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Crítica - Crônica
Registros de Ai Weiwei sobre China de hoje têm paralelos com Brasil
Livro reúne textos publicados em blog criado pelo artista em 2006 e retirado do ar pelo governo chinês
ORGANIZADO DE FORMA CRONOLÓGICA, O LIVRO MOSTRA O CRESCENTE ESTRANHAMENTO ENTRE O ARTISTA E O REGIME
FABIANO MAISONNAVE DE SÃO PAULONa autoritária China contemporânea, ninguém estica melhor a corda do que Ai Weiwei. Daí a importância de "O Blogue de Ai Weiwei", a mais completa reunião do pensamento do artista que se tornou o provocador contraponto ao discurso oficial da "sociedade harmoniosa" sob a batuta do Partido Comunista.
A obra reúne principalmente textos publicados por Ai Weiwei em seu blog, criado em 2006 e retirado do ar pelo governo chinês em 2009, quando todo o seu conteúdo também foi apagado.
Ainda assim, não deixa de ser surpreendente que tenha ficado tanto tempo no ar, em meio a críticas ácidas à corrupção oficial, às cidades chinesas e até uma defesa de um assassino de policiais.
"Não acho que ser independente' é uma má escolha; isso significa que você se trata bem e não há nada que o obrigue a abandonar o seu ponto de vista básico ou o seu bom senso fundamental", define-se o artista mais incômodo da cena chinesa.
Organizado de forma cronológica, o livro mostra o crescente estranhamento entre Ai Weiwei e o regime, que tolerou sua insolência provavelmente por causa da memória do pai, Ai Qing (1910-1996), poeta duramente perseguido na era Mao, mas reabilitado após a morte do líder comunista.
A gota d'água foi quando o artista usou o blog para mobilizar pessoas a coletar o nome de mais de 5.000 crianças mortas num terremoto em Sichuan, a maioria soterrada em "escolas de tofu", construções malfeitas por causa de desvio de dinheiro público.
Escrito para um público distante, o texto, respaldado por dezenas de notas de rodapé, funciona para o leitor estrangeiro graças à aproximação que Ai Weiwei faz entre a China e o Ocidente, resultado dos 12 anos "vagabundeando" em Nova York, entre as décadas de 1980 e 1990. "A China e o mundo ficaram perplexos ao se descobrirem, e isso forçou ambos a se redescobrirem e a reimaginarem a hierarquia espacial do mundo."
De quebra, a crônica de Ai Weiwei sobre um país emergente oferece paralelos oportunos ao leitor brasileiro. Embora um dos idealizadores do estádio olímpico de Pequim ("Ninho do Pássaro"), pregou reiteradamente o boicote aos Jogos: "Os fomentadores da Olimpíada estão apenas vendendo remédios falsos quando fazem o seu estardalhaço em torno do espírito olímpico em terras distantes".
Os ataques contra o novo-riquismo são especialmente saborosos: "Não há rua pior do que a que vende apenas grifes famosas. Tudo o que elas vendem é discriminação e preconceito; elas vendem mentira sobre a estética". A carapuça serve na China e cabe no Brasil.