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Tréplica
Escrevo contra a poesia sempre que ela traz pouca relevância
LUIS DOLHNIKOFF ESPECIAL PARA A FOLHANo comentário à minha crítica ao seu livro "A Mesma Coisa", publicado no dia 30/3, Felipe Fortuna diz que não expliquei por que o poema que dá título ao livro é "um discurso pouco denso e pouco original sobre a falta de originalidade".
E pergunta: "Terei copiado algum poeta ou filósofo?". Acontece que a falta de originalidade não se reduz à cópia. Ela também se refere ao contexto histórico: e não há nada menos original do que o tema da mesmice em tempos de cultura e produção de massa.
Isso poderia levar, então, a uma forma que "compensasse" o tema de algum modo. Daí eu ter dito que "no atual estágio da reflexão crítico-poética" tal tema "não parece pedir ou suportar a prosa versificada", o que Fortuna tampouco compreendeu.
Mas é simples: a prosa versificada, ou prosa recortada e margeada à esquerda, é a forma menos original (e mais frouxa) de poesia.
Por exemplo, "A porta se fecha quando entramos e ninguém dá a mão amiga no final", verso da página 19: isto é prosa (linguagem linear hipotática), cuja natureza estético-linguística não muda pela mera divisão da frase em três seções, como no original.
Daí, enfim, minha referência-exemplo à cena de "Tempos Modernos", de Chaplin, e seus movimentos repetidos: seu equivalente poético seriam frases cujos elementos temáticos e sintáticos se reiterassem, materializando a mesmice, ao contrário de um poema longuíssimo (pág. 40) e prosaico.
O próprio Fortuna confirma, afinal, a falta de originalidade temática: "Um dos principais eixos do poema diz respeito à ideia de que a vida se mantém e se reproduz por meio de cópias do DNA. O poeta, no entanto, enfrenta o real com metáforas e precisa criar objetos originais".
De fato, precisa... Mas além de nada disso ser original, está errado. A vida não se reproduz por cópias de DNA, mas pela meiose (que Fortuna parece confundir com a mitose) das células reprodutivas, quando as cópias de DNA se dividem e misturam suas metades, gerando novos DNAs e a variabilidade dos indivíduos (nada que tenha a ver com cópias, portanto).
Quanto ao poema "Contra a Poesia", não errei em sua leitura, como Fortuna afirma pretensiosamente (não há apenas uma), mas quis crer que a retomada do tema de conhecidas referências contra a poesia, no contexto atual, fosse um modo irônico de dizer que elas estavam afinal certas, leitura possível e que daria ao poema algum interesse.
Pois se o autor faz questão de "[garantir] estar do lado dos poetas e não ter escrito contra a poesia", eu faço questão de escrever contra a poesia sempre que ela se apresenta pouco relevante, por considerá-la, de fato, relevante.