevância social do racismo.

Por que a questão do preconceito sexual é forte no esporte?

O imaginário social constrói o esporte profissional como atividade viril. A presença de homossexuais na área representa uma tremenda ameaça simbólica pois desestabiliza sua imagem como espaço de performance exclusivamente heterossexual.

O horror à homossexualidade motiva a agressão de jogadores pelos membros das próprias torcidas. Coros chamam os atletas dos times adversários de "veados".

Até mesmo o sistema judiciário reproduz essa ideia do esporte como espaço exclusivamente heterossexual. O juiz branco que decidiu o caso do jogador mulato Richarlyson afirmou que o futebol não é lugar para homossexuais. Só para machos de verdade.

Como avalia as campanhas contra discriminação?

Os times de futebol, os tribunais esportivos e a mídia corporativa não tomam nenhuma ação concreta contra o racismo ou contra a homofobia. Acham que agressões contra negros e homossexuais são inteiramente irrelevantes e não querem fazer nada que desqualifique o esporte como forma de afirmação da hegemonia racial e da hegemonia masculina.

Os times não estão interessados em criar conflitos com suas torcidas porque dependem delas. Os tribunais não formulam decisões com severidade porque não compreendem a dimensão do problema ou porque simplesmente não querem enfrentá-lo.

Os juízes deveriam estar autorizados a parar o jogo e expulsar toda a torcida do time responsável pelos atos racistas e homofóbicos. Não deveria haver nenhuma flexibilidade.

Como negro, o sr. já foi vítima de racismo?

Todos os dias vejo pessoas, principalmente mulheres brancas, segurando suas bolsas ou atravessando para o outro lado da rua, independentemente da forma como estou vestido.

Sou frequentemente seguido em shopping centers nas cidades brasileiras.

O racismo apareceu na minha carreira acadêmica e profissional de diversas formas.

Qual sua avaliação sobre a política de cotas?

Essa política de inclusão racial tem sido muito bem sucedida. Precisamos garantir a presença de homens e mulheres negros nas instituições sociais dominadas por homens brancos heterossexuais de classe média alta.


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