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Crítica - Drama

Espetáculo reúne camadas de ironia e invenção em fábula

LUIZ FERNANDO RAMOS CRÍTICO DA FOLHA

Dissecação de um drama sem fim. "Anatomia Woyzeck", da Cia. Razões Inversas, é uma montagem seca e densa de um dos textos mais intrigantes da dramaturgia do século 19. Marcio Aurelio, o encenador, retoma soluções de espetáculos anteriores, "Agreste" (2004) e "Anatomia Frozen" (2009), para enfrentar o desafio.

"Woyzeck" é a última das quatro peças do dramaturgo alemão Georg Büchner (1813-1837). Escrita um ano antes de sua morte precoce, aos 23 anos, foi encenada pela primeira vez só em 1913.

Conta a história de um soldado raso de aldeia que se presta a ser cobaia de um médico, enfrentando a chacota de seu capitão e a traição de sua mulher. A simplicidade da trama não impediu a peça de ser semente de muitos dramas futuros.

Ali já parecem esboçados os programas dos teatros naturalista e expressionista, que brotariam no fim do século 19, bem como o realismo de um teatro político. A ação central é o esmigalhar de um zé-ninguém cuja emancipação só será possível em chave trágica.

Büchner deixou quatro originais inacabados. Alguns deles chegam a ter 25 fragmentos, havendo opiniões de que aquele que o autor pretendia publicar era o último, com 17 cenas.

Marcio Aurelio preferiu trabalhar uma das versões mais longas, criando um prólogo em parceria com os atores, mas sendo fiel no uso dos fragmentos eleitos.

Opera com esta dramaturgia inacabada e com os mitos constituídos em torno dela. Minimiza a cenografia --só um tapete verde e três microfones em pedestais-- e potencializa o desempenho dos três atores, que narram e atuam incorporando camadas de ironia, autenticidade e invenção.

Paulo Marcello, Washington Luiz e Clóvis Gonçalves se revezam nos personagens. As características físicas e anímicas destes reaparecem nos atuantes de forma nítida e eficaz, o que colabora para elucidar os aspectos universais de "Woyzeck", fábula possível em qualquer tempo histórico.

A encenação justifica o título proposto e revela-se uma verdadeira lição de anatomia. Nela, os fragmentos do original reaparecem polidos. Sem a pátina de infindáveis leituras, tornam a luzir como partes íntegras de um corpo vivo. O desfecho incerto confirma a riqueza de uma obra fadada a se manter aberta.


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